domingo, 28 de fevereiro de 2021

AS MAIS NOTÁVEIS (E ESTRANHAS) PARTICIPAÇÕES DO DIABO NA CULTURA POP

Dentro das histórias das variadas ficções há algo de muito intrigante na figura do Diabo e desfrutar de tal representação literária está muito longe de ser um satanista. 

Deve haver algo atraente na personificação do mal supremo, porque o Diabo aparece em uma ampla variedade de livros, programas de TV, filmes, quadrinhos e canções. 

Ele tem muitos nomes e aparências diferentes, mas ainda aparece com muita frequência.

A coisa "divertida" sobre o senhor das trevas é que cada escritor tem uma visão diferente sobre o mesmo. 

Ele é o clássico homem-monstro de pele vermelha com chifres, forcado e cavanhaque? 

Ele é um atrevido homem de negócios, com cabelo penteado para trás, terno feito sob medida e cavanhaque?

Ou ele é um demônio babando, ou uma serpente falante, ou um belo anjo condenado ao Inferno? 

Em Os Simpsons, para Homer, o Diabo aparece revelando ser ninguém menos do que o seu chato vizinho religioso Ned Flanders, enquanto para o próprio Flanders, o Diabo é o cientista ateu e autor de uma série de livros críticos às religiões Richard Dawkins. 

Apesar dos episódios terem roteiristas diferentes, acabaram em conjunto demonstrado como cada um que tem crença no espiritual tem a sua visão particular daquilo que seria o representante do grande mal.


Satã, em Animaniacs:
Segundo Yakko Warner, ele tem um bronzeado 
melhor do que o do George Hamilton.

Ao longo dos séculos, vimos demônios encantadores e demônios grotescos, demônios simpáticos, diabos tocadores de violino e demônios capazes de arrepiar a pele. Portanto, escolha um desses lucíferos literários e talvez reconsidere fazer amizade com alguém com cavanhaque.

Há um velho ditado conhecido em alguns países latinos: "O diabo sabe mais porque é velho do que porque é o diabo." Experiência é uma vantagem incalculável, e muitas obras de ficção retratam a luta contra a era insondável de Satanás ou simplesmente tornam tudo uma grande piada para a nossa diversão. 


Heavenly puss (1949): O mais "assustador"
episódio de Tom & Jerry.

O ser do mal marca presença mesmo em desenhos animados americanos que todos acompanhamos ou assistimos ao menos uma vez em nossas vidas, mas principalmente na era clássica quando ainda eram um produto apreciado mais por adultos e exibidos nos cinemas. Como o clássico A Pantera Cor de Rosa que conta com um episódio (Pink Panzer, 1965) em que o personagem título e seu vizinho são instigados pela onipresente voz do narrador da história a se matarem, para no final do curta ele se revelar como o próprio Diabo!


A Pantera Cor de Rosa (Pink Panzer, 1965):
"Sabe, acho que é melhor devolver o aparador
de grama que pegou emprestado"

Enquanto o referido episódio tratava-se de uma crítica ácida sobre os comportamentos da sociedade, há aquelas animações que jogam na tela a figura do Satanás apenas como um modo de fazer rir.

Exemplos notáveis podem ser encontrados na era dos Cartoon cartoons, na louca década de 1990, como O diabo de A Vaca e o Frango que no episódio piloto "No Smoking" rapta o personagem Frango e o leva para ser torturado no Inferno pelo seu "pecado" de ter aceitado cigarros. Nesse piloto, O Diabo tem o seu forcado e mesmo um cão de três cabeças chamado Cérbero em referência ao deus helenístico dos mortos Hades, muitas vezes confundido com a ser do mal no cristianismo. 

Nos episódios seguidos, ele se torna inteiramente cômico, chamado agora de Bundefora, parece estar sempre tentando levar os personagens principais do desenho para o mau caminho, uma vez que tem uma estranha obsessão pelos dois. 


Cartoon Cartoons (Cartoon Network): Ele e 
Bundefora "assediam" Johnny Bravo.

As Meninas Superpoderosas apresentam o personagem conhecido apenas como Ele. Não sabemos exatamente se é apenas uma manifestação do mal ou o próprio lorde demônio do Inferno, mas é temido por todos os demais personagens do desenho, mesmo os vilões. Semelhante é o caso do Satã em South Park, animação agressiva e crítica para adultos, onde ele é o clássico diabo de chifre e vermelho que durante seu grande número musical, claramente inspirado em “Part of Your World” de A Pequena Sereia, lamenta o fato de não poder desfrutar dos prazeres do plano material, já que ele tem que ficar no Inferno e cuidar do trabalho diário de torturar os condenados. 

Passando agora para o cinema, A Profecia, filme do gênero terror de 1976, conta a infância de Damien Thorn, trocado após o seu nascimento pelo filho natimorto de Robert Thorn, embaixador americano no Reino Unido. O que o diplomata e sua família não sabem é que ele é na verdade filho de Satã, nascido de um chacal na sexta hora do sexto dia do sexto mês, e destinado a ser o Anticristo.


Damien Thorn (o Anticristo) de A Profecia.

Em Advogado do Diabo (1997), Al Pacino interpreta John Milton (xará do autor de Paraíso Perdido), o Diabo, com um personalidade impressionante que quando não está entregando monólogos prolixos e esbugalhados contra Deus, é um conhecido mega-advogado de Nova York ocupado em tentar corromper o jovem advogado com a personalidade de uma tela em branco Kevin Lomax para gerar o Anticristo e trazer o fim dos tempos. Tudo o que ele precisa fazer para atingir esse objetivo é convencer o advogado a matar sua meia-irmã e engravidá-la. E você pensando que a sua família era problemática.


