domingo, 8 de setembro de 2019

A HISTÓRIA QUE MATOU SAINT SEIYA


Há bastante tempo Saint Seiya morreu.

"Morreu" pode parecer uma conclusão extrema e exagerada, mas acredito que o leitor irá concordar com a maior parte dos argumentos expostos nesta postagem.

Saint Seiya, os Cavaleiros do Zodíaco, é uma franquia que está morta, ou pelo menos encontra-se em um tipo de coma criativo, já que com relação às vendas, ainda tem angariado bons números.

Muitos já devem estar pensando: "Morto? Mas sai uma série nova quase todos os anos".

Ok, mas quantas destas séries foram realmente boas? O que esta franquia ofereceu nos últimos anos?

Soul of Gold não passou de um fan service genérico para vender mais brinquedos apoiando-se na popularidade dos Cavaleiros de Ouro.

O animê de Saintia Sho foi, infelizmente, uma péssima adaptação que sujou a reputação do seu mangá de origem, feito com o único objetivo de vender brinquedos capitalizando o fã mais hardcore, incluso o otaku caçador de waifus.


Mas a "punhetagem" foi novamente em cima da popularidade dos Cavaleiros de Ouro.

O animê Saintia Sho, além de resgatar o traço clássico de Shingo Araki para chamar a atenção do público otaku da melhor idade, coloca as Saintias (As "mulheres cavaleiros" sem máscara e verdadeiras protagonistas do mangá) em segundo plano, trás uma história extremamente corrida, suprimindo importantes acontecimentos do mangá, e é difícil não suspeitar que tudo foi assim executado para que os Cavaleiros de Ouro entrassem logo em cena.


Saint Seiya Omega (Só não chamo este de "Saint Seiya Super" porque, felizmente, ninguém o tornou canônico) falhou miseravelmente na execução de todas as suas novas ideias apresentadas, para vender mais brinquedos e nostalgia no lugar de qualidade.

A única vez em que nos foi oferecida uma série realmente boa e sólida foi com a adaptação do mangá The Lost Canvas que acabou terminando como um fracasso comercial. E ainda há fãs viúvas e iludidos esperando uma terceira temporada deste animê. Esqueçam. Não parece que acontecerá.

Cavaleiros do Zodíaco da Netflix... melhor nem comentar.


A última vez que a saga clássica tentou fazer algo com integridade artística e tratando de explorar de forma profunda as temáticas da franquia foi há mais de 10 anos com O Prólogo do Céu, um filme cheio de sutilezas e sub-textos... que também foi um fracasso.

O Prólogo do Céu é um filme profundo, com uma animação espetacular e uma história maravilhosa. É o meu filme favorito da franquia, e fico feliz por saber que não sou o único a pensar desta maneira acerca deste trabalho de extrema qualidade. Ele prova porque a franquia foi uma das mais bem sucedidas do seu tempo, mais até do que Hokuto no Ken, a qual sempre foi comparada.

Muito mais interessante para o público espectador (e para as lojas de brinquedos) uma série formada por um grupo de heróis com suas diferentes personalidades com os quais pode se identificar e variados poderes especiais como protagonistas do que uma série semelhante que conta com um único super-lutador no papel principal como é o caso de Hokuto no Ken.

Então qual o estado atual de Saint Seiya? Na minha opinião, desta série restou apenas uma "franquia zumbi" que hoje só pode oferecer execuções áudio-visuais medíocres.

Por outro lado, temos também várias opções (melhores) envolvendo o nome da franquia em mangá.

Temos  Saint Seiya Episode G Assassin, um mangá que apesar de parecer quase uma fanfic glorificada, é interessante e expande a história dos cavaleiros de Athena, apesar de seus exageros presentes desde o Episode G clássico e a sua arte "poluída".


O mangá de Saintia Sho é um spin-off, mas ainda assim respeitável, com boas histórias e personagens.

E ainda temos alguns mangás originais de Kurumada com algumas ideias recicladas.

Quem então teria dado o tiro de misericórdia que matou a franquia?

Muitos poderiam culpar a Bandai, por financiar péssimas adaptações animadas apenas para turbinar o seu catálogo de brinquedos. Ou poderiam escolher a Toei como culpada por produzir estas animações medíocres, mesmo sendo o estúdio com o maior número de animações e capital financeiro.

Não tiro a razão da revolta contra a Toei, mas esta foi na verdade apenas uma cúmplice, quando o verdadeiro responsável por esta tragédia é ninguém menos que o próprio... Masami Kurumada.

