domingo, 1 de fevereiro de 2015

AMIZADE, ÉTICA E CONVICÇÕES POLÍTICAS

 
Continuando com a série sobre a "virtude da amizade", hoje vamos analisar a fase dos quadrinhos do Lanterna Verde de Denny O'Neil, cuja revista em meados da década de 1970 passou a se chamar Lanterna Verde e Arqueiro Verde. E é claro que esta postagem também vai ter pôneis.
 
The Power Ponies
Como fã confesso de quadrinhos e apaixonado pela mitologia dos super-heróis, sou obrigado a iniciar a postagem comentando sobre um certo episódio de MLP: FiM que para mim foi um dos melhores já feitos, estando no meu TOP 10 dos episódios mais fodas deste desenho animado.
 
É o episódio 6 da quarta temporada da animação, intitulado Power Ponies.
Uma das melhores coisas de MLP: FiM são as pequenas referências presentes, discretas de tal modo que apenas os fãs poderão entende-las por conta própria.
Por exemplo, um dos personagens recorrentes é um pônei cuja Cutie Mark é uma ampulheta  e o seu nome é Doctor Whooves. Outra é que há um final de um episódio que é bastante semelhante à cerimônia do encerramento do primeiro Star Wars. 
Mas o episódio do qual falei no começo é cheio de todos estes tipos de referências, e mesmo sem conhecê-las, você pode aproveitar o desenho. Aqui os personagens principais são sugados para dentro de uma história em quadrinhos e se tornam os personagens-título, cada um com o seu próprio superpoder original que por sua vez é uma referência a um outro super-herói.
Rarity recebe o poder de criar construtos de energia com a sua mente (uma referência ao Lanterna Verde, de quem já falaremos), mas na maioria das vezes eles são usados para fins de moda e glamour. Pinkie Pie pode correr a velocidades supersônicas (como o Flash), mas ela usa seu poder para correr pela rua até a loja de cupcakes sem que ninguém perceba.
 
Nota-se nesta altura do campeonato que os roteiristas sabem muito bem quem são o seu público, não apenas garotinhas pré-escolares, mas também marmanjões fanáticos pelo desenho e que curtem bastante esse tipo de homenagem.
 
O resgate ao conceito clássico do super-herói é emocionante nos dias de hoje, em que ele tem sido esquecido por completo. Vejam o que fazem com o Superman por exemplo, que vem perdendo toda a sua aura de altruísmo e martírio em favor da humanidade. Eu, que já fui um DCnauta, tenho ficado bem descontente com o atual nível das histórias em quadrinhos, mas vejam só que o cinema da Marvel tem buscado o resgate dos conceitos clássicos de heróis, o filme "Os Vingadores" não me deixa mentir.

Super-heróis em conflito.
Existem histórias boas e o resto. Aquelas que são boas podem ser divididas entre as que têm potencial de mudar quem as lê e as que podem transformar o mundo. Com a missão de reformular o Lanterna Verde, Denny O'Neil e Neal Adams criaram esta memorável sequência de histórias, que sem dúvida fizeram com que os quadrinhos deixassem de ser simples entretenimento e passassem a ser vistos como uma forma de expressão com potencial para mudar o mundo.
 
Uma bela fase da DC Comics, mas que deve ser analisada com muito cuidado ao vermos nos dias de hoje. Por quê? Já explico.
 
O'Neil trouxe relevância com o mundo real às página de histórias em quadrinhos, com o Lanterna Verde, Hal Jordan, e o Arqueiro Verde, Oliver Queen, explorando o outro lado da história norte-americana.
Para ser honesto, estou um pouco em cima do muro sobre essas histórias. Historicamente, é claro, elas são muito importantes. É aqui onde a caracterização de Oliver como um liberal radical foi definida, uma persona que permaneceu para a maioria dos leitores como característica definidora do Arqueiro Verde para as próximas três ou quatro décadas. Esta foi também a base para a sua amizade com Hal Jordan, que se tornaria um marco do Universo DC para os próximos anos. E há momentos em que se tornaram poderosas imagens das história em quadrinhos. Então qual é o problema? Infelizmente, as histórias em si não se sustentam muito bem.
 
Por mais que Denny O'Neil seja um escritor talentoso, deve-se lembrar que essas histórias foram obras de um jovem, completamente apanhado na tempestade do final dos anos 60 do Vietnã, que é absolutamente determinado a fazer os seus pontos sobre a injustiça social e política, e muitas vezes o faz em detrimento do caráter, da sutileza, e, ocasionalmente, até mesmo do enredo. A escrita é sempre maçante, às vezes beirando a hipócrita, com um senso exagerado de auto importância que pode fazer você se assustar com a leitura da mesma. O "anarquista liberal" Arqueiro Verde em particular surge como um verdadeiro porta-voz dos ideais políticos do autor, beirando a arrogância, a hipocrisia e provocando o leitor.
 