O Advogado do Diabo, John Milton (Al Pacino)
 e Kevin Lomax (Keanu Reeves)

A Lenda (1985) transforma Tim Curry no demônio cinematográfico fisicamente bestial: enorme, vermelho e com chifres tão largos na base quanto todo o rosto, explodindo em cenas passando por espelhos e exalando a personalidade mais ameaçadora da carreira do ator.


Tim Curry interpreta O Lord das Trevas,
 o demônio em A Lenda de 1985.

Chernabog é o Satanás de Fantasia (1940), fantástico filme animado da Disney da década de 1940, com a sequência musical "Night on Bald Mountain". Esta representação do arquidemônio certamente foi um pouco desconfortável para as crianças nos 1940 ou 1950, de um tamanho colossal e claramente mal até os ossos, Chernabog sorri e parece se gabar de sua própria grandiosidade enquanto convoca todos os tipos de fantasmas, goblins, bruxas e criaturas perversas ao seu redor. No final das contas, ele é derrotado pelo toque do sino do Angelus e o poder sagrado que ele representa, mas há um certo sentimento de desconforto, mesmo na vitória. 

O nome do personagem é também o nome de um deus eslavo que, embora as únicas fontes históricas disponíveis sejam de origem cristã, é descrito como o deus da noite, da morte, da pestilência, da maldade, etc, logo facilmente associado ao Diabo.

E a Disney não parou de fazer associações entre o Diabo e a religião pagã, repetindo o feito com o malvado, mas divertido e por isso amado por todos, Hades da animação Hércules (1997). Expulso do Olimpo por Zeus, em uma clara referência à Lúcifer, fala pelos cotovelos como um vendedor de carros usados a vender o seu produto e soltando uma pérola atrás da outra a cada minuto, tornou-se o maior atrativo do filme que conta até mesmo com um pacto entre o vilão e uma jovem para salvar a vida de um antigo amor. O preço por ele cobrado? A sua alma.

Mais tarde retomamos o tema "ver o Diabo na religião do outro".

A controversa obra de Martin Scorsese, A Última Tentação de Cristo (1988), trás uma meditação moralmente nua e sem pretensão sobre o fardo profundamente humano da divindade, descrevendo o Diabo como o oposto exato da besta gigante do mal visualizada por séculos de dogma cristão. Para o Jesus Cristo de Willem Dafoe, o Diabo vem na forma de uma menina inocente e de aparência pura, tirando-lhe o peso espiritual incomensurável de ser o messias em vez de oferecer a salvação pacífica na forma de uma existência humana normal. As motivações ocultas do Diabo tornam-se claras quando atingimos o clímax, um tratado transcendental sobre o livre arbítrio. 


A Última Tentação de Cristo, o Diabo e o Jesus
interpretado por Willem Dafoe.

O filme, no entanto, se afasta da interpretação bíblica comumente aceita pelos cristãos e não está baseado de fato nos Evangelhos. Acredito que todos os leitores do blog já devem estar à par dos protestos e mesmo atentados terroristas ocorridos na época pela exibição deste filme, envolvendo no França mesmo os seguidores do arcebispo excomungado Marcel Lefebvre e o partido extremista Frente Nacional.

Tanto o filme quanto os atentados são assuntos difíceis de se comentar porque envolvem muito as sensibilidades das pessoas ligadas à fé.

Adentrando agora o universo da ficção científica que pode envolver seres cósmicos e pessoas que de alguma forma conseguem poderes através da radiação, ao invés de problemas de saúde. Mas tudo pode ficar ainda mais estranho quando consideramos os personagens adquirindo seus poderes de figuras religiosas reais. 

O que dizer sobre os motociclistas demoníacos e os espíritos da vingança divina coexistindo com os deuses nórdicos e os guerreiros olímpicos?

A Idade de Ouro dos quadrinhos começou em 1938 e usar o Céu e o Inferno era algo ainda totalmente aceitável como você verá a seguir:


O Espectro, indiscutivelmente o mais poderoso super-herói do
universo DC.

Quando o policial Jim Corrigan morreu, seu espírito encontrou uma luz brilhante e uma voz que lhe disse que ele deveria retornar à Terra como o Espectro, um espírito vingativo e aquele personagem que será para sempre o super-herói mais ridiculamente poderoso de toda a DC Comics. 


Kid Eternidade e o Guardião.


Também aconteceu na mesma editora a história de um menino que morre prematuramente ao ter o seu barco afundado por nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Para corrigir aquele erro, São Pedro pede ao Sr. Keeper, que conseguiu a passagem das almas para o céu, para ser o mentor do garoto em sua nova carreira como um super-herói chamado Kid Eternidade.


Não confunda o Kid Eternidade com o Anjinho de 
Turma da Mônica.

E não podemos nos esquecer do mago Shazam que tirou o poder tanto da figura judaica de Salomão quanto de divindades de panteões pagãos.

Após a Segunda Guerra Mundial, no entanto, passou-se a acreditar cada vez mais que a sociedade estava em constante perigo de subversão, e isso significava que a mídia narrativa estava sob escrutínio profundo. 

O Comics Code Authority foi criado em 1954 para monitorar os quadrinhos antes de serem entregues ao público. Não havia nada de ilegal em publicar uma história em quadrinhos sem o selo do Código, mas a maioria não se arriscava por medo de pais irritados.

