quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

LEX LUTHOR E A SÍNDROME DA PAPOULA ALTA


O mais icônico inimigo das histórias do Superman (Talvez de todas as HQ's). Lex Luthor é o segundo mais importante personagem da mitologia criada por Joe Shuster e Jerry Siegel e um verdadeiro arquétipo de super-vilão-gênio-cientista-do-mal no qual tantos outros criadores se apoiaram para a concepção de figuras similares.

“Qualquer história que tenha heróis versus vilões só pode ser tão inteligente quanto a inteligência do seu vilão”. (Bruce Willis) 

Essencialmente é o vilão quem faz o enredo de uma história.

O antagonista do filme Duro de Matar (1988), Hans Gruber, é um terrorista e um homem culto, mas que acaba sendo apenas um ladrão. Sua personalidade é fortemente contrastada com o brucutu John McClane, que consegue ser mais esperto e instruído com astutas táticas de rua. 


Hans Gruber ajuda a definir o que há de heroico em John McClane: seu caráter mundano em oposição ao refinamento de Gruber, sua brusquidão em oposição à suavidade de Gruber. Se não fosse por Gruber, McClane seria apenas um idiota.

O que faz de um herói um herói e, na verdade, cria o conflito necessário para uma trama forte, é um vilão que é sua antítese. O valor só pode vir da distinção, afinal. Como John McClane, a maioria dos heróis tem vários vilões para escolher, cada um dos quais pode enfatizar um conflito diferente.

Doutor Octopus, Lagarto ou Duende Verde, antagonistas das histórias do Homem Aranha, são frequentemente usados ​​como representantes da "ciência que deu errado" em oposição à "ciência que deu certo". Por outro lado, Venom é frequentemente usado como um exemplo de como o poder do Homem Aranha pode ser mal utilizado nas mãos erradas.

O Superman também tem muitos vilões, mas nenhum compartilha a mesma gravidade de Lex Luthor, que o desafia como nenhum outro.

Apesar do destaque de Lex Luthor, sua introdução não foi das mais ilustres. Ele não foi o primeiro cientista careca que o Superman enfrentou (Esse foi o Ultra-Humanoide - o macacão albino que você vê no cartoon da Liga da Justiça mudou seu cérebro de corpo constantemente, ele já foi originalmente um velho careca, já foi um insetão, já foi uma mulher sexy, já foi um T-Rex... Ah, quadrinhos).

Em sua estreia, Lex Luthor nem mesmo era careca. Ele era ruivo. E com um guarda-roupas digno de um monge medieval. Ainda muito distante daquela imagem estereotipada de cientista do mal que foi, acredito, consolidada pelo Dr. Sivana.


Originalmente, Luthor conhecera o Superman, na época chamado Superboy, ainda em sua juventude quando ambos viviam em Smallville (Atualmente o Superman e o Superboy não são mais o mesmo personagem devido a uma série de retcons).

Se você já assistiu Superamigos ao menos algumas vezes em sua jovem vida, talvez tenha visto um ótimo episódio cujo título original era History of Doom. Se não assistiu, lamento, porque ele é ótimo, com um tom bem sombrio para aquela inocente animação produzida pelos estúdios Hanna Barbera na década de 70.

O dito episódio traz uma história apocalíptica, o mundo que conhecemos está completamente arruinado, aparentemente por um colapso nuclear resultante de uma guerra.

Um grupo de sábios alienígenas visitam o nosso falecido mundo para estudarem o que restou da civilização e descobrir o que foi que levou um povo pensante como o nosso a sucumbir em uma guerra.


Os inteligentes extraterrestres, encontram as ruínas da Sala da Justiça e tem acesso a um antigo arquivo em vídeo deixado pelos super-heróis da Terra.

Basicamente, Lex Luthor, líder da Legião do Mal, lançou em nosso Sol um foguete de Íons causando uma explosão colossal que nem mesmo o Superman pode impedir de aniquilar com a vida na Terra.

Tenho certeza de que este episódio dos Superamigos foi a inspiração para o episódio de Liga da Justiça, em que o Superman é teletransportado para um futuro igualmente apocalíptico, sendo dado como morto no presente. As situações são muito semelhantes, porém com Vandal Savage colocado no lugar de Luthor como o responsável pelo fim do mundo.


"Obrigado... "

Enfim, o episódio History of Doom abre um espaço para contar a origem do super-vilão Lex Luthor.


Luthor e o Superman se tornaram amigos quando adolescentes em Smallville, logo após o futuro vilão ter salvo o maior herói da Terra de morrer pela queda de um meteoro de kriptonita.

Naquele tempo, Luthor já era um aspirante à cientista e um grande fã do Superman. Como gratidão por salvar-lhe a vida, o Superman reformou o laboratório de Luthor, tornando-o muito mais moderno, para ajudá-lo na realização de seu sonho.


A calvície de Luthor foi devida a um acidente de laboratório que ele atribuiu ao Superman.

Trabalhando num antídoto que tornaria o Superman invulnerável a kriptonita, Luthor se viu preso em seu próprio laboratório em chamas. Ele gritou por socorro, e o Superman tentou salvá-lo apagando o fogo com o seu super-sopro.

Porém, o sopro do Superman não apenas destruiu o laboratório do jovem Lex Luthor, como também derramou substâncias químicas sobre ele, fazendo-o perder todos os seus cabelos. Apesar do Superman alegar inocência, Luthor o acusou de ser um mentiroso e de invejar o seu gênio científico.

Seu ódio pelo Superman fez com que decidisse dedicar o resto da sua vida a cometer crimes super-científicos.


Sim.

A sua origem era exatamente assim nas histórias em quadrinhos daquele tempo.
Esta história veio da necessidade que os roteiristas da época viram em dar ao confronto entre o Superman e Lex Luthor uma rixa pessoal.

Ah, a Era de Prata.

Piadas à parte Ok. Você vai dizer que é uma história de origem idiota, mas eu gostei bastante de conhecê-la ainda quando criança quando via o desenho dos Superamigos. E esta história de origem ainda estabeleceu a irracionalidade da personalidade de Luthor quando se trata do Superman.

