sábado, 22 de dezembro de 2018

KINNIKUMAN E A GUERRA FRIA




Entre a Segunda Guerra Mundial e o boom da economia do Japão, a partir de meados da década de 1970 (quando o Japão se tornou a segunda maior economia do mundo), a terra do sol nascente ainda era um país em desenvolvimento. Um bom número de cidadãos vivia em torno da linha da pobreza e, apesar de vinte anos depois da guerra, o país ainda estava em um período de recuperação terrível.


Então, quem seria o super-herói azarão que representaria os cidadãos trabalhadores que batalhavam no Japão daquele período? Seu nome era Kinnikuman, o campeão de luta-livre nascido no planeta Kinniku e criado como um autêntico cidadão trabalhador japonês das décadas de 1970 e 1980.
De um super-herói covarde, atrapalhado e excêntrico, Kinnikuman deixa o seu triste passado de "uma vergonha nacional" para se tornar o melhor do mundo.


Mas você nunca imaginaria isso no primeiro episódio da série, porque, quando Kinnikuman originalmente estreou em 1979, era um mangá de "gag".
A dupla Yudetamago mostrava o seu amor por super-heróis e kaiju, especificamente o Ultraman, e originalmente Kinnikuman era o único super-herói por quem ninguém gostaria de ser salvo. Muito semelhante a um "Chapolin Colorado japonês".

Kinnikuman ainda teve seus próprios ataques "Kinniku Beam" e "Kinniku Flash" mantidos para a sua versão animê e até mencionados em seu tema de abertura - uma música contagiante de Akira Kushida. Também digno de nota é o dublador Akira Kamiya - que ainda dublou Ryo Saeba (City Hunter) e Kenshiro (Hokuto no Ken), dentre outros - com um Kinnikuman muito divertido, alternando entre o cômico e o sério várias vezes em um piscar de olhos.


Terryman e o presidente Ronald Reagan.

Contextualizando, nos anos 80 os EUA estavam na Era Reagan e o mundo todo vivia a Guerra Fria.
Hollywood e a cultura pop redescobriam a história através de filmes como De Volta para o Futuro, surgiam heróis de ação como Rambo e Michael Knight, desenhos animados como Comandos em Ação (Década de 80 = Década das Action Figures) e a MTV quebrava todas as barreiras musicais.


O boom do Wrestling coincidiu com esses ícones da cultura pop que se tornaram globais.

Novos começos… Novas ambições... Novas liberdades... Todos exemplificam a visão de Vince McMahon Jr, Hulk Hogan e a conexão do rock n roll com o Wrestling.


O boom do Wrestling nunca teria funcionado em qualquer outra década antes ou depois. Ante novos líderes, novas invenções, as pessoas se viam desafiadas a derrubarem barreiras sociais. Os anos 80 foram mergulhados na bravura para incentivar novas lideranças e produzir outros líderes, assumindo riscos.

Em Kinnikuman, cujo mangá ainda encontra-se em produção, o arco mais influenciado pelo cenário político daquele período foi provavelmente o chamado arco da 21ª Olimpíada Chojin. E não custa nada lembrar que esta postagem está cheia de spoilers...


Eu só poderia imaginar o que estava se passando na cabeça de Yudetamago quando eles escreveram o arco do mangá neste ponto: Foi para redefinir o status quo? Foi uma experiência?

Este arco é uma revisita ao Torneio de Lutas, onde tudo começou. Aqui as batalhas ficam ainda mais violentas e longas e os trabalhos de arte tornam-se mais aprimorados, e os estereótipos ficam "menos ofensivos".

Alguém poderia me esclarecer uma dúvida? Usar roupas tradicionais e ter traços típicos do povo ao qual o personagem representa é ofensivo? Não creio. Talvez o "estereótipo estético" seja visto como ofensivo quando ele enfatiza algum traço negativo do povo representado. Os estereótipos presentes em Kinnikuman ou são inofensivos, ou são simplesmente engraçados e "fantásticos" demais para serem levados à sério. É o mesmo caso do que vemos desde Street Fighter II, cujos desenvolvedores optaram por representar seus personagens através de estereótipos étnicos para que eles se tornassem automaticamente reconhecidos e até identificáveis. E estes personagens não seriam tão marcantes e reconhecidos não fossem os estereótipos étnicos do Dhalsim, do Zangief, do Dee Jay, do T. Hawk, etc.


Bem... este arco começa já apresentando a Kinnikuman - que acabara de perder um cinturão de campeão no valor de 10 milhões de ienes - os cinco chojins ("super-homens"/os super-heróis do universo Kinnikuman) que têm maiores chances de vencer o novo campeonato. Dentre os já conhecidos temos Terryman dos Estados Unidos, Brocken Jr da Alemanha Ocidental, e o queridíssimo Ramenman da China.