De acordo com o Código, os criminosos não deveriam ser simpáticos ou glamorosos, a autoridade governamental legítima não deveria ser posta em maus lençóis e o comportamento sexual “desviante” era proibido. 

O Código também bloqueou a representação da adoração a demônios, bruxaria e "mortos-vivos, tortura, vampiros e vampirismo, carniçais, canibalismo e lobisomens". Ainda assim, quem decidia o que não era aceitável às vezes dependia de quem estava trabalhando no escritório da Comics Code Authority naquele dia, e alguns criadores perceberam que, desde que você não ofendesse as crenças dos funcionários do Código especificamente, poderia escrever a sua história.

No mesmo ano do Código, Stan Lee e Jack Kirby escreveram a primeira história do Dr. Destino, que mostra o vilão como um apaixonado por dois livros: "Demônios" e "Ciência e Feitiçaria". Mais tarde, somos informados do seu longo fascínio pela "magia negra". Mas, uma vez que Destino era claramente um "cara mau", não havia problema de ele se interessar por tais tópicos.


Mesmo ainda sob a vigilância do Comics
Code Authority
, em 1971, o Homem
Aranha encontrou o "vampiro" Morbius,
cujos traços físicos são resultantes de 
experimentos científicos ao invés de
sobrenaturais.

E não podemos deixar de mencionar que a "ambiguidade" era a chave para superar o autoritarismo do Código. Como a história que Lee e Steve Dikto escrevem em Amazing Spiderman também no mesmo ano, onde uma múmia engana um ladrão, sendo que aquela criatura poderia ser tanto um morto-vivo quanto um homem disfarçado.

Kirby gostava da ideia de Arthur C. Clarke (o autor de obras incríveis como 2001: Uma Odisséia no Espaço) de que qualquer tecnologia suficientemente desenvolvida é indistinguível da magia, e ele gostava de representar deuses como fantasia científica em vez de pura magia. 


Os Eternos (Marvel Comics) de Jack
Kirby, claramente inspirados na obra de
Erich von Däniken Eram os Deuses
Astronautas?

Lee concordou com esta abordagem, preferindo que o Universo Marvel nãode valide qualquer crença específica. Em palestras na faculdade, ele disse que "não teve problemas em mostrar Thor encontrando seres das mitologias grega e egípcia porque o universo era grande o suficiente para conter muitas dessas entidades e seus respectivos panteões. Se algumas dessas entidades acreditaram que ajudaram a criação da humanidade, bem, talvez ajudaram e talvez não".

E então Lee e seus colaboradores povoaram o universo Marvel com uma grande variedade de substitutos satânicos. As primeiras histórias do Dr. Estranho envolviam os seres Pesadelo e Dormammu, que pareciam ser de natureza demoníaca, mas habitavam outras dimensões em vez da vida após a morte. 


Dormmamu Eu vim barganhar!

Em 1968, Lee e John Buscema criaram Mefisto, o "demônio" mais famoso da Marvel, em uma história do Surfista Prateado. E o personagem foi nomeado em homenagem ao Mefistófeles de Fausto, poema de proporções épicas que relata a vida trágica de um homem da ciência desiludido com o conhecimento do seu tempo, o qual todo mundo, mesmo sem acesso a leitura, conheceu graças ao mestre do humor Chespirito e seu super-herói Chapolin naquele seu sensacional episódio do Chirrin Chirrion do Diabo.


Mefistófeles (ou apenas o Diabo), interpretado
pelo comediante Ramon Valdéz.

O reino de Mefistófeles no conto trágico de Goethe é um lugar onde almas foram torturadas e foi dito que existia além do universo físico. Isso ajudou a tornar o Surfista Prateado, uma versão de ficção científica de um Messias imperfeito que resiste à tentação, enquanto Mefisto era o Satanás do Novo Testamento em tudo, exceto no nome.


Mefisto, aproveitando-se da figura do
diabo cristão para perseguir as almas mais
puras do universo.

O equivalente de Mefisto na DC Comics é o anjo caído Neron, mas, apesar dos dois serem praticamente o MESMO PERSONAGEM, o equivalente da editora do Superman é ainda pouco conhecido. E creio eu que os motivos possam estar em sua aparência, pouco marcante e pobre em traços demoníacos, e a sua reduzida participação nas grandes sagas da editora.


Neron é o diabo do DC, é praticamente
um Mefisto com uma outra aparência
 e um outro nome, uma vez que o papel
de ambos em seus respectivos
universos é o mesmo.

Embora Neron tenha participado de momentos memoráveis como quando o Coringa lhe entregou a sua alma em troca de uma caixa de charutos ou quando o Lobo lhe entregou a sua alma, mas em troca da alma do lorde do Inferno. Como Neron já não tem uma alma, não lhe restou outra escolha se não devolver a alma do último czarniano, embora este tivesse exigido outra coisa para compensarem o mau entendido.


Demônio Azul, basicamente o
"Hellboy da DC Comics".

Foi Neron quem deu poderes similares aos do Demônio Azul ao parceiro deste, o Kid Demônio, mas com a promessa de nunca ter sua confiança em seu mentor abalada, pois isso resultaria em ter que entregar a sua alma ao vilão. O herói adolescente ingenuamente aceitou a barganha, uma vez que confiava no Demônio Azul com toda a sua vida. Mas a sua confiança acabou sendo abalada quando descobriu através do próprio super-herói que fizera também um acordo com Neron para ter sua glória e fama como artista de cinema restaurada o que resultou na morte de Marla, a tia do Kid Demônio.