Em um grande arco da série animada da Liga da Justiça, Luthor financia uma campanha de um bilhão de dólares para concorrer à presidência. Quando perguntado por outro super-herói, o Questão, sobre o porquê disso tudo, Luthor ri porque alegadamente nem se importa com isso. Ele só queria irritar o Superman.


O Super-Homem de John Byrne, Man of Steel, reformulou o personagem para se ajustar aos tempos, especificamente a América dos anos 80. Em um país da era Reagan, onde os ricos eram vistos agindo sem consideração pelos outros (como ilustrado em filmes como Wall Street e Changing Places), não poderia haver vilão maior do que um executivo corporativo corrupto.

Lex Luthor patenteou suas inovações científicas brilhantes para ganhar bilhões, além de se envolver em algumas atividades ilegais. Se o Superman representa o que é considerado bom em seu país (altruísmo irrestrito), Luthor representa o seu lado mais perigoso (um capitalismo sem restrições).

Esse "reboot" removeu qualquer conexão entre o passado do Superman e Lex Luthor. A animosidade de Luthor decorre de pura arrogância.

Quando Luthor vê pela primeira vez a grande introdução do Superman a Metropolis em Man of Steel, sua secretária pergunta sarcasticamente: "Como é ser o segundo homem mais poderoso de Metropolis?"

Isso resume a razão de Lex Luthor confrontar o Superman: sua própria existência é uma afronta ao seu sucesso.


Esta versão de Lex Luthor não é apenas um homem muito rico, mas também é um homem feito por si mesmo. Ele nasceu na pobreza, filho de um pai abusivo em um distrito da luz vermelha, inocentemente conhecido como Suicide Slum. Ele fez sua fortuna através da engenharia autodidata e do assassinato de seu próprio pai como capital inicial.

Alguém poderia imaginar como um homem assim, que teve que "se sustentar com suas próprias pernas" por toda a vida, reagiria a alguém que tem a divindade como uma primogenitura?


Na vida real, os seres humanos não são os melhores em reagir a disparidades claras de capacidade ou recursos, especialmente quando essas disparidades não são "conquistadas".

Na psicologia social, esse fenômeno é chamado de "síndrome da papoula alta", na qual "pessoas de mérito genuíno são ressentidas, atacadas, cortadas ou criticadas por causa dos seus talentos ou realizações que as elevam ou as diferenciam de seus pares".


Conta-se que o tema da síndrome da alta exposição tem suas primeiras referências nos livros de Heródoto e nas reflexões de Aristóteles. Também aparece em um relato de Lívio sobre o tirano “Tarquínio, o orgulhoso”.

Segundo Heródoto, o imperador enviou um mensageiro para pedir conselhos a Trasíbulo sobre a melhor maneira de manter o controle sobre seu império.

O mensageiro perguntou a ele, mas Trasíbulo somente começou a caminhar entre as plantações de trigo. Cada vez que encontrava uma espiga mais alta, cortava-a e a jogava no chão. E não disse nenhuma palavra.


Quando o mensageiro voltou para o imperador, contou-lhe sobre a atitude estranha do conselheiro. O imperador o compreendeu. A mensagem significava que ele deveria eliminar todos aqueles que estivessem acima dos outros. Acabar com os melhores, para que seu poder e sua supremacia jamais fossem postos em cheque.

A síndrome da alta exposição gera consequências em duas dimensões.

A primeira tem a ver com o indicado. Há uma tendência, quase natural, de não permitir que alguém se destaque demais, porque isso gera inseguranças ou cria uma sensação de ameaça nos outros.

Portanto, aos que se destacam, muito frequentemente são feitas críticas com severidade excessiva. Ou são muito exigidos. Ou procuram minimizar seus talentos e suas conquistas.


A segunda consequência da síndrome da alta exposição é que ela ensina as pessoas a terem medo de se destacar.

Precisamente por tudo o que foi dito, as pessoas aprendem, mais implícita do que explicitamente, que estar acima dos outros pode colocá-las em risco. Risco do quê? De rejeição, questionamentos, crítica e até mesmo de ostracismo.

Por isso, muitos assumem que o correto é não se destacar em nenhuma circunstância. Assumem o “baixo perfil” como uma norma e se assustam ao se verem expostos aos outros. De uma forma ou outra, acabam sendo adestrados para não desafiarem o estabelecido.

É uma pena, pois nesse processo, também perdem capacidades, deixam de lado talentos genuínos e até renunciam ao sucesso.


A síndrome da papoula alta ou da alta exposição nos diz que quando as pessoas se destacam muito em alguma área, provocam o ódio nos demais. Esse ódio não pode ser chamado de inveja propriamente dita. Sobretudo, ele se relaciona como o fato de que o sucesso dos outros faz com que as nossas próprias limitações se tornem mais visíveis.

Na mesma linha, muitas versões de Lex Luthor se consideram trabalhando a favor do público, tentando reduzir o Superman e outros heróis.

Na série 52, Lex Luthor cria o "Everyman Project", que foi um esforço para capacitar humanos normais com meta-habilidades, destruindo assim a distinção de meta-humanos.

É claro que ele quer usar o processo em si mesmo, mas como ele é incompatível, isso o leva a matar alguns dos seus próprios meta-humanos criados.


Apesar de seus óbvios problemas pessoais, a reação de Luthor ao Superman não está muito longe de como as pessoas reais provavelmente reagiriam nessa situação. Pense nas realizações humanas como um todo (ciências, filosofia, etc.), depois pense no que a existência de uma raça alienígena avançada significaria para o nosso orgulho nesses empreendimentos.

O Superman não é apenas mais forte. Em Grandes Astros Superman, é ele retratado como sendo mais inteligente e possuindo tecnologia superior do que Luthor.

Todas as disciplinas empíricas são antrópicas por necessidade. Não temos o benefício de poder perguntar a uma lula ou a um cacto o que eles acham que a vida significa. Por isso o modelo geocêntrico do universo era tão popular.

