segunda-feira, 6 de abril de 2015

O CATOLICISMO CLÁSSICO DOS ANIMÊS


Retornamos com a terceira parte da série sobre a religião cristã na cultura nerd/geek e também aproveitamos para comentar sobre os mitos, preconceitos e propaganda anticatólica, cujas primeira e segunda postagens podem ser vistas aqui e aqui, caso esteja interessado.

Mas desta vez falaremos mais sobre os retratos positivos da Igreja Católica presentes em muitos animês, além é claro de vários temas por eles apresentados que coincidem com temas católicos e que estão mais presentes do que você imagina nestas obras.
Se ficou curioso, eu aconselho uma leitura do blog (em inglês) Medieval Otaku, cujo autor é um nerdão ex-seminarista apaixonado pela cultura oriental e pela religião.

Você com certeza já se pegou vendo algum animê quando inesperadamente surge um jovem utilizando vestes religiosas de aparência interessante e, apesar de parecer um pré-adolescente, é um suposto padre católico. Como John Brown de Ghost Hunt, que tem apenas 20 anos e é um padre e exorcista! 
Claro que muitas das vestes utilizadas por eles não são trajes sacerdotais típicos, e não é raro vermos os personagens portando armas de fogo e metendo bala nos demônios. E se há alguma freira ajudante, ela provavelmente lançará feitiços mágicos.
De repente todo padre será um lutador badass, o clero será completamente povoado por homens jovens, bonitos, e tudo sobre a estrutura, a hierarquia, a história ou crenças religiosas, obviamente, será um tanto peculiar, mesmo para as pessoas que não são católicas e estão apenas perifericamente cientes de que a Igreja Católica está sendo apresentada na animação.
O Japão não tem uma grande população de cristãos, e quando a Igreja aparece, predominantemente será para proporcionar uma sensação de magia ou mistério (a bela arquitetura católica também transmite um grande maravilhamento).
Sim, eu me interesso muito pelo tema Catolicismo Histórico. Falar da Igreja Católica fascina muita gente, inclusive o povo japonês, um dos que mais demonstra tal fascínio.
Acredito que existam muitos devotos que também curtem uma boa animação oriunda da Terra do Sol Nascente. O que esses fãs não devem saber é que há realmente algumas séries de animê que conscientemente fazem uso de temas católicos e seus simbolismos, algumas abertamente, algumas de forma sutil.
E aqui está uma pequena lista com alguns do animês que tratam o tema de forma sutil, bela e (por que não?) irreverente:

Sakamichi no Apollon
Já falei deste animê algumas vezes neste blog, e além desta obra contar um belíssima história sobre amizade, apresenta visíveis influencias da fé e da simbologia católica.
A história se passa nos anos 60, em uma pequena cidade do sul do Japão, e há muitas referências históricas como a Guerra do Vietnã, os movimentos socialistas estudantis e o jazz. Aparecem vocações religiosas, como a de Sentaro Kawabuchi, que termina a história tornando-se um padre.
É curioso, todos nós somos obcecados por sexo, e por isso nos dias de hoje fica complicado para entendermos a forma de pensar dos padres e freiras com relação aos seus votos.
No animê também aparece o rosário e alguns valores católicos, e dois dos personagens principais são católicos praticantes que fazem amizade com um garoto que chegou a cidade e o influenciam positivamente, convidando-o a juntar-se a sua banda de jazz.
                                    

Comecei então a me interessar mais por animês/mangás estilo josei (tipo uma novela). Sakamichi no Apollon é fantástico e artístico, por sua bela história, os seus personagens super carismáticos e envolventes e, claro, o jazz, um dos meus estilos musicais favoritos.


Samurai Champloo
Esta série semi-histórica narra as aventuras de três companheiros - Jin, Mugen, e Fuu - viajando através do Japão da Era Tokugawa. Ao longo do caminho, eles se deparam com obstáculos que variam de funcionários corruptos do governo, holandeses fanáticos por gueixas, e até mesmo uma família de piratas vingativos. A série conta com uma trilha sonora divertida e anacrônica composta por músicas de hip-hop, juntamente com seu contexto histórico no Período Edo tardio (meados de 1800). Ele também inclui sequências de ação que caracterizam "artes marciais" de reminiscência da cultura de dança hip-hop.
Mas o que tudo isso tem a ver? Bem, neste caso falaremos de um tema de um capítulo pouco conhecido da história japonesa.
Ao final da série somos apresentados a um subplot a respeito de um grupo de cristãos japoneses perseguidos. Não se fala muito no diálogo sobre esta perseguição, mas o que vislumbramos via flashbacks efetivamente aponta para o martírio que este grupo, como suas contrapartes históricas da vida real, sofreu nas mãos de seus perseguidores da dinastia  Tokugawa. Um episódio mais cedo também aborda a realidade dos cristãos perseguidos, e ainda inclui uma cena historicamente correta em que os moradores japoneses estão alinhados e ordenados - sob a ameaça da espada - a pisar em uma imagem de Cristo para provar a sua lealdade para com o Japão.