E como uma história sobre possessão demoníaca nunca está completa sem um exorcista, o maior inimigo do Kid Devil é o Kid Cruzada, um poderoso combatente filho de missionários assassinados em missão evangelizadora.

Os quadrinhos de super-heróis tinham seus demônios, mas também seus anjos e até deus. A entidade cósmica do universo Marvel, o Tribunal Vivo, introduzido em 1967, era um ser de três rostos que servia como juiz sobre várias dimensões e realidades, possivelmente todas, e mais tarde se referiria a seu criador e chefe como One Above All ("Aquele acima de todos"), cujo equivalente na concorrente DC seria O Presença.


O Tribunal Vivo

No mesmo ano em que surge o Tribunal Vivo, a DC lança um novo herói fantasmagórico conhecido no Brasil como Desafiador. A sua história: Boston Brand foi um acrobata assassinado que teve a chance de retornar à Terra e lutar contra o mal. Quem o recrutou foi uma deusa chamada Rama Kushna (semelhante à verdadeira deusa hindu Krishna). Como Kushna era uma criação original e sua natureza ambígua, e como Boston era um fantasma agindo quase como um anjo ao invés de um zumbi ou um vampiro, o Código não teve problemas com isso. Anos depois, Boston disse acreditar que Kushna era uma das muitas faces de Deus.

Com o relaxamento do Código em 1971, agora "vampiros, carniçais e lobisomens devem ser usados ​​quando manuseados na tradição clássica, como Frankenstein, Drácula e outras obras literárias de alto calibre escritas por Edgar Allan Poe, Saki, Conan Doyle e outros autores respeitados, cujas obras são lidas em escolas de todo o mundo”.


O demônio Etrigan

Junto com o retorno de vampiros e outros, isso abriu a porta para a DC Comics fazer referência direta às ideias judaico-cristãs novamente. O demônio Etrigan, criado em 1972, não era de um reino que lembrava o Inferno, ele simplesmente veio do Inferno. Mas a DC estava mais receosa em colocar Jesus Cristo em uma história em quadrinhos. 

Um grande arco de história do Monstro do Pântano deveria terminar com o personagem titular encontrando o carpinteiro nazareno, mas o editorial decidiu mais tarde que o assunto seria muito controverso, então não foi impresso.

O universo Marvel continuou a contornar o problema, no entanto. 

Originalmente, o Motoqueiro Fantasma, como Etrigan, era um homem que fez um acordo com Satanás, mas os leitores foram informados mais tarde que aquele era Mefisto disfarçado. 


Origem do Motoqueiro Fantasma.

Mais tarde ainda, Satanás e Mefisto seriam rivais em diferentes reinos, mas possivelmente nenhum deles era o Diabo da tradição cristã. A Casa das Ideias parecia semelhante à DC em um aspecto: quando Tony Isabella escreveu uma história do Motoqueiro Fantasma com uma aparição de Jesus, esta foi reescrita pelo editor Jim Shooter no último minuto para dizer que tudo aquilo era apenas uma ilusão.

Na década de 1990, as coisas estavam mudando novamente. O Comics Code Authority perdeu força e seu selo agora apenas significava que uma história não era mais adulta do que um filme PG-13. 

O crossover Crise nas Infinitas Terras reiniciou grande parte da continuidade da DC Comics, e os criadores ainda estavam debatendo quais regras e cânones ainda se aplicavam, o que permitiu que muitas ideias novas e contraditórias surgissem. 


O Amigo (Jesus Cristo) protege o Motoqueiro Fantasma
 e expulsa o Diabo.

Séries como Monstro do Pântano, Hellblazer e Sandman, em que os mortos foram enviados a diferentes reinos de acordo com a crença pessoal em vez da lei universal e todos os deuses deviam uma parte de sua existência ao protagonista da série, mostraram que os leitores podiam lidar com tópicos religiosos modernos em histórias sem necessariamente ficarem ofendidos. 

O Espectro, mergulhou profundamente na moralidade e na mitologia religiosa, transformando-se na ira do Deus do Antigo Testamento, ligado a uma alma humana, e eles sugeriam que Jesus era a forma dada pelo perdão de Deus. Anjos como Miguel estavam presentes e mudavam suas formas, nomes e personalidades quandono apareciam para pessoas de crenças diferentes.

O Vingador Fantasma é um ser que trabalha para Deus e normalmente atua em conjunto com o Espectro para garantir que o julgamento dos outros seja feito corretamente.

Na verdade, acredito que não exista um super-herói que odeie mais a Deus do que o Vingador Fantasma. Em Secret Origins Vol. 2 # 10 são apresentas quatro teorias para a sua origem, escritas e ilustradas por diferentes autores.

A primeira (de Mike W. Barr e Jim Aparo) é uma abordagem do mito do Judeu Errante. Nesta história, o Vingador Fantasma é um homem cuja família foi massacrada pelos romanos que procuravam por Jesus quando este era bebê. 30 anos depois, ele troca de lugar com um romano que deveria torturar Jesus e obtém a sua vingança. Então Jesus o condena a caminhar pela Terra até o seu retorno. 

Assim, o Vingador Fantasma descobre que ele não pode mais desfrutar de nenhuma atividade humana e tem que vagar para sempre. Ganha os seus poderes nesta versão estudando magia e, no final, recebe o perdão de Deus, mas recusa a oferta de entrar no Céu.


Secret Origins Vol. 2 # 10: Vingador Fantasma.
Roteiro de Mike W. Barr e arte de Jim Aparo.