A narrativa do significado dos seres humanos no universo é baseada na ignorância. Portanto, a existência de um grupo de seres que não são apenas semelhantes a nós, mas também superiores, seria terrivelmente chocante, uma vez que subverte nossa confiança intelectual.

Superman é um homem que Luthor não pode superar, e, portanto, ele deve destituí-lo. Isso explica a afetação de Luthor pelo "humanismo" em suas encarnações recentes.

Filosofias democráticas como o humanismo geralmente têm a nefasta base da síndrome de papoula alta mencionada: se todos são iguais, ninguém pode ser superior. As pessoas naturalmente querem ser superiores a alguém. Sem superioridade, teríamos muito pouco a lutar.

Acontece que sempre haverá alguém com uma superioridade inerente que não pode ser correspondida por nenhuma quantidade de esforço. Lembre-se, Lex Luthor ainda quer poder para si, apesar de suas afetações ao humanismo. Ele justifica sua própria sede de poder por determinação "humana", em oposição aos presentes "alienígenas" do Superman.


Enquanto Lex pensa que Superman é o fim do orgulho humano, eu diria que ele faz exatamente o oposto. Veja sua origem: um simples garoto da fazenda que, por acaso, levanta tratores, descobre que não é humano. Ele é realmente o último sobrevivente de uma raça alienígena hiper avançada.

Ele se torna um atleta profissional e ganha milhões?

Não.

Ele derruba o governo e se declara governante do planeta?

Não.

Ele nem mesmo se tornou um lutador profissional.


Ele coloca uma capa e se torna um super-herói, sem recompensa necessária.

Clark não precisou sofrer uma tragédia horrível (como o Batman ou o Homem-Aranha) ou receber um código de uma vocação superior (como a Mulher Maravilha ou o Lanterna Verde) para se tornar um super-herói. Tudo o que ele precisou foram os bons costumes antigos da sua cidade natal.

Os pais de Superman ensinaram-lhe alguns princípios básicos: cuide de sua família e vizinhos, não faça o mal, seja responsável. Essas são todas as coisas que provavelmente já ouvimos em algum momento de nossas vidas e aplicamos.


Clark levou essas ideias a sério. Quando adulto, ele sentiu que estes mesmos valores eram verdadeiros no nível macro, e por isso levou o universo sob sua proteção. O heroísmo dele é uma versão ampliada da maioria das pessoas. Provavelmente é por isso que a maioria das iterações atuais do personagem enfatiza o quão "comum" o Superman realmente é.

Embora ele possa ter a grandeza de um super-herói, ele é apenas um garoto otimista em seu coração. A maioria das obras que tentam desconstruir o Superman parecem sugerir que seu heroísmo vem de um provincialismo autoritário, especialmente The Dark Knight Returns, onde ele é retratado como um arrogante a serviço do governo estadunidense.

O fato é que Clark nunca pensou em si mesmo de maneiras tão sublimes. Ele é apenas um cara honesto, tentando ao máximo usar suas habilidades para o bem da humanidade.

Para todos os efeitos, ele é humano, e é isso que o torna Superman. Se essa moral de cidade pequena do interior pode inspirá-lo a ser o maior herói do mundo, isso valida os humanos que a mantêm.


O Superman vê através da fachada humanista de Luthor. Se ele quisesse melhorar a humanidade, isso poderia ter sido realizado facilmente, dado seus meios.

Em Grandes Astros Superman, quando Luthor está confiante de que a sua maquinação para morte de Superman foi bem sucedida. Apesar de saber que vai morrer em breve, o que mais irrita o Superman não é o que seu inimigo fez com ele, mas o fato de que Lex Luthor desperdiçou o seu potencial em uma disputa de rancor sem sentido.

Luthor não vai seguir seus objetivos "humanistas" depois de derrotar o Superman, revelando que sua cruzada é uma busca egoísta.

Em contraste, o Superman não vê a humanidade como algo a ser conquistado, ele realmente reconhece a força de vontade e a capacidade que Lex Luthor tem e fica frustrado por seu rival não ser capaz de enxergar a semelhança que compartilham.


O que faz do Superman o maior herói do mundo, pelo menos segundo ele, é que ele vê o melhor da humanidade.

“É uma dicotomia notável. De muitas maneiras, Clark é o mais humano de todos nós. Então... ele atira fogo dos céus e é difícil não pensar ele como um deus. E como somos todos afortunados por isso não lhe ocorrer". (Batman)

domingo, 8 de setembro de 2019

A HISTÓRIA QUE MATOU SAINT SEIYA


Há bastante tempo Saint Seiya morreu.

"Morreu" pode parecer uma conclusão extrema e exagerada, mas acredito que o leitor irá concordar com a maior parte dos argumentos expostos nesta postagem.

Saint Seiya, os Cavaleiros do Zodíaco, é uma franquia que está morta, ou pelo menos encontra-se em um tipo de coma criativo, já que com relação às vendas, ainda tem angariado bons números.

Muitos já devem estar pensando: "Morto? Mas sai uma série nova quase todos os anos".

Ok, mas quantas destas séries foram realmente boas? O que esta franquia ofereceu nos últimos anos?

Soul of Gold não passou de um fan service genérico para vender mais brinquedos apoiando-se na popularidade dos Cavaleiros de Ouro.

O animê de Saintia Sho foi, infelizmente, uma péssima adaptação que sujou a reputação do seu mangá de origem, feito com o único objetivo de vender brinquedos capitalizando o fã mais hardcore, incluso o otaku caçador de waifus.


Mas a "punhetagem" foi novamente em cima da popularidade dos Cavaleiros de Ouro.

O animê Saintia Sho, além de resgatar o traço clássico de Shingo Araki para chamar a atenção do público otaku da melhor idade, coloca as Saintias (As "mulheres cavaleiros" sem máscara e verdadeiras protagonistas do mangá) em segundo plano, trás uma história extremamente corrida, suprimindo importantes acontecimentos do mangá, e é difícil não suspeitar que tudo foi assim executado para que os Cavaleiros de Ouro entrassem logo em cena.


Saint Seiya Omega (Só não chamo este de "Saint Seiya Super" porque, felizmente, ninguém o tornou canônico) falhou miseravelmente na execução de todas as suas novas ideias apresentadas, para vender mais brinquedos e nostalgia no lugar de qualidade.