Next Dimension, a continuação canônica do mangá original assinada por Kurumada, não é um crime contra a obra. Aliás, eu gosto bastante deste mangá. Mas é preciso separar as coisas.

Eu gosto de Next Dimension, mas também não posso dizer que ele é um mangá excelente. Apesar de trazer ideias novas e interessantes, ele recicla demasiadamente ideias antigas, como uma nova batalha nas 12 Casas.

Deve ser a terceira vez que os Cavaleiros de Bronze precisam cruzar as 12 Casas, e isso só contando obras canônicas. E sem falar do terrível esquema de publicação do mangá Next Dimension, alongando forçosamente o ritmo da história.

Com a aparição de um promissor e intrigante personagem, Odysseus de Ophiuchus, muitas destas coisas pareciam ter sido solucionadas, mas o dano já estava feito. Agora que finalmente temos uma história nova e com um grande potencial, teremos que esperar anos para que Kurumada a finalize.


Next Dimension não chega a ser daninho para a obra clássica. Ao menos não é um Dragon Ball Super da vida, porque este sim destruiu uma boa obra clássica, tornando-a irreconhecível, cagando em conceitos e desconstruindo e flanderizando personagens icônicos.

Enquanto Next Dimension tem sim muita coisa boa e interessante, por outro lado este mangá não afeta em nada a história de Saint Seiya e definitivamente não funciona como uma continuação. Então, se você não gostar de Next Dimension, pode simplesmente ignorá-lo, isso não interfere em nada.

O mesmo, entretanto, não pode ser dito dos outros mangás assinados por Masami Kurumada, as duas armas as quais ele utilizou para matar a sua franquia: Saint Seiya Episode Zero e Saint Seiya Origin, mangás canônicos que supostamente narram os acontecimentos anteriores à história do mangá original.


Para começar, Episode Zero tem uma execução pobre. Aliás, MUITO pobre. Resumidamente, Masami Kurumada intentou produzir uma versão oficial para a história do escape de Aiolos com o bebê Athena do Santuário, sendo desta vez perseguido por Afrodite, Shura e Máscara da Morte.

Mas o que temos nesta história são versões completamente simplórias, planas e eu diria até idiotas de todos estes personagens. E, para piorar, esta história tornou o cavaleiro de Sagitário o personagem mais genérico, simples, tedioso, pouco memorável e tosco de toda a série. Quem diria.

Aiolos era o irmão severo, porém justo, de Aioria. Esta é a imagem que a maioria do público casual de Saint Seiya têm do sagitariano. Ainda que o treinamento de Aioria tutelado por Aiolos seja um filler do animê clássico, esta era a imagem mais recordada pelo público acerca do personagem, e quando você pensa em "expectativa versus realidade", há sim uma grande perda com este mangá.

O Aiolos do mangá original, após salvar Seiya do ataque de Aioria, protegendo-o com a sua armadura, sugere que seu irmão menor cometa suicídio por duvidar da palavra e por lançar seu ataque contra a deusa a qual ele supostamente deveria proteger.


A ideia de retratar um escape oficial de Aiolos junto com o bebê Athena já cheirava a caça-niqueis. O mangá original apenas nos entrega que Aiolos fugiu do Santuário junto com Athena, foi acusado injustamente de traição e foi assassinado por Shura. O que aconteceu entre a fuga de Aiolos e o seu encontro com Mitsumasa Kido não faz diferença nenhuma para a história. Isso nunca foi relevante.

Já tivemos várias versões não-canônicas para a fuga de Aiolos como o filler tosco produzido pela Toei no episódio clássico da série animada (Episódio 65: A espada sagrada ruge), o original mangá Episode G e o game Saint Seiya Online.

Nestas três versões clássicas, Shura é o único oponente poderoso que surge barrando o caminho de Aiolos. E, aparentemente, Shura sozinho foi capaz de ferir mortalmente aquele cavaleiro de ouro que era considerado o mais poderoso em atividade naquela época.

O Episode G descreveu este acontecimento de maneira aceitável, sem prejudicar ou desconstruir a imagem de nenhum dos personagens envolvidos. Entretanto, com Episode Zero tudo isso muda. Nesta nova versão descobrimos que Aiolos não enfrentou apenas um, mas três cavaleiros de ouro. E tanto Aiolos quanto seus três perseguidores agem de forma estranha e retardada, como num filler tosco da Toei já mencionado.