A segunda (de Paul Levitz e Jose Lopez) explica que o Vingador Fantasma era um homem nos tempos bíblicos que viveu no que pode ser considerado Sodoma ou Gomorra. 

Como a cidade estava sendo destruída ao seu redor, um anjo aparece e oferece a ele a salvação por ser um homem decente em um mundo indecente. Entretanto, ele recusa a oferta do anjo e se apunhala com ódio por Deus não salvar o seu povo. O anjo não permite que o espírito do homem entre na vida após a morte e o condena a andar na Terra pela eternidade com poderes para ajudar a humanidade.


Secret Origins Vol. 2 # 10: Vingador Fantasma.
Roteiro de Paul Levitz e arte de Jose Lopez.

A terceira (de Dan Mishkin) é sobre um grupo de humanos que está tentando impedir que seu universo seja destruído. O Vingador Fantasma surge e tenta impedir que a ignorância deles destrua toda a realidade e toca um dos cientistas que está mergulhado no espaço e ele se torna o Vingador Fantasma desse universo. 

Isso pode significar que o personagem é uma força que viaja de universo para universo ou está preso em um loop temporal e deve reviver o mesmo universo indefinidamente.

A quarta (de Alan Moore e Joe Orlando) dá a teoria de que o Vingador Fantasma era originalmente um anjo que não escolheu um lado quando Lúcifer confrontou Yahweh. Como resultado de não se aliar a Deus ou Satanás, o anjo é expulso do céu. Ele então desce ao Inferno para ver se Lúcifer terá pena dele e permitirá que fique, mas não encontra esse conforto. Em vez disso, Lúcifer e seus seguidores arrancam as asas do anjo e o forçam a caminhar sozinho na Terra por toda a eternidade.

Qual a sua versão preferida?

A Marvel ainda flertava com a fantasia científica para explicar seus demônios, mesmo tendo Mefisto alegando que sua origem foi devida ao criador das Joias Cósmicas Infinitas. Mas como programas de TV como Buffy a Caça Vampiros, Charmed e, posteriormente, Supernatural mostraram consistentemente que o público estava disposto a aceitar ficção misturada com simbolismo religioso, a Marvel finalmente seguiu o exemplo. 

O Homem-Aranha salvou um anjo do Natal de Mefisto, que mais tarde fez referência direta ao Anticristo em uma história do Demolidor. Anjos, Inferno, Satanás e Deus foram diretamente referenciados e apresentados pelo valor de face em vários quadrinhos. Em 2004, o Quarteto Fantástico até viajou para o céu e encontrou Deus, o qual se parecia muito com Jack Kirby.

Mas não entenda mal: os universos dos quadrinhos da Marvel e da DC podem incluir anjos e demônios, mas se você perguntar quem criou esses universos, a resposta não será "o deus de Abraão". 

O cenário da Marvel está cheio de histórias desgrenhadas de deuses, onde alienígenas tecnologicamente avançados e seres cósmicos inspiram indiretamente a mitologia humana. 

No Universo DC, sabemos que a existência não começou com a luz no primeiro dia, mas com uma mão azul gigante segurando uma partícula que se tornaria todo o cosmos, em parte porque um cientista alienígena (Krona) fez uma máquina que lhe possibilitava observar o primeiro momento do tempo.


O cientista Krona apresenta aos seus pares de Oa 
(estrela da raça dos Guardiões do Universo) o início 
da criação de tudo o que existe.

A cosmologia dos universos de super-heróis é uma colcha de retalhos feita pelas contribuições de muitas pessoas ao longo de muitos anos. Mas pergunte a um historiador sobre como surgiu uma grande religião mundial e eles dirão exatamente a mesma coisa.

Por outro lado, mesmo o cristianismo sendo ainda uma religião "exótica" no Japão, temas referentes a essa religião são constantes em muitas obras como animês, mangás e mesmo tokusatus.

Akira Toriyama, no tempo em que eu ainda o admirava, mesmo trabalhando contra a sua vontade nas sagas de Cell e Majin Boo, em sua mais conhecida obra Dragon Ball, construiu um universo muito interessante e elegante. 

Neste seu trabalho, a maioria dos deuses não são eternos, eles nascem, vivem centenas de milhares de anos e, como qualquer outro ser vivo, morrem. Eternos são os conceitos "bem" e "mal" que mudam de representantes com a evolução das eras.

Um deus ou demônio morre e deixa um sucessor para ocupar o seu cargo.


A fanfic Dragon Multiverse: O que aconteceria se Dabura, o lorde do Inferno se livrasse do controle mágico do mago Babidi? Ele certamente reclamaria por seus anos de servidão. Existem fãs com mais respeito pelas obras originais do que seus próprios autores. Este trabalho é um exemplo disso.

Embora o cristianismo tenha sido pouco explorado em Dragon Ball, destacando-se os conceitos da Trindade representada através de Kami-Sama, Piccolo Daimaoh e Ma Junior, o mal supremo teve dois representantes mais destacáveis:

Para o começo do universo estabelecido por Toriyama, o Diabo, Piccolo Daimaoh, seria uma parte que se separou do próprio Deus da Terra, Kami-Sama, um conceito fascinante! Enquanto na saga de Majin Boo, o representante do governante dos infernos seria Dabura, o qual foi concebido buscando inspiração diretamente da figura de Satanás e seguindo a representação já consagrada do demônio grande e vermelho com chifres e cavanhaque.

A obra Neon Genesis Evangelion encontra no contexto da teologia pós-moderna uma análise e crítica cultural. Hideaki Anno, o criador da série, usou alguns conceitos, símbolos e temas cristãos, nesta que em todas as suas variações é uma mitologia específica do início e do fim da vida na Terra. 