A única vez em que nos foi oferecida uma série realmente boa e sólida foi com a adaptação do mangá The Lost Canvas que acabou terminando como um fracasso comercial. E ainda há fãs viúvas e iludidos esperando uma terceira temporada deste animê. Esqueçam. Não parece que acontecerá.

Cavaleiros do Zodíaco da Netflix... melhor nem comentar.


A última vez que a saga clássica tentou fazer algo com integridade artística e tratando de explorar de forma profunda as temáticas da franquia foi há mais de 10 anos com O Prólogo do Céu, um filme cheio de sutilezas e sub-textos... que também foi um fracasso.

O Prólogo do Céu é um filme profundo, com uma animação espetacular e uma história maravilhosa. É o meu filme favorito da franquia, e fico feliz por saber que não sou o único a pensar desta maneira acerca deste trabalho de extrema qualidade. Ele prova porque a franquia foi uma das mais bem sucedidas do seu tempo, mais até do que Hokuto no Ken, a qual sempre foi comparada.

Muito mais interessante para o público espectador (e para as lojas de brinquedos) uma série formada por um grupo de heróis com suas diferentes personalidades com os quais pode se identificar e variados poderes especiais como protagonistas do que uma série semelhante que conta com um único super-lutador no papel principal como é o caso de Hokuto no Ken.

Então qual o estado atual de Saint Seiya? Na minha opinião, desta série restou apenas uma "franquia zumbi" que hoje só pode oferecer execuções áudio-visuais medíocres.

Por outro lado, temos também várias opções (melhores) envolvendo o nome da franquia em mangá.

Temos  Saint Seiya Episode G Assassin, um mangá que apesar de parecer quase uma fanfic glorificada, é interessante e expande a história dos cavaleiros de Athena, apesar de seus exageros presentes desde o Episode G clássico e a sua arte "poluída".


O mangá de Saintia Sho é um spin-off, mas ainda assim respeitável, com boas histórias e personagens.

E ainda temos alguns mangás originais de Kurumada com algumas ideias recicladas.

Quem então teria dado o tiro de misericórdia que matou a franquia?

Muitos poderiam culpar a Bandai, por financiar péssimas adaptações animadas apenas para turbinar o seu catálogo de brinquedos. Ou poderiam escolher a Toei como culpada por produzir estas animações medíocres, mesmo sendo o estúdio com o maior número de animações e capital financeiro.

Não tiro a razão da revolta contra a Toei, mas esta foi na verdade apenas uma cúmplice, quando o verdadeiro responsável por esta tragédia é ninguém menos que o próprio... Masami Kurumada.

Next Dimension, a continuação canônica do mangá original assinada por Kurumada, não é um crime contra a obra. Aliás, eu gosto bastante deste mangá. Mas é preciso separar as coisas.

Eu gosto de Next Dimension, mas também não posso dizer que ele é um mangá excelente. Apesar de trazer ideias novas e interessantes, ele recicla demasiadamente ideias antigas, como uma nova batalha nas 12 Casas.

Deve ser a terceira vez que os Cavaleiros de Bronze precisam cruzar as 12 Casas, e isso só contando obras canônicas. E sem falar do terrível esquema de publicação do mangá Next Dimension, alongando forçosamente o ritmo da história.

Com a aparição de um promissor e intrigante personagem, Odysseus de Ophiuchus, muitas destas coisas pareciam ter sido solucionadas, mas o dano já estava feito. Agora que finalmente temos uma história nova e com um grande potencial, teremos que esperar anos para que Kurumada a finalize.


Next Dimension não chega a ser daninho para a obra clássica. Ao menos não é um Dragon Ball Super da vida, porque este sim destruiu uma boa obra clássica, tornando-a irreconhecível, cagando em conceitos e desconstruindo e flanderizando personagens icônicos.

Enquanto Next Dimension tem sim muita coisa boa e interessante, por outro lado este mangá não afeta em nada a história de Saint Seiya e definitivamente não funciona como uma continuação. Então, se você não gostar de Next Dimension, pode simplesmente ignorá-lo, isso não interfere em nada.

O mesmo, entretanto, não pode ser dito dos outros mangás assinados por Masami Kurumada, as duas armas as quais ele utilizou para matar a sua franquia: Saint Seiya Episode Zero e Saint Seiya Origin, mangás canônicos que supostamente narram os acontecimentos anteriores à história do mangá original.


Para começar, Episode Zero tem uma execução pobre. Aliás, MUITO pobre. Resumidamente, Masami Kurumada intentou produzir uma versão oficial para a história do escape de Aiolos com o bebê Athena do Santuário, sendo desta vez perseguido por Afrodite, Shura e Máscara da Morte.

Mas o que temos nesta história são versões completamente simplórias, planas e eu diria até idiotas de todos estes personagens. E, para piorar, esta história tornou o cavaleiro de Sagitário o personagem mais genérico, simples, tedioso, pouco memorável e tosco de toda a série. Quem diria.

Aiolos era o irmão severo, porém justo, de Aioria. Esta é a imagem que a maioria do público casual de Saint Seiya têm do sagitariano. Ainda que o treinamento de Aioria tutelado por Aiolos seja um filler do animê clássico, esta era a imagem mais recordada pelo público acerca do personagem, e quando você pensa em "expectativa versus realidade", há sim uma grande perda com este mangá.

O Aiolos do mangá original, após salvar Seiya do ataque de Aioria, protegendo-o com a sua armadura, sugere que seu irmão menor cometa suicídio por duvidar da palavra e por lançar seu ataque contra a deusa a qual ele supostamente deveria proteger.


A ideia de retratar um escape oficial de Aiolos junto com o bebê Athena já cheirava a caça-niqueis. O mangá original apenas nos entrega que Aiolos fugiu do Santuário junto com Athena, foi acusado injustamente de traição e foi assassinado por Shura. O que aconteceu entre a fuga de Aiolos e o seu encontro com Mitsumasa Kido não faz diferença nenhuma para a história. Isso nunca foi relevante.