A desconexão entre as crenças de Oliver e Hal.
É um momento bem oportuno falar a respeito da inesquecível amizade que surgiu entre dois super-heróis tão distintos (um patrulheiro das galáxias e um super-herói urbano) e ainda com suas próprias convicções políticas conflitantes.
Um momento oportuno devida essa pseudo-guerra DireitaXEsquerda, com os ânimos acalorados após as últimas eleições presidenciais.
O Arqueiro Verde foge do padrão do super-herói americano, sendo um esquerdista! Muitos leitores o consideram um Liberal Marxista, embora Oliver Queen nunca tenha se definido como tal, e ainda há aqueles que o acusam de resolver problemas com Anarquismo (isso sim é mais a cara do Arqueiro).  Hal Jordan muitas vezes é acusado pelo Arqueiro Verde de ser um mero fantoche dos seus chefes, os Guardiões do Universo, e Oliver na maioria das vezes vence uma disputa de crenças políticas, latindo suas ideias liberais.
 
Falando assim parece até que eu odeio o Arqueiro Verde, não é?

Trabalho social em quadrinhos.
Não é verdade. Eu sou muito fã dele e de suas histórias junto com o Hal, meu Lanterna Verde favorito. E já eu explico isso também.
Como eu já disse, "um texto fora de um contexto é um pretexto". Os quadrinhos desta época sofriam influencia do período em que foram concebidos. Poderia criticar até mesmo o desenho Liga da Justiça sem Limites, onde o Arqueiro Verde algumas vezes pareceu ser superior moralmente que seus colegas super-heróis durante seus conflitos de opiniões. Até o Batman admite isso ("Um cara como você pode nos manter na linha", putz!). Mas aqui não podemos esquecer que este desenho animado fora produzido durante a Era Bush, então até posso considerar o personagem como uma forma de protesto contra a política autoritária do então presidente dos EUA.

Guardião de Oa: Vivendo como gente da Terra.
De volta aos quadrinhos de O'Neil, mesmo os Guardiões acabam seduzidos pela oratória do Arqueiro, e optam por enviar um representante à Terra, para viajar pelo país com Hal e Oliver, a fim de explorar a condição humana.
 
A humanização dos super-heróis e suas histórias foram uma revolução nos quadrinhos, denunciando os males da sociedade dos anos 70, quando a América era (e ainda é) considerada doente, devido aos seus inúmeros problemas.

As próximas edições abordam outros temas muito interessantes, apesar de ser uma obra já datada, como a luta contra autoridades mineiras corruptas,  a aparição de um líder de uma seita de supremacia branca, e ainda temos a participação especial da belíssima super-heroína Canário Negro, namorada de Oliver.
 
Ainda nesta fase, a leitura do conto sobre o combate às drogas é de certa forma didática, alertando aos jovens sobre os perigos dos vícios que ainda destroem milhares de vidas. Aqui Hal e Oliver investigam um grupo de traficantes de drogas e um bando de viciados que cometem uma série de crimes para conseguirem dinheiro suficiente para bancarem o seu vício.
 
Aceitar que uma pessoa tão próxima a você usa drogas é difícil, e isso é bem evidente na cena em que Oliver bate em Roy Harper (seu sidekick, Ricardito dos Novos Titãs), ao descobrir que o garoto era viciado em heroína. O Arqueiro Verde chega a deserdar e expulsar o pobre garoto. 
Em um dos momentos mais chocantes, um dos “amigos” de Ricardito acaba morrendo de overdose, um dos piores fins que um usuário pode ter.
 
Apesar da surra que deu em seu jovem parceiro, o Arqueiro fica com a consciência pesada. Ele compreende que Roy, tal como muitas outras crianças perdidas no submundo das drogas, não são más, mas vítimas dos criminosos traficantes. O Arqueiro então parte para se vingar dos tais traficantes e descobre que o chefe deles é um milionário que faz pose de bom samaritano.
 
Roy Harper, Ricardito
O Lanterna Verde por outro lado, mais compreensivo, consegue localizar Roy, que estava desamparado e desesperado por correção, ele queria ser ajudado. Sorte do garoto que Hal o encontra e o leva até Dinah, a Canário Negro, para que ela pudesse lhe oferecer apoio (um belo/triste momento).
 
Ao final da história, Ricardito revela que as drogas foram um meio para escapar da carência de afeto que a ausência do Arqueiro proporcionou.
 