Por que Aiolos não se protege com sua armadura? Por que Shura, Afrodite e Máscara da Morte apenas atacam um oponente que claramente não quer lutar e ainda carrega um bebê que ele só quer manter seguro? Por que todos atacam indiscriminadamente antes de fazer perguntas?

Ao que tudo indica, os três dourados já estavam à par da traição de Saga e de que este ocupava a cadeira do Pontífice, entretanto, como vemos nos últimos momentos do confronto deles com o cavaleiro de Sagitário, Shura, Máscara da Morte e Afrodite não tinham intenção real de matar Aiolos. No fim, Shura, sem alternativa melhor para tirar Athena dos braços de Aiolos, deu o golpe de misericórdia. Ele desejou que seu amigo morresse com hombridade, como um samurai, e convence seus companheiros de que o melhor a se fazer seria aguardar que Athena renascesse algum dia.

Apenas após este golpe, Shura demonstrou arrependimento em lágrimas, o que é estranho porque em sua primeira aparição no mangá original, ele se apresentava a Shiryu na casa de Capricórnio, como orgulhoso por ser o responsável pela morte do "traidor".

Nada disso ficou claro. A péssima escrita deste mangá também o leva a estranhas conclusões.

O caça-níquel perde ainda uma oportunidade para desenvolver os personagens. E por que não? Mas os cavaleiros dourados do século XX já eram carismáticos, sem a necessidade de conhecermos o passado deles, embora isso pudesse dar um maior peso e carga dramática a cada um deles (Vide Episode G). Mas isto é um shonen mangá, e, para este tipo de história, não importava a sua unidimensionalidade, ainda seriam ótimos personagens para o tipo de escrita.

O tema central de Saint Seiya original era a justiça e as diferentes formas de promovê-la. Algumas das opiniões seguintes são particulares das visões que tenho a respeito dos já mencionados personagens...


No mangá original, a ética de Shura era o agir pelo dever. Ele era o cavaleiro mais devotado à justiça. Ser o mais fiel à deusa Athena não passa de um filler cretino. E a ética deste cavaleiro só poderia ser atingida através do livre arbítrio. A sua vontade se embasava na moralidade e suplantava os instintos. Para Shura, tudo era preto no branco. Ele, obviamente, não reconheceu Athena, quando ela veio ao mundo.

Shura era um traidor e não um iludido, como o animê fez parecer. Shura sabia de tudo, a traição de Saga, a inocência de Aiolos e também a identidade de Saori como Athena, mas ainda assim manteve-se calado e leal ao Santuário. Por suas convicções acerca da força, da moral e da justiça, viveu anos tentando se convencer de que estava do lado correto da história.

Acreditou que seu silêncio poderia ajudar o Santuário a proteger a justiça do mundo, mas aconteceu justamente o contrário, ele só piorou tudo. Assassinou Aiolos, que era seu amigo mais próximo, e por isso precisou conviver com a culpa de executar aquele que era o único cavaleiro que merecia ser chamado de "mais fiel à Athena".

Quando colocamos tudo isto em retrospecto, o sacrifício e posterior redenção de Shura, confiando a Shiryu o seu poder (Excalibur) e a sua missão, ganha um peso ainda maior.


Afrodite, tal como Shura e Máscara da Morte, não reconheceu em Saori alguém a quem confiar o mundo. Muitas pessoas podem não reconhecer, mas ele poderia ser quase tão cruel quanto o Máscara da Morte. A diferença estava em sua ideologia.

A filosofia do pisciano pode ser resumida na seguinte frase: “agir sempre de forma a produzir a maior quantidade de bem-estar”. Ele não se importa com o fraco que haveria de perecer nestas batalhas. Para Afrodite, a perfeição era o objetivo principal do cavaleiro da justiça e pessoas podem ser prejudicadas para o benefício da uma maioria. Seria Afrodite um utilitarista?

Máscara da Morte... Veremos este mais adiante...

Episode Zero e Origins são prequelas mal escritas, e gostaria agora de citar um exemplo de uma prequela que foi muito bem escrita.

O filme especial de Dragon Ball Z para a TV, conhecido no Brasil como Bardock, o pai de Goku é o melhor exemplo de uma prequela muito bem feita, e na qual todos os roteiristas de mangás do mesmo estilo deveriam ter como inspiração.

Vejam como estou sendo honesto. Escolhendo uma obra contemporânea a Saint Seiya, feita para a mesma audiência e que incluso foi publicada na mesma revista.