Já tivemos várias versões não-canônicas para a fuga de Aiolos como o filler tosco produzido pela Toei no episódio clássico da série animada (Episódio 65: A espada sagrada ruge), o original mangá Episode G e o game Saint Seiya Online.

Nestas três versões clássicas, Shura é o único oponente poderoso que surge barrando o caminho de Aiolos. E, aparentemente, Shura sozinho foi capaz de ferir mortalmente aquele cavaleiro de ouro que era considerado o mais poderoso em atividade naquela época.

O Episode G descreveu este acontecimento de maneira aceitável, sem prejudicar ou desconstruir a imagem de nenhum dos personagens envolvidos. Entretanto, com Episode Zero tudo isso muda. Nesta nova versão descobrimos que Aiolos não enfrentou apenas um, mas três cavaleiros de ouro. E tanto Aiolos quanto seus três perseguidores agem de forma estranha e retardada, como num filler tosco da Toei já mencionado.


Por que Aiolos não se protege com sua armadura? Por que Shura, Afrodite e Máscara da Morte apenas atacam um oponente que claramente não quer lutar e ainda carrega um bebê que ele só quer manter seguro? Por que todos atacam indiscriminadamente antes de fazer perguntas?

Ao que tudo indica, os três dourados já estavam à par da traição de Saga e de que este ocupava a cadeira do Pontífice, entretanto, como vemos nos últimos momentos do confronto deles com o cavaleiro de Sagitário, Shura, Máscara da Morte e Afrodite não tinham intenção real de matar Aiolos. No fim, Shura, sem alternativa melhor para tirar Athena dos braços de Aiolos, deu o golpe de misericórdia. Ele desejou que seu amigo morresse com hombridade, como um samurai, e convence seus companheiros de que o melhor a se fazer seria aguardar que Athena renascesse algum dia.

Apenas após este golpe, Shura demonstrou arrependimento em lágrimas, o que é estranho porque em sua primeira aparição no mangá original, ele se apresentava a Shiryu na casa de Capricórnio, como orgulhoso por ser o responsável pela morte do "traidor".

Nada disso ficou claro. A péssima escrita deste mangá também o leva a estranhas conclusões.

O caça-níquel perde ainda uma oportunidade para desenvolver os personagens. E por que não? Mas os cavaleiros dourados do século XX já eram carismáticos, sem a necessidade de conhecermos o passado deles, embora isso pudesse dar um maior peso e carga dramática a cada um deles (Vide Episode G). Mas isto é um shonen mangá, e, para este tipo de história, não importava a sua unidimensionalidade, ainda seriam ótimos personagens para o tipo de escrita.

O tema central de Saint Seiya original era a justiça e as diferentes formas de promovê-la. Algumas das opiniões seguintes são particulares das visões que tenho a respeito dos já mencionados personagens...


No mangá original, a ética de Shura era o agir pelo dever. Ele era o cavaleiro mais devotado à justiça. Ser o mais fiel à deusa Athena não passa de um filler cretino. E a ética deste cavaleiro só poderia ser atingida através do livre arbítrio. A sua vontade se embasava na moralidade e suplantava os instintos. Para Shura, tudo era preto no branco. Ele, obviamente, não reconheceu Athena, quando ela veio ao mundo.

Shura era um traidor e não um iludido, como o animê fez parecer. Shura sabia de tudo, a traição de Saga, a inocência de Aiolos e também a identidade de Saori como Athena, mas ainda assim manteve-se calado e leal ao Santuário. Por suas convicções acerca da força, da moral e da justiça, viveu anos tentando se convencer de que estava do lado correto da história.

Acreditou que seu silêncio poderia ajudar o Santuário a proteger a justiça do mundo, mas aconteceu justamente o contrário, ele só piorou tudo. Assassinou Aiolos, que era seu amigo mais próximo, e por isso precisou conviver com a culpa de executar aquele que era o único cavaleiro que merecia ser chamado de "mais fiel à Athena".

Quando colocamos tudo isto em retrospecto, o sacrifício e posterior redenção de Shura, confiando a Shiryu o seu poder (Excalibur) e a sua missão, ganha um peso ainda maior.


Afrodite, tal como Shura e Máscara da Morte, não reconheceu em Saori alguém a quem confiar o mundo. Muitas pessoas podem não reconhecer, mas ele poderia ser quase tão cruel quanto o Máscara da Morte. A diferença estava em sua ideologia.

A filosofia do pisciano pode ser resumida na seguinte frase: “agir sempre de forma a produzir a maior quantidade de bem-estar”. Ele não se importa com o fraco que haveria de perecer nestas batalhas. Para Afrodite, a perfeição era o objetivo principal do cavaleiro da justiça e pessoas podem ser prejudicadas para o benefício da uma maioria. Seria Afrodite um utilitarista?

Máscara da Morte... Veremos este mais adiante...

Episode Zero e Origins são prequelas mal escritas, e gostaria agora de citar um exemplo de uma prequela que foi muito bem escrita.

O filme especial de Dragon Ball Z para a TV, conhecido no Brasil como Bardock, o pai de Goku é o melhor exemplo de uma prequela muito bem feita, e na qual todos os roteiristas de mangás do mesmo estilo deveriam ter como inspiração.

Vejam como estou sendo honesto. Escolhendo uma obra contemporânea a Saint Seiya, feita para a mesma audiência e que incluso foi publicada na mesma revista.

O filme de Bardock segue sendo um exemplo excelente de como se deve fazer uma prequela. Se este filme tivesse sido feito do mesmo jeito que foi feito Episode Zero, seria algo que apenas mostraria Goku saindo de sua nave ao chegar a Terra, alguma cena com Frieza utilizando alguma técnica nova, destruindo algum planeta, algum cameo insignificante e fim.


Mas não. Este capítulo anterior a saga de Dragon Ball é uma história que se sustenta por si mesma e não só isso, era diferente. Tem um tom mais trágico e não se tratava da história de um herói salvando o dia. Foi a história de um guerreiro saiyajin, que era bastante sanguinário, mas tratou de proteger o seu povo que lhe deu as costas, sendo considerado um louco que tinha visões apocalípticas. Este guerreiro rompeu os seus limites, e morreu, perdendo-se no esquecimento.

