domingo, 5 de outubro de 2014

DICA DE FILME/PERFIL: DJANGO (1966)

 
Hoje vamos falar sobre masculinidade! Os frescos e críticos politicamente corretos de plantão devem passar longe de uma postagem como esta que agora vos apresento.
Quando o assunto é faroeste italiano (ou western spaghetti), o nome que sempre vem a mente daqueles que o conhecem é o do diretor Sergio Leone. Mesmo porque fora este um dos grandes nomes que deu vida ao clássico "Três homens em conflito" e outras maravilhosas pérolas do gênero. Porém, o nome Sergio Corbucci merece também ser imortalizado, pois foi ele o diretor de dois incríveis filmes que foram "O Grande Silêncio" e, é claro, "Django", que com certeza está entre os filmes favoritos de todos aqueles que admiram o gênero.
O bang bang italiano, como também é chamado, surgiu nos anos 60. E estes filmes se diferenciavam dos faroestes feitos em solo norte americano em muitos aspectos. Eram filmes, que poderíamos assim chamar de mais “sujos”, muitas vezes protagonizados por anti-heróis desprovidos de escrúpulos, como no caso do personagem de Clint Eastwood no filme "Três homens em conflito", nem mesmo um nome ele tinha. 
Por outro lado, os filmes de faroeste feitos em território americano eram mais "poéticos", com o herói nobre que luta defendendo o "sonho americano".

Django é o personagem criado para o filme de mesmo nome em 1966, dirigido por Sergio Corbucci, e foi inspirado em "Yojimbo, o guarda-costas" de Akira Kurosawa. 
Corbucci queria que seu personagem fosse um pouco mais parecido com um ronin, um samurai sem mestre, como aquele apresentado em "Yojimbo" e brilhantemente vivido pelo lendário Toshiro Mifune. Por esta razão, a Django foi negado um cavalo. Ele surge pela primeira vez no filme andando, arrastando um caixão no meio da lama, levando sua sela em seu ombro.
 
Yojimbo (1961)
 
Ao contrário de Sanjuro (o samurai de "Yojimbo"), Django não é um transeunte que se depara com uma determinada situação que, por um motivo ou outro, atrai a sua atenção. Ele é um homem com uma missão, e a missão é: vingança! Ele é um veterano da Guerra Civil e sua esposa foi morta  pelo racista major Jackson dos Confederados.
Django... "o homem é foda, patroa". Quando em desvantagem na luta contra seus adversários na rua, simplesmente saca uma metralhadora do seu caixão, vinda sabe-se lá de onde e, mais a frente, após ter as suas mãos esmagadas e mutiladas com crueldade por ter traído os seus ex-aliados, ele milagrosamente equilibra seu revólver em uma cruz de metal no cemitério e mata seu inimigo.
Com sua capa preta e truques sujos, ele é como nenhum outro vaqueiro nunca havia sido na história do cinema e o seu nome é uma homenagem ao lendário guitarrista de jazz Django Reinhardt. Curiosamente Reinhardt era um cigano e o nome Django significa "acordar". É provável que Corbucci era fascinado pelo "simbolismo das mãos ", já que em seu filme anterior havia apresentado um pistoleiro que ficou cego, e agora Corbucci queria fazer um filme sobre um pistoleiro que não podia usar as mãos. Parece lógico que um homem armado e com algum tipo de deficiência seria batizado com o nome de um músico deficiente. Quando tinha 18 anos, Reinhardt foi ferido em um incêndio; sua perna direita ficou paralisada e o terceiro e quarto dedos da sua mão esquerda sofreram queimaduras de terceiro grau. Pensava-se que ele nunca mais iria tocar guitarra novamente, mas ele aprendeu a tocar todos os solos de guitarra com apenas dois dedos (!).


Django Reinhardt

Django foi interpretado pelo ator italiano Franco Nero, que tinha apenas 23 anos de idade na época. Ele portanto recebeu a voz de um ator na versão italiana, para fazê-lo, pelo menos, parecer mais velho. De acordo com Mark Damon, ator veterano, Corbucci o queria para o papel, mas foi convencido pelo produtor Bolognini e sua esposa Nora a aceitar Nero.
Em vários países "Django" enfrentou alguns problemas graves de censura, e foi proibido pela censura britânica até o seu lançamento em 1993 em vídeo.