O filme de Bardock segue sendo um exemplo excelente de como se deve fazer uma prequela. Se este filme tivesse sido feito do mesmo jeito que foi feito Episode Zero, seria algo que apenas mostraria Goku saindo de sua nave ao chegar a Terra, alguma cena com Frieza utilizando alguma técnica nova, destruindo algum planeta, algum cameo insignificante e fim.


Mas não. Este capítulo anterior a saga de Dragon Ball é uma história que se sustenta por si mesma e não só isso, era diferente. Tem um tom mais trágico e não se tratava da história de um herói salvando o dia. Foi a história de um guerreiro saiyajin, que era bastante sanguinário, mas tratou de proteger o seu povo que lhe deu as costas, sendo considerado um louco que tinha visões apocalípticas. Este guerreiro rompeu os seus limites, e morreu, perdendo-se no esquecimento.

Sim. Dragon Ball já foi um animê maravilhoso (Saudades). Akira Toriyama é infinitamente mais nocivo para Dragon Ball do que Masami Kurumada foi com CDZ recentemente.

A única maneira de conhecermos esta história sobre Bardock é vendo o filme em questão, diferente dos eventos de Saint Seiya Episode Zero, os quais você não precisa ler o mangá para conhecê-los, porque já conhece toda a história que ele descreve.

Agora com Saint Seiya Origin poderíamos até oferecer a Kurumada um prêmio. Ele definitivamente conseguiu realizar um trabalho que em muito foi pior do que Episode Zero em todos os sentidos! Com esta história, Masami Kurumada matou Saint Seiya!

Saint Seiya Origin conta a história do nascimento de Saga e Kanon. Pois bem, aqui é revelado que Saga tornou-se um instável bipolar por culpa de uma Espectro surgida do nada chamada Ker. Estes são novos elementos por si só restringem a história e, para entender isto, observe as mudanças que foram acrescentadas à história.


Similar ao caso Athena, nascida dos céus como um bebê em Episode Zero, assim que se aproxima uma nova Guerra Santa, nasce o primeiro cavaleiro de ouro, e este é transportado por uma estrela cadente a sua respectiva casa zodiacal no Santuário (?).

Fazer com que os cavaleiros dourados cheguem ao Santuário desta maneira apaga completamente o seu passado. Agora precisamos aceitar que todos os 12 dourados foram criados lado a lado, isolados do resto do mundo que não conhecem.

Assim, não há mais a possibilidade de pensar em momentos que poderiam ter marcado suas respectivas infâncias, o que ajudaria a explicar as suas distintas visões de mundo. E estas diferenças existem. Cada um dos Cavaleiros de Ouro têm a sua particular e distinta definição do que é justiça.

Poderíamos finalmente imaginar que Máscara da Morte teria essa personalidade e valores tão corrompidos por alguma experiência terrível do passado ou algo assim, mas agora não. Por que ele é mau? Caiu de cabeça da sua estrela cadente ao chegar ao Santuário?


Máscara da Morte, por alguma razão que desconhecemos, é violento, malvado e maligno, entretanto a sua armadura de ouro ainda o reconhecia (ao menos até a sua luta contra Shiryu na casa de Câncer). Nunca nos foi explicado a causa para isto. Mas qual seria a melhor explicação para a maldade do personagem? Talvez uma infância sumamente violenta que torceu o seu espírito? Assim poderia ter sido Manigold em Lost Canvas se ele não tivesse sido acolhido pelo Patriarca do Santuário...

Ok. Aqui também é o caso de que para o tipo de mangá, tais acontecimentos não teriam tanta importância para a história. Máscara da Morte é mau e só isso importa. A rivalidade entre ele e Shiryu ainda segue sendo a mais memorável de todo o mangá. Porém, estes novos elementos acrescentados por Kurumada acabam prejudicando em muito a sua obra.

O mesmo pode ser dito de Saori/Athena. Comparando também com caso Lost Canvas, a personagem Sasha tem o conflito de ser separada dos que ama para liderar os cavaleiros em uma guerra, buscando estar a altura da Athena original e deixando o seu lado humano para trás. Tudo isto fazia com que Sasha e até certo ponto Saori fossem mais interessantes.


Agora precisamos aceitar que todas as reencarnações de Athena são criadas no Santuário sem conhecerem o mundo que devem proteger porque nascem do céu e caem no templo do Patriarca. No lugar de encontrarem as razões para lutarem por este mundo nos seus respectivos passados, os cavaleiros e a sua deusa precisam proteger o mundo simplesmente porque este é o seu destino.