Sim. Dragon Ball já foi um animê maravilhoso (Saudades). Akira Toriyama é infinitamente mais nocivo para Dragon Ball do que Masami Kurumada foi com CDZ recentemente.

A única maneira de conhecermos esta história sobre Bardock é vendo o filme em questão, diferente dos eventos de Saint Seiya Episode Zero, os quais você não precisa ler o mangá para conhecê-los, porque já conhece toda a história que ele descreve.

Agora com Saint Seiya Origin poderíamos até oferecer a Kurumada um prêmio. Ele definitivamente conseguiu realizar um trabalho que em muito foi pior do que Episode Zero em todos os sentidos! Com esta história, Masami Kurumada matou Saint Seiya!

Saint Seiya Origin conta a história do nascimento de Saga e Kanon. Pois bem, aqui é revelado que Saga tornou-se um instável bipolar por culpa de uma Espectro surgida do nada chamada Ker. Estes são novos elementos por si só restringem a história e, para entender isto, observe as mudanças que foram acrescentadas à história.


Similar ao caso Athena, nascida dos céus como um bebê em Episode Zero, assim que se aproxima uma nova Guerra Santa, nasce o primeiro cavaleiro de ouro, e este é transportado por uma estrela cadente a sua respectiva casa zodiacal no Santuário (?).

Fazer com que os cavaleiros dourados cheguem ao Santuário desta maneira apaga completamente o seu passado. Agora precisamos aceitar que todos os 12 dourados foram criados lado a lado, isolados do resto do mundo que não conhecem.

Assim, não há mais a possibilidade de pensar em momentos que poderiam ter marcado suas respectivas infâncias, o que ajudaria a explicar as suas distintas visões de mundo. E estas diferenças existem. Cada um dos Cavaleiros de Ouro têm a sua particular e distinta definição do que é justiça.

Poderíamos finalmente imaginar que Máscara da Morte teria essa personalidade e valores tão corrompidos por alguma experiência terrível do passado ou algo assim, mas agora não. Por que ele é mau? Caiu de cabeça da sua estrela cadente ao chegar ao Santuário?


Máscara da Morte, por alguma razão que desconhecemos, é violento, malvado e maligno, entretanto a sua armadura de ouro ainda o reconhecia (ao menos até a sua luta contra Shiryu na casa de Câncer). Nunca nos foi explicado a causa para isto. Mas qual seria a melhor explicação para a maldade do personagem? Talvez uma infância sumamente violenta que torceu o seu espírito? Assim poderia ter sido Manigold em Lost Canvas se ele não tivesse sido acolhido pelo Patriarca do Santuário...

Ok. Aqui também é o caso de que para o tipo de mangá, tais acontecimentos não teriam tanta importância para a história. Máscara da Morte é mau e só isso importa. A rivalidade entre ele e Shiryu ainda segue sendo a mais memorável de todo o mangá. Porém, estes novos elementos acrescentados por Kurumada acabam prejudicando em muito a sua obra.

O mesmo pode ser dito de Saori/Athena. Comparando também com caso Lost Canvas, a personagem Sasha tem o conflito de ser separada dos que ama para liderar os cavaleiros em uma guerra, buscando estar a altura da Athena original e deixando o seu lado humano para trás. Tudo isto fazia com que Sasha e até certo ponto Saori fossem mais interessantes.


Agora precisamos aceitar que todas as reencarnações de Athena são criadas no Santuário sem conhecerem o mundo que devem proteger porque nascem do céu e caem no templo do Patriarca. No lugar de encontrarem as razões para lutarem por este mundo nos seus respectivos passados, os cavaleiros e a sua deusa precisam proteger o mundo simplesmente porque este é o seu destino.

Outro gravíssimo problema neste mangá é deixar implícito que o Santuário esteve "desativado" durante dois séculos. Sendo então "reativado" somente com o surgimento de uma nova geração de cavaleiros. Isto contradiz uma das ideias mais poderosas do mangá original chamada "legado".

Em parte, Saint Seiya trás a ideia de tomar o manto daqueles que viveram antes, seguir com sua luta para proteger a humanidade, o que pode ser visto na vontade de Aiolos, de Dohko e outros.

Lost Canvas complementou esta ideia com a história de Hasgard de Touro, o Aldebaran de Lost Canvas, um cavaleiro passando sua armadura, seu nome, suas experiências, erros e sonhos a seus estudantes, em um ciclo generacional.


O conceito de cavaleiros que não lutaram em guerras santas, mas que são pontes entre as mesmas, comunicando e reforçando o que uma geração há 200 anos viveu a atual, é muito mais potente do que "bom, acabou a Guerra Santa, então vamos fechar o Santuário por uns 200 anos".

É interessante ver Mu treinando junto ao seu mestre Shion em Saint Seiya Origins e compreender como foi que se estabeleceu a sua relação com Dohko e finalmente entender como é que o Mestre Ancião vigia os Espectros nos Cinco Picos. São detalhes bons, ainda que muito simplistas. Mas e os demais cavaleiros?

Milo e Écarlate têm os mesmos golpes (Agulha Escarlate, Agulha Escarlate de Antares, Restrição), Ox e Aldebaran idem (Grande Chifre), etc. Como os sucessores aprenderam os golpes de seus antecessores? As armaduras vem com manual de instruções? Algumas pessoas teorizam a reencarnação que é uma ideia que particularmente abomino por ser extremamente fácil e preguiçosa.

Em Lost Canvas, os discípulos de Hasgard se encarregaram de transmitir tais técnicas, e em Episode G Assassin vemos que Shura foi treinado por Izo enquanto Máscara da Morte foi por Death Toll, os respectivos cavaleiros de Capricórnio e Câncer do século XVIII (Obviamente isso foi possível através de métodos viajantes diferentes do caso de Dohko que recebera uma benção de Athena que lhe permitiu passar dos 200 anos de idade).

Todas situações presentes nestes outros mangás são muito mais interessantes, mas infelizmente não-canônicas.