Neon Genesis Evangelion
de Hideki Anno é
provavelmente a obra japonesa que mais referencia
a religião cristã.

A vida na Terra começou acidentalmente e foi causada pelos representantes da raça extraterrestre moribunda (Primeira Raça Ancestral) e pode ser encerrada por seres humanos devido à sua curiosidade científica, o seu desejo de saber tudo baseado no sentimento de solidão e separação de algo coerente no todo, isso se manifesta em confiar na opinião de outra pessoa. 

A mitologia de Neon Genesis Evangelion constitui uma teologia pós-moderna que ecoa principalmente as doutrinas judaico-cristãs através do uso de palavras como "Adão", "Lilith", "Eva", "Evangelion", "Anjo", "Lança de Longinus", etc, mas, na verdade, a obra acaba sendo uma crítica ao extremo entusiasmo da humanidade sobre ciência e tecnologia e o coletivismo japonês.

O animê/mangá shonen Jojo's Bizarre Adventure tem um vilão para cada saga específica, sendo na parte 6 Stone Ocean, Enrico Pucci, um padre que desejava adquirir o poder para trazer o paraíso à Terra e Jesus Cristo existe nesta história, quando se revela ajudando o protagonista Johnny Joestar a evoluir o seu poder Stand e lhe entrega a missão de derrotar o presidente dos Estados Unidos, o vilão principal da parte 7, Steel Ball Run.


Jesus orienta Johnny Joestar.

Bom, esta aparição de filho de Deus é muito controversa e creio que o autor Hirohiko Araki tenha buscado inspiração no "folclore" local de onde a história se desenrola, os Estados Unidos, berço de muitas seitas estranhas, consequência de um cristianismo cada vez mais fraturado, como aquela fundada por Joseph Smith que pregava que Jesus, após sua ressurreição, foi à América pregar o Evangelho aos indígenas (que eram judeus???). 

Se Araki não pesquisou antes de escrever a parte 7, estamos diante de de uma incrível coincidência.

Mas o Diabo em pessoa aparece na obra-prima de Go Nagai, Devilman.

Neste animê/mangá, Satã é um arcanjo que caiu em desgraça quando desafiou a Deus ao se aliar à raça dos demônios depois de saberem do plano do criador para eliminá-los. Após uma aparente derrota na era Cretácea, Satã e o exército de demônios hibernam, congelados em calotas polares em todo o mundo e permanecem neste estado até que acordam 2 milhões de anos depois, para descobrir que a Terra foi tomada por humanos. 

Desgostoso com essas novas criaturas, Satã decide lidar com elas, antes de retomar sua batalha contra Deus. Como parte de seu plano, o general demônio Psycho Jenny apaga as memórias de Satã e as substitui pelas do recém-falecido Ryo Asuka, a fim de se infiltrar na sociedade humana e encontrar sua fraqueza. 

Enquanto vivia como Ryo, ele se aproxima do tímido garoto humano Akira Fudo, o herói da história, que se torna o seu melhor amigo e, como Devilman, o seu maior inimigo. 

Satã tem um senso de justiça muito forte, embora equivocado, traindo seu pai Deus para proteger a raça demoníaca contra o julgamento divino. Essa proteção não se estende à humanidade, a qual ele vê como um parasita que precisa ser eliminado. 

Ironicamente, embora assumindo uma identidade humana, Satã herda esse mesmo senso de justiça, mas direcionado contra os demônios e só percebe quando é tarde demais para voltar atrás. O tratamento que dão aos humanos não é diferente do tratamento que Deus dá aos demônios.

Alerta de Spoiler...

Satã vence sua guerra contra a humanidade, mas perde tudo no processo após perceber tarde demais o amor que sentia por Akira. Sim, o senhor do Inferno estava apaixonado por nosso herói.


"O amor não existe. Não existe tal coisa como amor.
Portanto, não existe tristeza. Foi o que pensei
",
Satã em Devilman Crybaby.

O Ova Saint Seiya, Saishu Seisen No Senshi Tachi, conhecido no Brasil como Os Guerreiros do Armagedon, é um filme bastante controverso entre os fãs e parece ter sido produzido unicamente com fins comerciais. No entanto, há aspectos muito interessantes, como a trilha sonora, quase de inteiramente composto por música sacra e o simbolismo dos anjos, o que o tornaria facilmente o melhor já realizado para a série, se ao menos pudesse contar com mais uns 20 minutos de duração.

A princípio, minha ideia era escrever uma postagem sobre as principais curiosidades acerca deste curta, mas logo percebi como era vasta a presença de representações demoníacas no cultura pop e assim este texto o tamanho que você pode ver.

O filme tem como uma das suas maiores inspirações a obra Paraíso Perdido (1667) de John Milton, onde Satanás reúne seus seguidores, encabeçados pelos demônios Mammon, Belzebú, Belial e Moloch, no palácio Pandemonium com o propósito de envenenar a Terra em vingança por sua condenação ao Inferno. Os criadores do curta tenham optado por utilizar demônios mais conhecidos na cultura como Astaroth e Eligol, conservando Belzebú e Moloch, se considerarmos o personagem Moa como um derivado de Moloch ou Mammon.

Os anjos caídos são servos de Lúcifer e cada um leva o nome de um demônio que incorpora um título angelical: Astaroth é um Querubim, Eligol é uma Virtude, Moa é um Trono e Belzebú é um Serafim. Os quatro demônios eram originalmente anjos, como Lúcifer, e sob o comando deste, se rebelaram contra Deus e compartilharam o mesmo destino, foram expulsos do Paraíso e condenados ao Inferno.