Outro gravíssimo problema neste mangá é deixar implícito que o Santuário esteve "desativado" durante dois séculos. Sendo então "reativado" somente com o surgimento de uma nova geração de cavaleiros. Isto contradiz uma das ideias mais poderosas do mangá original chamada "legado".

Em parte, Saint Seiya trás a ideia de tomar o manto daqueles que viveram antes, seguir com sua luta para proteger a humanidade, o que pode ser visto na vontade de Aiolos, de Dohko e outros.

Lost Canvas complementou esta ideia com a história de Hasgard de Touro, o Aldebaran de Lost Canvas, um cavaleiro passando sua armadura, seu nome, suas experiências, erros e sonhos a seus estudantes, em um ciclo generacional.


O conceito de cavaleiros que não lutaram em guerras santas, mas que são pontes entre as mesmas, comunicando e reforçando o que uma geração há 200 anos viveu a atual, é muito mais potente do que "bom, acabou a Guerra Santa, então vamos fechar o Santuário por uns 200 anos".

É interessante ver Mu treinando junto ao seu mestre Shion em Saint Seiya Origins e compreender como foi que se estabeleceu a sua relação com Dohko e finalmente entender como é que o Mestre Ancião vigia os Espectros nos Cinco Picos. São detalhes bons, ainda que muito simplistas. Mas e os demais cavaleiros?

Milo e Écarlate têm os mesmos golpes (Agulha Escarlate, Agulha Escarlate de Antares, Restrição), Ox e Aldebaran idem (Grande Chifre), etc. Como os sucessores aprenderam os golpes de seus antecessores? As armaduras vem com manual de instruções? Algumas pessoas teorizam a reencarnação que é uma ideia que particularmente abomino por ser extremamente fácil e preguiçosa.

Em Lost Canvas, os discípulos de Hasgard se encarregaram de transmitir tais técnicas, e em Episode G Assassin vemos que Shura foi treinado por Izo enquanto Máscara da Morte foi por Death Toll, os respectivos cavaleiros de Capricórnio e Câncer do século XVIII (Obviamente isso foi possível através de métodos viajantes diferentes do caso de Dohko que recebera uma benção de Athena que lhe permitiu passar dos 200 anos de idade).

Todas situações presentes nestes outros mangás são muito mais interessantes, mas infelizmente não-canônicas.


Agora chegarmos ao ponto principal desta crítica: a presença de um novo personagem que arruinou completamente Saint Seiya: a deusa Ker.

A deusa Ker é uma personagem totalmente desnecessária em todos os aspectos. Percebam que usei a palavra "desnecessária" no lugar de "incoerente". O plano da deusa é rebuscadamente desnecessário, e ainda é uma personagem que foi integrada a história muito tempo depois, mas que o autor quis retroativamente inserir no cânon, tratando de convencer a audiência de que ela sempre esteve aí, tipo o que acontece com Bills em Dragon Ball Shit Super.

Ker é apresentada como irmã dos deuses Thanatos e Hypnos e como a deusa do destino, embora na mitologia grega original seja reconhecida como a deusa da morte violenta. Além disso, sua representação mais comum na mitologia era de um grupo de espíritos malignos com a forma de mulheres, as Keres ("Ker" era um singular).

Quando Saga e Kanon recém-nascidos chegaram a casa de Gêmeos, Ker enviou um "terceiro bebê", um espírito maligno chamado Lemur. O plano da deusa era simplesmente possuir o recém-nascido Saga com um tipo de "fantasma" para que ele destrua o Santuário por dentro e para infiltrar-se a vontade no Santuário.


E no final deu tudo errado.


Deusa inútil!


A pergunta que fica é: Se ela é uma deusa capaz de entrar no Santuário e mexer com a mente de qualquer cavaleiro, apagando a sua memória no processo, porque ela simplesmente não matou a Athena e os Cavaleiros de Ouro quando ainda eram crianças?

A verdade é que jamais deveria ter sido estabelecido uma personagem assim neste ponto da história com uma origem para conflito da dualidade de Saga de Gêmeos, ainda que usando esta personagem de uma forma mais inteligente.







Deusas de inteligência comparável.