                                         
Os mártires do Japão são um grupo bastante negligenciado na história do cristianismo. É surpreendente vê-los em destaque numa série de animação produzida no próprio país em que eles foram submetidos a essa opressão terrível.


Hokuto no Ken

Com a masculinidade sendo de uma certa forma reprimida nos últimos tempos, nada como recordar de uma obra-prima de pura testosterona e atitude inspiradora para o homem. 
Se a narrativa messiânica já tem uma imensa influência na ficção, principalmente na mitologia dos super-heróis, temos em Hokuto no Ken a sua maior manifestação. A narrativa das histórias em quadrinhos, dos desenhos de ação, da ficção científica, utilizam-se constantemente da figura clássica do messias. 
Em Hokuto no Ken o messianismo é mais perceptível nos principais protagonistas da história, os irmãos Kenshiro, Raoh e Toki.
Uma das cenas mais católicas de Hokuto no Ken, contudo, acontece nos momentos finais da vida de Shuu, um guerreiro que dera a visão dos seus próprios olhos para poder salvar a vida de Kenshiro quando este ainda era uma criança.
Os momentos finais do guerreiro cego retratam a Via Crucis de Jesus Cristo:

                                   

Em comparação a série de animação original de Hokuto no Ken, a cena da morte de Shuu é bem mais artística nos OVA's modernos, com uma animação de infinita qualidade e uma trilha sonora impecável, lembrando a música sacra. 

Cowboy Bebop
Considerado por muitos como uma das melhores séries de animê de todos os tempos, Cowboy Bebop tem lugar em um futuro distante em que a humanidade tem colonizado vastas regiões do espaço sideral. Temos um grupo heterogéneo de caçadores de recompensas - com Spike Spiegel, o protagonista principal e um ex-membro de um sindicato do crime; Jet, parceiro de Spike e um ex-policial; Faye, uma caçadora de recompensas com um passado misterioso; e Edward, uma jovem hacker - que vivem juntos como família em sua nave espacial chamada Bebop, trabalhando em conjunto para caçar e capturar os criminosos mais perigosos do sistema solar... por um bom preço.
O antagonista principal da série é uma figura do passado de Spike apropriadamente chamado Vicious, um indivíduo puramente diabólico, empunhando uma espada.
Através de Vicious, temas abertamente católicos sobre o bem e o mal tornam-se o foco principal da série: Quando encontramos Vicious no episódio "Ballad of Fallen Angels", é ao som de Ave Maria como fundo sonoro; O primeiro confronto de Spike com Vicious ocorre em uma abandonada - e ornamentada - igreja; Muitas das falas de Vicious evocam a teologia ("Quando os anjos são expulsos do céu, eles se tornam demônios"); e Vicious é repetidamente descrito como uma "serpente" (no caso do simbolismo não estar claro o suficiente).
O confronto entre Spike e Vicious, enquadrado no contexto de uma batalha eterna entre a virtude e o diabólico, magistralmente dirigido por Shinichiro Watanabe (que também dirigiria Samurai Champloo) em um estilo que lembra o de John Woo, ajuda a fazer Cowboy Bebop de longe a série mais popular nesta lista, e sem dúvida a melhor.


Death Note
Como próprio título deveria implicar, Death Note é de longe o mais sombrio animê desta lista, e também passou a ser uma das séries mais populares nos últimos anos.
Um jovem brilhante, mas desiludido, chamado Light Yagami, que um dia encontra um caderno com uma série de instruções bizarras impressas em seu interior. A primeira instrução afirma simplesmente: "O ser humano cujo nome está escrito neste caderno morrerá." Com um pouco de ajuda de um Shinigami (ou "deus da morte") chamado Ryuk, Light embarca em uma missão arrogante para remodelar o mundo à sua própria imagem, com o objetivo final de entronizar-se como Deus, e não tem sequer receio em julgar e eliminar qualquer um que fique em seu caminho.
Mesmo que não esteja claro se é intenção do escritor, Light Yagami funciona perfeitamente como uma metáfora humana para o Diabo. Lembre-se, por exemplo, que "Lúcifer" se traduz como "portador da luz" e que o pecado deste era que ele desejava - como Light - tornar-se Deus. O desenvolvimento gradual de Light e o modo como ele se esforça para alcançar esse objetivo profano fornecem uma ilustração vívida da compreensão católica do mal. A série também é cheia de acenos sutis ao cristianismo nas formas de simbolismo e música. Cruzes, crucifixos, e uma igreja em chamas são apenas algumas sugestões visuais da mensagem central da série.
Spoilers para Death Note devem ser evitados a todo o custo, mas basta dizer que a história como um todo pode ser tomada como um aviso severo: "Não julguem para não serem julgados".