Saishu Seisen No Senshi Tachi apresenta um quadro 
"editado"do século XVI de autoria do artista renascentista
Rafael da derrota de Lúficer ante São Miguel Arcanjo, 
tornando a aparência do anjo caído mais próximo daquele 
apresentado no filme.

E o "sincretismo religioso", muito forte no animê e mangá dos Cavaleiros do Zodíaco, manteve-se muito presente neste filme, com Lúcifer sendo expulso do paraíso por São Miguel Arcanjo e ainda sendo vencido por  Athena, na mitologia grega, e por Marishi-Ten, o deus chinês da guerra, quando tentou dominar o mundo nas eras anteriores.

Os gregos chamavam Lúcifer de Phosphoros ("Portador da luz") e ele tinha vários apelidos: "Estrela da Manhã", "Estrela da Aurora" e Hesperos (Esperança). Ele era um Titã filho de Eos (a Aurora, filha de Hiperión) e de Astraeos. É um equivalente de Prometeu, e como ele, vela pelos seres humanos, dando-lhes o conhecimento, o saber e a emancipação. Se diz que, com o final da Idade do Ouro, é o único deus que ainda habita entre os humanos. É a encarnação do planeta Vênus, o objeto mais brilhante do céu, depois do Sol e da Lua, tocha que perfura a escuridão, incluso na mais obscura noite, portanto muito distante do monstro rebelde do cristianismo.

As concepções de anjos e demônios são muito diferentes dependendo do modelo tomado como base espiritual, o que deixa um campo bastante grande de possibilidades para o universo de Saint Seiya.

Originalmente, Belzebu, do hebraico Baal-Zebub, ou apenas Baal (termo usado para se referir a todos os deuses pagãos) era uma divindade cananéia, um deus semita das tempestades adorado na cidade de Ekron, mas mais tarde foi associado a Satanás pelas religiões monoteístas. O seu nome original significava "Senhor da casa", mais tarde foi entendido como "Senhor das moscas", apelido recebido após enviar uma maldição à Canaã na forma de um enxame de moscas, reconhecido como o número dois na hierarquia infernal, logo abaixo de Satanás, por isso chamado de Príncipe dos demônios. 


Belzebu

Alguns estudiosos afirmam que por mil anos ele governou o Inferno, talvez pela imensidão de seu poder e pelo assombro que seu fascínio provoca. Como na maioria dos escritos sobre demônios, uma lenda negra foi escrita para Belzebu, que dizem ter características que refletem grande sabedoria e um ar ameaçador. Perseguia as almas e foi considerado a personificação do mal, senhor do caos e chefe dos demônios por nada menos que três dos apóstolos.

Entre os cristãos, Belzebuth é outro nome para Lúcifer e a ideia é encontrada no Testamento de Salomão, onde Belzebuth diz que é um anjo caído associado à estrela Hesperus, que é outro nome de Vênus, e também associado a Lúcifer. Na demonologia, Belzebu é um querubim caído, braço direito e tenente de Lúcifer, localizado no alto da hierarquia do Inferno e associado nas obras do século XVIII a uma trindade diabólica composta por ele mesmo, Lúcifer e Astaroth.

Segundo a demonologia, Astaroth é conhecido como o "Grão-duque do Inferno", da primeira hierarquia demoníaca, à qual Belzebu e Lúcifer também pertencem.  Segundo Sebastian Michaelis, ele é um demônio do primeiro círculo e tenta os homens exasperando sua vaidade ou oferecendo-lhes luxúria, costumava ter a forma de um anjo cavalgando um dragão do inferno com uma víbora em sua mão esquerda, comandou 40 legiões, conhecia o passado e o futuro e podia responder a qualquer pergunta, por mais enigmática que fosse, sendo por isso conhecido como o Anjo do Conhecimento, dada sua condição de Querubim.


Astaroth

Astaroth de Querubín também inspirava-se em uma serpente branca de duas cabeças e poderia referir-se a Amphisbena, uma serpente mitológica com uma cabeça em cada extremidade do corpo, criada a partir do sangue que gotejava da cabeça decepada da Medusa, ou aos Nagas, semideuses da mitologia hindu na forma de uma serpente.

O Dicionário Infernal o descreve como uma espécie de velho anjo monstruoso usando uma coroa e segurando uma cobra em uma das mãos enquanto cavalgava um dragão. O personagem do OVA também pode ter se inspirado na lenda chinesa da cobra branca inteligente que meditou durante mil anos para encontrar uma forma de agradecer o homem que salvara sua vida, junto com uma cobra verde que era sua amiga. A serpente branca buscou a reencarnação do homem e descobriu que ele vivia na pobreza, assumiu então a aparência de uma jovem e a serpente verde a acompanhou como sua serva. Ela acaba se casando com seu benfeitor, mas acidentalmente o mata quando ele descobre a verdadeira natureza de sua esposa. A cobra branca parte em uma longa jornada para ressuscitar o homem e consegue, não sem perder sua própria liberdade devido a um monge.

Moa de Trono era um personagem de forte androgenia e parecia uma mistura de odalisca com gênio da lâmpada. O nome de Moa pode ter sido tirado de Moloch ou Mammon, dois dos quatro demônios que seguiram Lúcifer em vingança contra Deus, de acordo com o trabalho de Milton, mas isso não é conclusivo, o que nos obriga a fazer suposições que nos ajudam a entender sua origem.