Outro problema com presença de Ker é que TODOS neste mangá, igual ao que acontece em Episode Zero agem como idiotas. Ker, com o seu plano estúpido, é realmente uma idiota. Shion, por outro lado, pode ser considerado o pior destes casos. Por um lado, ele tem dúvidas a respeito de matar um Espectro porque este tem a forma de um bebê, mesmo sendo um veterano que lutou na Guerra Santa e tendo ideia do que o exército de Hades é capaz. Porém o suposto bebê é uma merda de um vórtex negro, não passa de uma massa escura. Quem veria isto como um bebê?

O autor claramente força o personagem a agir de forma estúpida e incoerente para desenvolver de uma forma artificial certos eventos que de uma outra forma não poderiam acontecer.

O plano de Ker de introduzir um terceiro bebê só foi bem sucedido devido a um pequeno retardo mental que fez com que Shion duvidasse se deveria matá-lo. De nenhuma outra maneira isto funcionaria.

Porém a pior parte de todo este mangá é que não só Saint Seiya Origins inseriu retroativamente uma personagem idiota enfraquecendo a saga das 12 Casas, como também desconstruiu um dos melhores antagonistas de Shonen de todos os tempos, Saga de Gêmeos, que de um homem incompreendido e atormentado por poderosas e conflitantes convicções, passou a ser uma marionete manipulada pelos deuses.


Algumas das maiores críticas ao estilo Shonen pancadaria total recai sobre a previsibilidade dos acontecimentos da sua narrativa. Entretanto, a revelação de Saga de Gêmeos como o responsável por toda a crise do Santuário durante a dita casa das 12 Casas foi uma das mais incríveis e inesperadas surpresas deste mangá.

Ainda mais quando o "vilão" revela diante de Seiya o rosto de um homem sobrecarregado de remorsos e que chora lágrimas de dor e arrependimento, para na outra cena revelar-se um demônio sedento por sangue.

A ideia de um antagonista com um conflito tão forte era muito interessante. No mangá original, em nenhum momento é dito de forma clara qual seria a origem do desdobramento de personalidade de Saga, mas havia a presença de nuances e ideias poderosas para a sua origem.

Os mais comuns sintomas da suposta condição psiquiátrica de Saga descritos na literatura estavam presentes. O sujeito portador do desdobramento de personalidade pode levar duas ou mais vidas sem que uma tenha consciência da existência da outra, portanto uma patologia ainda mais grave do que a esquizofrenia.


Como o esquizofrênico, Saga ouvia vozes que ditavam a sua conduta, e a relação das duas personalidades antagônicas do personagem, em um matiz de preto e branco, era como a relação entre o Doutor Jekyll e Mister Hyde, do clássico literário O Médico e o Monstro.

Este clássico inspira também outros personagens da cultura pop em geral, como a relação entre Norman Osborn e o Duende Verde e o caso Harvey Dent e Duas Caras. Mas a verdade sobre Saga era muito mais complexa do que isso.


Comparando novamente a condição de Saga ao relatado em estudos psiquiátricos, as personalidades assumidas pelo portador de um desdobramento de personalidade podem representar identidades criadas subjetivamente e que atendem aos anseios mais íntimos do indivíduo. Cada caso de personalidade pode ser vivido como se possuísse uma história pessoal distinta e própria, auto-imagem e identidade próprias, incluso com nomes diferentes.

Existe geralmente uma identidade própria, portadora do nome correto do indivíduo, frequentemente esta identidade costuma ser a passiva, dependente, culpada e depressiva, e eventualmente taxada de covarde pela outra ou outras personalidades.


As identidades alternativas têm nomes e características que contrastam com a identidade primária, como por exemplo virulência, hiper-atividade e/ou auto-afirmação exacerbada. Outras personalidades particulares podem emergir quando a pessoa se encontra em circunstâncias específicas ou altamente exigentes em termos emocionais.

O número de identidades relatadas pode variar de 2 a mais de 100, e metade dos casos examinados inclui indivíduos com 10 ou menos identidades. As causas podem estar associadas a abusos sexuais ou algum outro tipo de forte choque emocional durante a infância.

Provavelmente o fã de animê, deve lembrar-se do caso do icônico vilão Shinobu Sensui da série Yu Yu Hakusho, que manifestava 7 identidades distintas, cada uma com nome e personalidade diametralmente opostas: Minoru (o argumentador), Kazuya (o psicopata assassino), Naru (uma garota tímida e insegura), dentre as mais famosas. E a origem do seu desdobramento de personalidade está justamente relacionada com um poderoso choque emocional que sofrera.