Se você assistiu e curtiu a versão moderna de "Django", "Django livre" de 2012, é obrigado a conhecer a versão original, caso ainda não a conheça. Afinal esta foi a inspiração de um jovem Quentin Tarrantino nos idos de 1966.
Em muitos aspectos "Django" é simplesmente uma leitura mais obscura, mais suja e mais sádica da velha história de " um homem em meio a guerra entre duas facções". Interessante também foi o fato de Corbucci ter se inspirado na história de Kurosawa, enquanto o próprio Kurosawa tinha baseado partes de seu filme em um romance original americano, "Red Harvest", de Dashiel Hammett.
Uma decisão importante de Corbucci foi a de politizar o seu filme, ao retratar uma das facções em guerra como uma espécie de organização "KKK" de vigilantes confederados. Corbucci fez uma declaração antirracista bem clara e alguns dizem que pode até mesmo ter sido uma declaração antiamericana. Alegadamente, Corbucci estudara muitas notícias com gravações de reuniões da Ku Klux Klan e as utilizou como inspiração facilmente identificada em muitas das cenas presentes no filme, como durante a cena em que eles desfilam na rua com seus rostos cobertos por capuzes e incendiando cruzes de madeira (demonstração do seu fanatismo e anticatolicismo) enquanto Django os estava esperando perto de um tronco seco de árvore. 

Com relação ao suposto antiamericanismo do filme, posso fazer algumas colocações pessoais. Eu já tive a minha fase antiamericana, que coincidiu com a minha fase de rebeldia, que todo o homem com certeza já experimentou, afinal é a adolescência. Com o passar dos anos o meu antiamericanismo diminuiu bastante, sou contra todas as formas de xenofobia e admiro o povo norte americano, um dos mais honestos e trabalhadores do mundo, mas também ainda tenho muitas críticas para com eles, como tenho para com qualquer outro povo do nosso mundo. E o que Corbucci apresenta no filme é uma das críticas que ainda guardo com relação a cultura norte americana. Principalmente nos últimos 15 anos, essa face problemática da sociedade americana vem sendo importada de forma massiva pelos brasileiros. Intolerância, fanatismo e ganância transvestidos de espiritualidade, e muita gente não se dá conta disso. E ainda eles, ávidos por poder, desejam o controle político e cultural de todo o nosso país. Acho que vocês já entenderam.
 
O filme também critica o capitalismo selvagem que move muitas pessoas. Por exemplo, é a sua própria ganância que quase levou o nosso herói Django a ruína, além do dinheiro ter sido a causa de traição e perdas durante o filme.
Quase todo o filme usa a assinatura de Corbucci. Está tudo lá, o seu imaginário, a violência, seu forte estilo visual, imediatamente reconhecível, e sua predileção pela sátira, como na cena em que o pastor-espião, que trabalhava para a KKK, é forçado pelos bandidos mexicanos a comer a própria orelha decepada, porque ele ouviu demais. 
 
Para um filme que foi produzido dentro de semanas e com um orçamento bastante reduzido, o resultado parece poderoso. Por outro lado, o filme apresenta os acontecimentos de forma episódica e a descrição dos mexicanos é um tanto simplista. Mas tudo funciona muito bem e é fácil e divertido para o espectador acompanhar e compreender a ligação entre cada personagem e os episódios cada vez mais violentos, começando com o chicoteamento da prostituta e, finalmente, resultando em Django equilibrando a sua pistola, com as mãos mutiladas, numa cruz para dar um fim à vida odiosa de seu inimigo, o major Jackson, num dos tiroteios mais emocionantes que já vi, invocando o Pai, o Filho e o Espírito Santo (pelo menos na versão italiana).

"Django" é um dos maiores cults de todos os tempos no cinema e até é considerado um objeto de culto pelos seus fãs fanáticos e devo confessar ser este o meu filme clássico favorito. É muito bom revê-lo hoje e perceber que a sua grandiosidade não vem apenas do meu sentimento nostálgico. Este western spaghetti é um filme muito bom mesmo e que realmente fez história no cinema, sendo por isso digno de todas as homenagens.
 
                      
                            

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