Moa/Moloch

Moa, também chamada de Dinornis, era uma ave grande, prima da avestruz que vivia na Nova Zelândia e cuja espécie foi extinta no século XVI, não tinha asas, mas podia correr muito rápido graças às suas pernas poderosas. No Antigo Testamento, Isaías descreve os avestruzes como animais malignos que virão fazer seus ninhos nas ruínas da Babilônia, enquanto nos países árabes, os demônios costumam usá-los como montaria e, às vezes, assumiam a sua aparência.

O nome do "Caçador de almas", Moa do Trono, provavelmente deriva de Asmodeus, o demônio da luxúria, que junto de Samael são nomes dados a Lúcifer depois de tentar Eva com o fruto da árvore proibida. Uma teoria sobre demonologia poderia estar do lado do demônio Chemosh, a quem os habitantes de Moabe, atual país árabe da Jordânia, adoravam oferecendo-lhe sacrifícios humanos, também conhecida como a Abominação de Moabe, e às vezes chamado Ashtar-Chemosh, sob a qual era na verdade Astarte, uma deusa inspirada de Ishtar.

Outra forma que ajuda a vincular Moa aos mouros é que, pelo menos no caso de Belzebu e Ashtaroth, os anjos de Lúcifer têm suas origens em crenças combatidas pelos cristãos (ou pelos judeus, antes do advento do cristianismo) como a religião islâmica, por exemplo. O preconceito religioso existia contra aquele que não era predominante, e os cristãos consideravam os muçulmanos como adoradores do Diabo e declararam Maomé como o Falso Profeta e o Anticristo, mencionado no Apocalipse bíblico. 

Em A Divina Comédia de Dante Alighieri, Maomé aparece condenado ao inferno, entre os promotores da discórdia, por ser considerado cismático do cristianismo.


A Divina Comédia: Dante e 
Virgílio observam o Círculo Infernal
para onde vão os criadores de cismas
religiosos (Ilustração de Gustave
Doré, Seculo XIX).

Todas essas conjecturas são reforçadas pelo que é mostrado no filme, quando Moa enfrenta Hyoga. O Santo de Cisne só consegue derrotar o anjo caído quando se lembra da religião de sua mãe, que também é a sua, o cristianismo. Claro, isso só pode significar uma luta entre Deus e o Diabo, mas o simbolismo desse encontro pode ser aprofundado como um confronto medieval entre "salvar o cristianismo" do islamismo demonizado por cristãos (e vice-versa, muçulmanos também demonizam cristãos).


A técnica de Moa de Trono, Demônio de
Fantasia
: Hyoga vê sua mãe dentro da igreja ao
soar do Angelus.

Por fim, a última evidência que nos permite comprovar a origem muçulmana do anjo caído é a expressão “Caçador de Almas”, com a qual Moa é apresentado. No contexto do filme, Moa caça as almas de suas vítimas através de seu poder de sedução e é um fato histórico que os muçulmanos que tentavam submeter à força os infiéis ao islã por meio da Guerra Santa eram chamados de "caçadores de almas" pelos cristãos. Do ponto de vista europeu, os mouros (ou sarracenos, muçulmanos, islâmicos) eram caçadores que tinham como presas as almas dos infiéis, isto é, os não-muçulmanos.

Essa tradição, entretanto, vem de muitos séculos antes de Maomé, quando o imperador persa possuía seus caçadores de almas mundialmente famosos: o batalhão dos Imortais, a elite do exército persa, guerreiros recrutados da nobreza persa. Eles eram lanceiros e arqueiros de elite, adornados com mantos luxuosos, que formavam a guarda pessoal do imperador, um exército de 10.000 homens, assim conhecidos porque cada vez que um caía, era substituído por outro da reserva mantendo o número de 10.000 homens: cada membro morto, ferido ou gravemente enfermo era imediatamente substituído por outro, razão pela qual aparentemente nunca morreram.  


Eligor

De acordo com o Pseudomonarchia Daemonum Jean Wier, Eligor, também chamado de Abigor, é um grão-duque da monarquia infernal que comanda 60 legiões de demônios, aparece na forma de um belo cavaleiro com uma lança, um estandarte ou um cetro, sabe responder a perguntas sobre os segredos da guerra, conhece o futuro e ensina aos líderes como serem valorizados pelos soldados. Revela o que está escondido e conhece o futuro, as guerras e os soldados. Também atrai favores de senhores, cavalheiros e outras pessoas importantes.

Eligor também se apresenta como um espectro fantasmagórico, às vezes montado em um cavalo alado semi-esquelético, que na verdade é um de seus próprios subordinados no inferno, um presente de Belzebu que foi criado a partir dos restos mortais de um dos os cavalos do Jardim do Éden.


Lucifer Morningstar.

Quem nos leu os quadrinhos da série Sandman de Neil Gaiman deve ao menos ter assistido ao seriado de Lucifer Morningstar o qual deve igualmente muito à representação de John Milton. Cansado de dirigir o Inferno e superando todos os clichês que os mortais acreditam sobre o Diabo, fecha o seu reino, expulsa todos os demônios e se muda para Los Angeles. Ele é poderoso, nas tem a cara do Yoshigake Kira David Bowie (piada interna na série para TV, uma vez que o ator a interpretá-lo sequer é loiro), mas nunca é capaz de escapar do inferno de sua própria mente.

É interessante ver como esse mito mudou e se desenvolveu nos livros e em obras para o escapismo, refletindo várias as épocas e os seus valores. Quais são seus favoritos?

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