Em Jojo's Bizarre Adventure Parte 5, a relação entre o vilão Diavolo e sua outra persona, chamada Doppio, é também semelhante em seus sintomas ao Transtorno Dissociativo de Identidade. As personalidades criadas subjetivamente atendem as ânsias mais profundas do indivíduo. Bem semelhante a Saga de Gêmeos, cada estado da personalidade pode ser vivido como se possuísse uma história distinta pessoal e própria. Mas Doppio não sabia que ele e Diavolo eram a mesma pessoa, configurando um tipo de amnésia, algum dos sintomas das pessoas que sofrem deste transtorno.

O caso de Diavolo já era muito ambíguo no mangá, e o animê conseguiu torná-lo ainda mais ambíguo. O personagem nascera de sua mãe em uma prisão feminina, com seu pai morto há 2 anos. E mesmo quando bebê, ele já encara as pessoas e os seus olhos mudavam de maneira semelhante ao que víamos quando suas personalidades trocavam.

É discutível se Doppio e Diavolo são personalidades divididas. Ficou implícito que poderiam ser almas separadas, compartilhando o mesmo corpo (O Silver Chariot Requiem parece confirmar isso). Isto faria de Diavolo uma espécie de quimera distorcida como o resultado das circunstâncias incomuns do seu nascimento.


Ainda que o termo desdobramento de personalidade seja mais adequado para o cavaleiro de ouro de Gêmeos, Saga não era psiquiátrico, mas um homem que sofria. Alguém que, assim como nós mesmos, tem um pouco de escuridão dentro de si e que pode chegar a dominá-lo.

No caso de Saga, a origem do seu transtorno seguia sem explicação oficial que suscitava muitas interpretações. Mas a verdade que o mangá original parecia querer passar era que Saga sim trilhava o caminho de sua personalidade má.

O antigo Patriarca Shion já desconfiava da conduta de Saga, por isso escolheu Aiolos no lugar dele para ser seu sucessor. E isto foi o que faltava para Saga finalmente revelar quem era, assassinando Shion à sangue frio para tomar o seu lugar.


Tornar-se o Grande Mestre era peça fundamental para os planos de Saga para mundo, e como Shion e Aiolos ficaram me seu caminho, precisou agir de forma impulsiva, mas ainda inteligente.


Você via que o cavaleiro de Gêmeos, escondido sob o elmo e as vestes sacerdotais do Grande Mestre, realizava vários atos bons como acalmar o coração de um ancião em seus momentos finais de vida, ou mesmo dando ordens como se fosse o verdadeiro Patriarca.


Muitos diziam que aquele Grande Mestre que servia à vontade da sua deusa Athena não parecia ser um humano, mas ele próprio parecia um deus. De fato, Saga não era um cavaleiro de ouro qualquer, é dito que ele poderia ser Deus e o Diabo, e isso pode dizer muito acerca de sua "enfermidade".

Após matar Shion e tomar o seu lugar, Saga seguiu todo o protocolo de um Sumo Sacerdote. Seu comportamento junto à corte do Santuário e as pessoas que viviam naquela região era bem diferente do monstro em que ele se transformava quando sua personalidade má se manifestava.

Quando os primeiros diálogos entre as duas personalidades de Saga ganharam linhas no mangá, ficou claro que elas estiveram juntas desde o nascimento dele. Quando a personalidade má se fazia presente, toda a humildade do personagem desaparecia, julgando que ambos, as almas que formavam aquele único ser, juntas seriam uma criação divina, uma perfeição encarnada.

Poderíamos concluir que toda aquela egolatria não era fruto de possessão demoníaca, mas sim dos sentimentos mais profundos e reprimidos de Saga.


Saga sofria tensos momentos de crise, entrando em conflito consigo mesmo, e ficou claro que uma das suas personalidades estava disposta a fazer o necessário para cumprir todos os desejos da outra (De fato, ficou explícito que ele assassinaria a qualquer um que se atrevesse a descobrir o verdadeiro rosto do Patriarca impostor), uma ideia que, considero eu, era muito mais potente.

A morte de Saga tinha um peso real. Ele se vê responsável por suas ações e, após um duro caminho em busca de redenção, termina com a cruel ironia de tirar a própria vida diante de Athena, implorando a ela o perdão por seus pecados.


Intuímos que Kurumada pretendia fazer no início um vilão mau não verdadeiramente mau, apenas que sofrera de um problema psíquico, dividido entre o bem e o mau, que o fizera sucumbir a seu lado obscuro e a seus demônios, o dilema de todo ser humano.