Agora chegarmos ao ponto principal desta crítica: a presença de um novo personagem que arruinou completamente Saint Seiya: a deusa Ker.

A deusa Ker é uma personagem totalmente desnecessária em todos os aspectos. Percebam que usei a palavra "desnecessária" no lugar de "incoerente". O plano da deusa é rebuscadamente desnecessário, e ainda é uma personagem que foi integrada a história muito tempo depois, mas que o autor quis retroativamente inserir no cânon, tratando de convencer a audiência de que ela sempre esteve aí, tipo o que acontece com Bills em Dragon Ball Shit Super.

Ker é apresentada como irmã dos deuses Thanatos e Hypnos e como a deusa do destino, embora na mitologia grega original seja reconhecida como a deusa da morte violenta. Além disso, sua representação mais comum na mitologia era de um grupo de espíritos malignos com a forma de mulheres, as Keres ("Ker" era um singular).

Quando Saga e Kanon recém-nascidos chegaram a casa de Gêmeos, Ker enviou um "terceiro bebê", um espírito maligno chamado Lemur. O plano da deusa era simplesmente possuir o recém-nascido Saga com um tipo de "fantasma" para que ele destrua o Santuário por dentro e para infiltrar-se a vontade no Santuário.


E no final deu tudo errado.


Deusa inútil!


A pergunta que fica é: Se ela é uma deusa capaz de entrar no Santuário e mexer com a mente de qualquer cavaleiro, apagando a sua memória no processo, porque ela simplesmente não matou a Athena e os Cavaleiros de Ouro quando ainda eram crianças?

A verdade é que jamais deveria ter sido estabelecido uma personagem assim neste ponto da história com uma origem para conflito da dualidade de Saga de Gêmeos, ainda que usando esta personagem de uma forma mais inteligente.







Deusas de inteligência comparável.





Outro problema com presença de Ker é que TODOS neste mangá, igual ao que acontece em Episode Zero agem como idiotas. Ker, com o seu plano estúpido, é realmente uma idiota. Shion, por outro lado, pode ser considerado o pior destes casos. Por um lado, ele tem dúvidas a respeito de matar um Espectro porque este tem a forma de um bebê, mesmo sendo um veterano que lutou na Guerra Santa e tendo ideia do que o exército de Hades é capaz. Porém o suposto bebê é uma merda de um vórtex negro, não passa de uma massa escura. Quem veria isto como um bebê?

O autor claramente força o personagem a agir de forma estúpida e incoerente para desenvolver de uma forma artificial certos eventos que de uma outra forma não poderiam acontecer.

O plano de Ker de introduzir um terceiro bebê só foi bem sucedido devido a um pequeno retardo mental que fez com que Shion duvidasse se deveria matá-lo. De nenhuma outra maneira isto funcionaria.

Porém a pior parte de todo este mangá é que não só Saint Seiya Origins inseriu retroativamente uma personagem idiota enfraquecendo a saga das 12 Casas, como também desconstruiu um dos melhores antagonistas de Shonen de todos os tempos, Saga de Gêmeos, que de um homem incompreendido e atormentado por poderosas e conflitantes convicções, passou a ser uma marionete manipulada pelos deuses.


Algumas das maiores críticas ao estilo Shonen pancadaria total recai sobre a previsibilidade dos acontecimentos da sua narrativa. Entretanto, a revelação de Saga de Gêmeos como o responsável por toda a crise do Santuário durante a dita casa das 12 Casas foi uma das mais incríveis e inesperadas surpresas deste mangá.

Ainda mais quando o "vilão" revela diante de Seiya o rosto de um homem sobrecarregado de remorsos e que chora lágrimas de dor e arrependimento, para na outra cena revelar-se um demônio sedento por sangue.

A ideia de um antagonista com um conflito tão forte era muito interessante. No mangá original, em nenhum momento é dito de forma clara qual seria a origem do desdobramento de personalidade de Saga, mas havia a presença de nuances e ideias poderosas para a sua origem.

Os mais comuns sintomas da suposta condição psiquiátrica de Saga descritos na literatura estavam presentes. O sujeito portador do desdobramento de personalidade pode levar duas ou mais vidas sem que uma tenha consciência da existência da outra, portanto uma patologia ainda mais grave do que a esquizofrenia.


Como o esquizofrênico, Saga ouvia vozes que ditavam a sua conduta, e a relação das duas personalidades antagônicas do personagem, em um matiz de preto e branco, era como a relação entre o Doutor Jekyll e Mister Hyde, do clássico literário O Médico e o Monstro.

Este clássico inspira também outros personagens da cultura pop em geral, como a relação entre Norman Osborn e o Duende Verde e o caso Harvey Dent e Duas Caras. Mas a verdade sobre Saga era muito mais complexa do que isso.


Comparando novamente a condição de Saga ao relatado em estudos psiquiátricos, as personalidades assumidas pelo portador de um desdobramento de personalidade podem representar identidades criadas subjetivamente e que atendem aos anseios mais íntimos do indivíduo. Cada caso de personalidade pode ser vivido como se possuísse uma história pessoal distinta e própria, auto-imagem e identidade próprias, incluso com nomes diferentes.

Existe geralmente uma identidade própria, portadora do nome correto do indivíduo, frequentemente esta identidade costuma ser a passiva, dependente, culpada e depressiva, e eventualmente taxada de covarde pela outra ou outras personalidades.


As identidades alternativas têm nomes e características que contrastam com a identidade primária, como por exemplo virulência, hiper-atividade e/ou auto-afirmação exacerbada. Outras personalidades particulares podem emergir quando a pessoa se encontra em circunstâncias específicas ou altamente exigentes em termos emocionais.

O número de identidades relatadas pode variar de 2 a mais de 100, e metade dos casos examinados inclui indivíduos com 10 ou menos identidades. As causas podem estar associadas a abusos sexuais ou algum outro tipo de forte choque emocional durante a infância.