Trinity Blood
Talvez os mais velhos já tenham ouvido falar de um seriado chamado Father Dowling Mysteries, no qual um sacerdote católico investiga crimes e é muitas vezes acompanhado por uma freira como sua ajudante. Bem, adicione vampiros e animação japonesa, e você terá Trinity Blood.
Trinity Blood é a melhor série nesta lista? Não, mas é de longe a mais católica. O personagem principal é Abel Nightroad, um padre católico e um "Kresnik", um vampiro que se alimenta de outros vampiros. Sua companheira é a jovem freira Esther Blanchet, que o acompanha em missões de manutenção da paz que (de praxe) geralmente acabam se transformando em batalhas cheias de ação.
Trinity Blood é abertamente respeitoso a Igreja Católica, retratada como uma defensora da paz e como uma força para o bem no mundo. O vampirismo do padre Nightroad é enquadrado como uma metáfora eficaz para a natureza frágil do homem. Ele se esforça constantemente e às vezes sucumbe a seus impulsos perversos, mas sempre seguido pela possibilidade de arrependimento e um renovado compromisso para combater as forças das trevas.


Cavaleiros do Zodíaco

O animê de maior sucesso a ser transmitido no Brasil, responsável pelo começo da invasão das animações japonesas na TV, e também por todos nós, que nos tornamos fãs, estarmos aqui hoje, discutindo este assunto na internet. "CDZ" também é carregado de mensagens, valores e simbolismos cristãos.

Hyoga, o cavaleiro de Bronze de Cisne, apesar de defender a deusa Atena, sempre carrega consigo um rosário, e durante muitos dos seus combates busca forças pensando em Deus e em sua falecida mãe Natassia, uma católica devota:

                                       
Durante a aclamada versão animada da saga de Hades, no episódio 4, intitulado "A penitência do Imortal", o irmão gêmeo de Saga de Gêmeos, Kanon de Dragão Marinho, que fora um traidor da deusa Atena e um general de Poseidon, tem seus crimes perdoados por sua deusa, mas isso não bastou para que Milo de Escorpião acredita-se na sua mudança.
Enfrentando o peso dos seus próprios pecados, Kanon protagoniza uma das cenas mais fortes e memoráveis desta animação:
                                       

E finalmente o meu momento favorito deste animê: a destruição do Pilar Principal do Reino Submarino de Poseidon.
Tal feito seria impossível para os mortais, tal pilar nunca desabaria mesmo pela vontade dos deuses.
E esta foi a descrição do momento no mangá: "Existe uma coisa... apenas uma coisa que Deus concedeu aos homens... que lhes permite se superar e fazer coisas que apenas os Deuses são capazes de fazer... E isso se chama milagre."
Assombrado, restou a Poseidon apenas observar e dizer: "Pégaso...um ser humano... Fez um milagre?! Diante de mim, Poseidon... um deus?"

                                       

Esse acontecimento da saga de Poseidon foi para mim o momento mais foda tanto do animê quanto do mangá, e ainda repleto de simbolismos e significados.
CDZ prova que, para você ter um bom animê/mangá, basta "o bem, o mal e uma boa luta".


Sailor Moon
Merece uma menção honrosa ao animê clássico da Sailor Moon. E sei que você deve estar se perguntando o que este animê tem a ver com os outros desta lista. Mas falo especificamente de um belo momento que aconteceu no episódio 26 do seriado.
Naru (Molly na nossa dublagem) encontrava-se muito triste e desamparada após a perda de seu grande amor, o ex-vilão agente do Dark Kingdom Nephrite, que havia se sacrificado para salvá-la dos seus antigos aliados, tendo uma morte muito violenta.
Durante o dito episódio, Naru se encontra com um padre, que apesar de sequer ser revelado o seu nome, trata-se de um dos retratos mais positivos que já vi de um sacerdote católico em uma obra de ficção.
Naru conversa com aquele senhor, revela que a pessoa que amava morreu e que não pode fazer nada para salvá-lo. Nephrite sofreu tanto e ela não conseguia aceitar a morte deste seu amado.
O padre diz ter certeza de que ela salvara o jovem que amou, mas Naru acha que agora que ele se foi, não lhe resta mais nada.
Então o bondoso padre diz que mesmo que ela não perceba, está rodeada de amor, basta olhar ao seu redor e encontrará amor.
Sempre lembrei mais de Sailor Moon, nos tempos áureos da Rede Manchete, pela sua comédia divertida e escrachada, pela ação, e pelos seus personagens encantadores. Mas ele também era respeitoso com as diferentes representações sociais. O padre neste episódio representa o lado positivo da religião: ele ofereceu conforto ao coração de uma jovem que acabara de conhecer por pura bondade e dever. 
Espero que tenham curtido e que compreendam o porquê de eu fazer postagens como esta e me interessar por temas assim. Mesmo mentalidades céticas, como a minha, são capazes de se encantar por todas estas histórias, e também acredito que qualquer um possa.

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