Com Origins já não é mais assim. Agora um "fantasma" é o responsável pela segunda personalidade de Saga que sim era má. Toda a complexidade do personagem, todo este sub-texto se perdeu, dando lugar para um história de possessão maligna.

Saga passou a ser uma vítima do contexto. Uma marionete manipulada. Agora a saga das 12 Casas não aconteceu devido a determinação soberba de um cavaleiro dourado, mas por um plano mal pensado que funcionou por casualidade e que foi feito por uma deusa que poderia simplesmente ter acabado com Athena muito tempo atrás. Então a saga das 12 Casas ocorreu em vão, por engano de um personagem novo.


É por tudo isto que considero que Kurumada matou ou pelo menos está matando Saint Seiya. Por um lado o seu revisionismo histórico está recontextualizando partes do mangá clássico, tornando-o substancialmente inferior. E, por outro lado, despreza o trabalho de outros autores que fizeram muito mais por seu mangá do que ele mesmo.




20 comentários:

  1. Ótima postagem!!

    Ah, meu blog mudou de nome definitivamente. Agora é "O Blog do DUFF" (era o meu apelido no colégio).

    https://oblogdoduff.blogspot.com/

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  2. Simplesmente Show. Há anos eu queria escrever isso e não dava coragem..kkkk
    CDZ perdeu a linha de raciocinio quando começaram a avacalhar a historia.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Esse anime é tudo de bom, só vejo qualidades nessa animação maravilhosa.

    horoscopo diario

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  5. É só choro. A única verdade que sei é que os desenhos e arte do Kurumada são horríveis.

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    1. Concordo com texto acima mais dizer que os desenhos do kurumada são horríveis isso é mentira são lindos

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  6. Nem terminei de ler e já concordo.. muito lúcido.

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  7. Podem falar o que quiserem, pra mim a linha temporal canônica de Saint Seiya é Lost Canvas, Episódio G e o original, nessa ordem.

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  8. Cavaleiros original é ótimo e com vc, os outros que eu nem tive o trabalho de ler matam a série e para mim é spin off, e considero o Lost Canvas mais canônico que todos esses aí. Talvez Next Dimension ocupe o lugar do Lost Canvas, mas só poderei dizer isso após o fim do mangá.

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    1. Sem dúvida. Esse origins é tao contraditório e tira tanto o sentido da saga clássica que simplesmente melhor desconsidera-lo e fingir que não existe.

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  9. Excelente! Eu mesmo não seria capaz de definir tão bem.

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  10. A história de Lost Canvas é um show. É muito melhor que a série clássica.

    Concordo com tudo que você disse no texto.
    Kurumada parece não ter mais criatividade depois da Saga das Doze Casas. Na Saga de Hades e na de Poseidon, já viamos diversas repetições de enredo, mas ainda sim eram aturavés. Agora, vemos mais repetições, já estamos cansados dessa história. Tirando Deathtoll e o cavaleiro de Ofucio, o resto é o mesmo bla bla bla de sempre. Até na aparência dos cavaleiros Kurumada mostra zero criatividade.

    Sei que é chato ficar ouvindo isso, mas Lost Canvas não devia ter acabado. Era uma das melhores coisas que já haviam acontecido a Cavaleiros do Zodiaco.

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  11. Não se ofenda:a citação de O Médico e O Monstro,embora interessante é desnecessária e forçada

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  12. Eu amo soul of golds. E odeio o fato como os 12 cavaleiros morreram e ficaram humilhados naquela exposição absurda no filme prólogo do céu. Triste Mas. Quem sou eu na fila do pão?

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  13. Cara... excelente postagem!!! Eu concordo com cada vírgula. Sempre tive essa impressão de que o Kurumada era o maior vilão de CDZ. Eu queria que esse puto parasse de desenhar e escrever, mas ele não pára! Episodio Zero e Origins são horríveis. Dá vontade de vomitar lendo aquela merda. Ele poderia apenas "canonizar" Lost Canvas e Episódio G e pronto. Tudo estaria resolvido. Mas ele parece ter uma necessidade absurda de estragar a sua própria obra.

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  14. Se o Kururu queria fazer um negócio legal de spin off com o Saga, podia ter colocado mais detalhes sobre como Kanon manipulou a mente dele. Tanta coisa legal pra explorar principalmente porque eram gêmeos, e tem muito material sobre isso na mitologia.

    Mas aí inventou esta coisa ridícula de deusa Ker e miou tudo. Detalhe, miou um enredo de mais de trinta anos de existência. Ficou muito ruim.

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