Provavelmente o fã de animê, deve lembrar-se do caso do icônico vilão Shinobu Sensui da série Yu Yu Hakusho, que manifestava 7 identidades distintas, cada uma com nome e personalidade diametralmente opostas: Minoru (o argumentador), Kazuya (o psicopata assassino), Naru (uma garota tímida e insegura), dentre as mais famosas. E a origem do seu desdobramento de personalidade está justamente relacionada com um poderoso choque emocional que sofrera.


Em Jojo's Bizarre Adventure Parte 5, a relação entre o vilão Diavolo e sua outra persona, chamada Doppio, é também semelhante em seus sintomas ao Transtorno Dissociativo de Identidade. As personalidades criadas subjetivamente atendem as ânsias mais profundas do indivíduo. Bem semelhante a Saga de Gêmeos, cada estado da personalidade pode ser vivido como se possuísse uma história distinta pessoal e própria. Mas Doppio não sabia que ele e Diavolo eram a mesma pessoa, configurando um tipo de amnésia, algum dos sintomas das pessoas que sofrem deste transtorno.

O caso de Diavolo já era muito ambíguo no mangá, e o animê conseguiu torná-lo ainda mais ambíguo. O personagem nascera de sua mãe em uma prisão feminina, com seu pai morto há 2 anos. E mesmo quando bebê, ele já encara as pessoas e os seus olhos mudavam de maneira semelhante ao que víamos quando suas personalidades trocavam.

É discutível se Doppio e Diavolo são personalidades divididas. Ficou implícito que poderiam ser almas separadas, compartilhando o mesmo corpo (O Silver Chariot Requiem parece confirmar isso). Isto faria de Diavolo uma espécie de quimera distorcida como o resultado das circunstâncias incomuns do seu nascimento.


Ainda que o termo desdobramento de personalidade seja mais adequado para o cavaleiro de ouro de Gêmeos, Saga não era psiquiátrico, mas um homem que sofria. Alguém que, assim como nós mesmos, tem um pouco de escuridão dentro de si e que pode chegar a dominá-lo.

No caso de Saga, a origem do seu transtorno seguia sem explicação oficial que suscitava muitas interpretações. Mas a verdade que o mangá original parecia querer passar era que Saga sim trilhava o caminho de sua personalidade má.

O antigo Patriarca Shion já desconfiava da conduta de Saga, por isso escolheu Aiolos no lugar dele para ser seu sucessor. E isto foi o que faltava para Saga finalmente revelar quem era, assassinando Shion à sangue frio para tomar o seu lugar.


Tornar-se o Grande Mestre era peça fundamental para os planos de Saga para mundo, e como Shion e Aiolos ficaram me seu caminho, precisou agir de forma impulsiva, mas ainda inteligente.


Você via que o cavaleiro de Gêmeos, escondido sob o elmo e as vestes sacerdotais do Grande Mestre, realizava vários atos bons como acalmar o coração de um ancião em seus momentos finais de vida, ou mesmo dando ordens como se fosse o verdadeiro Patriarca.


Muitos diziam que aquele Grande Mestre que servia à vontade da sua deusa Athena não parecia ser um humano, mas ele próprio parecia um deus. De fato, Saga não era um cavaleiro de ouro qualquer, é dito que ele poderia ser Deus e o Diabo, e isso pode dizer muito acerca de sua "enfermidade".

Após matar Shion e tomar o seu lugar, Saga seguiu todo o protocolo de um Sumo Sacerdote. Seu comportamento junto à corte do Santuário e as pessoas que viviam naquela região era bem diferente do monstro em que ele se transformava quando sua personalidade má se manifestava.

Quando os primeiros diálogos entre as duas personalidades de Saga ganharam linhas no mangá, ficou claro que elas estiveram juntas desde o nascimento dele. Quando a personalidade má se fazia presente, toda a humildade do personagem desaparecia, julgando que ambos, as almas que formavam aquele único ser, juntas seriam uma criação divina, uma perfeição encarnada.

Poderíamos concluir que toda aquela egolatria não era fruto de possessão demoníaca, mas sim dos sentimentos mais profundos e reprimidos de Saga.


Saga sofria tensos momentos de crise, entrando em conflito consigo mesmo, e ficou claro que uma das suas personalidades estava disposta a fazer o necessário para cumprir todos os desejos da outra (De fato, ficou explícito que ele assassinaria a qualquer um que se atrevesse a descobrir o verdadeiro rosto do Patriarca impostor), uma ideia que, considero eu, era muito mais potente.

A morte de Saga tinha um peso real. Ele se vê responsável por suas ações e, após um duro caminho em busca de redenção, termina com a cruel ironia de tirar a própria vida diante de Athena, implorando a ela o perdão por seus pecados.


Intuímos que Kurumada pretendia fazer no início um vilão mau não verdadeiramente mau, apenas que sofrera de um problema psíquico, dividido entre o bem e o mau, que o fizera sucumbir a seu lado obscuro e a seus demônios, o dilema de todo ser humano.

Com Origins já não é mais assim. Agora um "fantasma" é o responsável pela segunda personalidade de Saga que sim era má. Toda a complexidade do personagem, todo este sub-texto se perdeu, dando lugar para um história de possessão maligna.

Saga passou a ser uma vítima do contexto. Uma marionete manipulada. Agora a saga das 12 Casas não aconteceu devido a determinação soberba de um cavaleiro dourado, mas por um plano mal pensado que funcionou por casualidade e que foi feito por uma deusa que poderia simplesmente ter acabado com Athena muito tempo atrás. Então a saga das 12 Casas ocorreu em vão, por engano de um personagem novo.


É por tudo isto que considero que Kurumada matou ou pelo menos está matando Saint Seiya. Por um lado o seu revisionismo histórico está recontextualizando partes do mangá clássico, tornando-o substancialmente inferior. E, por outro lado, despreza o trabalho de outros autores que fizeram muito mais por seu mangá do que ele mesmo.




Postagem em destaque

DRAGON BALL SUPER É UM LIXO, MAS A SUA PROPAGANDA É EXCELENTE

A imagem acima é autoexplicativa.  Dragon Ball Super é, em MINHA OPNIÃO, a qual você pode aceitar ou discordar, uma das maiores tragédias/...