Roy aparentemente deixou de se drogar. E a situação dele levanta uma questão importante: quantos e quantos jovens não encontram nas drogas uma fuga para seus problemas?
As dinâmicas familiares aqui são de espécie mistificadora. Roy culpa Oliver por seu abuso de drogas só porque o Arqueiro havia desaparecido por algumas semanas em uma viagem. A resposta de Oliver não é muito melhor, surrando o seu próprio "filho" e expulsando-o de casa.

A mensagem pode parecer simples, mas pensem como seria nos dias de hoje... Certamente algum Liefeld da cima faria uma simples ilustração em página dupla e acabaria não transmitindo a mensagem como ela deveria ser...

A outra controversa história que mais marcou esta fase dos quadrinhos foi sutilmente intitulada: “…e, através dele salvar o mundo…”
Aqui é muito interessante também como são colocados os posicionamentos políticos de Hal e Oliver e como eles se chocam, muitas vezes ameaçando a sua amizade e parceria...

 
Também podemos destacar a distinta ética dos dois super-heróis. Ambos tem a sua própria maneira de fundamentar as suas escolhas.
 
Citação de Oliver Queen:
 
"Putzgrila, meu chapa! Você é mais quadrado do que tabuleiro de xadrez! Tá nervosinho por que o Isaac meteu bronca na Ferris, a empresa da sua namorada, a Carol? Ou cê vai ter uma recaída naquela patacoada de lei e ordem?" 
 
E isso lá é coisa a ser dita por um super-herói?

Hal Jordan visitaria a Ferris Aeronáutica, empresa de Carol, sua namorada e por agora ex-vilã Safira Estrela, e leva Oliver Queen de carona. O pai de Carol Ferris tentava salvar a sua companhia da falência montando um jato que utilizava combustível barato.

Pretendendo impedir este crime ambiental a qualquer custo, surge o ativista Isaac. Trata-se de um bravo homem que não mede esforços para deter que o projeto de tal jato se concretize. Porém, o que ele não contava, e nem mesmo os nossos heróis, é que nem todos da cidade da Ferris Aeronáutica concordavam com isso, e estavam dispostos a literalmente crucificá-los por causa disso!

Curiosamente, em muitos blogs de quadrinhos clássicos em inglês que pesquisei, as opiniões sobre esta história divergem bastante entre os fãs, e grande parte deles tem uma crítica negativa para com ela. Mas eu a considero uma história memorável e marcante, sendo que a morte de Isaac é bela e artística. É melhor ver para crer no que estou tentando dizer. Parece que O'Neil e Adams tinham um gosto especial por este tipo de imagem e tema.

A amizade entre Hal e Oliver é de uma certa forma marcante para mim.
Hal Jordan é o meu Lanterna Verde favorito porque tenho uma certa identificação com o personagem. Não que eu considere necessário buscar identificação com os personagens ficcionais para gostar deles. O Batman, por exemplo, é o meu super-herói favorito e não me identifico em nada com ele (um milionário solitário e amargurado).

Hal é muitas vezes inseguro, mas gosta da ordem e de fazer sempre o que é certo e ainda tem uma grande ingenuidade com relação ao mundo. Mais um detalhe legal é que eu tenho uma amizade parecida com a que ele tem com Oliver. Amigos que brigam o tempo todo por causa das suas convicções conflitantes.

Apesar de muitos apontarem que O'Neil fez um Hal como alguém que necessitava de ser reeducado por Oliver, eu vejo essa relação de uma forma mais justa. Graças a Oliver, Hal deixou de ver o mundo só no preto e no branco, questionando a autoridade dos poderosos. E Hal por outro lado age como uma espécie de consciência para Oliver, sempre alertando o seu amigo e tentando colocar mais juízo em suas atitudes fanáticas. Sendo assim, podemos dizer que os dois se completam.


Aqui também entra a questão do lema do fandom Brony, já que falamos da aceitação das pessoas que pensam de forma diferente e que tem o seu próprio estilo de vida. Estes argumentos são válidos se a relação que você tem com outra pessoa determina a quantidade de tolerância que você pode dar a divergências de outra pessoa em ideias e ações.
Afinal a Liga da Justiça é uma democracia e isso justifica bem o que o Batman disse quando convenceu Oliver a ficar com a equipe. Com ideias e convicções distintas é possível conviver em harmonia e ainda construir uma sociedade mais justa, absorvendo o que há de melhor em cada uma das opiniões dos envolvidos. Sim, democracia é isso!
E enquanto a nossa política continuar nesse jogo infame de "nós contra eles", dificilmente a situação do país melhorará.

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