Temos agora um novo chojin peruano, vindo diretamente do Império Inca - o que explica os seus mais de 2 mil anos de idade - conhecido como Benkiman, que por um acaso é também um mictório-humano, e cujos fãs celebram a sua participação de forma "apropriada", atirando bostas por onde ele se apresenta.

Um dos detalhes que mais amo em Kinnikuman e que faz dele uma das minhas obras prediletas é o fator criatividade - Algo que o Dragon Ball original também tinha de sobra: Goku, um menino chinês com rabo de macaco, confrontou um exército sem pátria, um ninja, um frankenstein, um homem de três olhos, alguns demônios, se encontrou com "Deus", e ainda mandou um coelho para a Lua. E nesta fase de Kinnikuman, os chojins estão se tornando cada vez mais abstratos.

Há também um novo chojin vindo do Japão, disputando com Kinnikuman a preferência do público japonês, conhecido como...


... Rikishiman Wolfman.

O estilo de luta de Wolfman é inspirado no sumô - mais japonês e nacionalista impossível - e de fato o personagem foi baseado em um lutador de sumô real conhecido como Chiyonofuji "The Wolf" Mitsugu (1955-2016), que foi extremamente popular nas décadas de 1970 e 1980.

Você pode imaginar que Chiyonofuji deve ter tido um problema com este personagem porque Wolfman foi renomeado para Rikishiman quando do lançamento do animê Kinnikuman em 1980.


Chiyonofuji Mitsugu

Digamos que o caso foi semelhante ao infame caso da Capcom com o lutador real Mike Tyson e o personagem Mike Bison (M. Bison) da série Street Fighter II que terminou por embaralhar os nomes de três dos quatro chefes originais do game, ao invés de renomear apenas um personagem como foi feito em Kinnikuman.

Não sei se a mudança do nome permaneceu em Kinnikuman Nisei (Músculo Total, no Brasil), mas estou razoavelmente certo de que ele se chama Wolfman mais uma vez. E acho que já passou tempo suficiente, por isso, se por acaso tivermos um animê reboot de Kinnikuman, espero que utilizem o nome original de Wolfman.


Chiyonofuji Mitsugu e Sylvester Stallone
foram grandes amigos.

Engraçado é quando o Kinnikuman vai enfrentar Wolfman nas finais, e antes da luta, quando o vê usando um cinturão Mawashi, zomba dele, porque do seu ponto de vista seu rival parece estar vestindo uma fralda. Mas Kinnikuman logo para de rir porque descobre que também precisará vestir o mesmo cinturão Mawashi para lutar. E as piadas ficam ainda mais sem noção com o rei do planeta Kinniku, o ex-campeão Mayumi, tratando seu filho Kinnikuman como a um bebê.

Você sabe que esse é o tipo de cena que um estrangeiro - um gaijin, como diriam os japoneses - faria se ele não entendesse a cultura japonesa, mas estas são pessoas japonesas reais, ou pelo menos foram japonesas durante a maior parte de suas vidas. Vejam como os japoneses gostam de fazer piadas até sobre si mesmos.

Não posso deixar de mencionar agora o misterioso Warsman, o chojin ciborgue representante da União Soviética, que já podemos sentir o seu grande hype desde a sua primeira aparição e no restante do mangá.


Lembra de que eu mencionei como as lutas tornaram-se muito mais violentas neste arco?
Já na primeira rodada das lutas tivemos um desmembramento e duas decapitações!


Na cena que você vê na imagem acima, Brocken Jr rasga ao meio o corpo de Watchman, o homem-relógio da Suíça, usando o movimento Camel Cluth.

Se você quer saber por que não há um espaço para um texto na imagem acima, é porque Watchman é essencialmente um robô, então não há problema em mostrar isso para as crianças. Afinal, por que você acha que os soldados do Clã do Pé se tornaram robôs nos desenhos animados das Tartarugas Ninjas?

Se bem que, mesmo sendo quase um robô, Watchman está sangrando...


Ronald Reagan e Mikhail Gorbatchev.

Em um ponto da primeira rodada das lutas desta Olimpíada Chojin, Warsman (representando a União Soviética) enfrenta Pentagon (representando os Estados Unidos) em plena época de Guerra Fria, o que pode fazer essa luta parecer um pouco antiquada e brega, mas este é um dos pontos-chave desta postagem.

Diferentemente do mangá original, que dedicou uma única página para deixar claro aos leitores o significado daquele confronto, na versão animê fica muito mais clara a trama explosivamente política - literalmente na verdade, pois vemos jatos americanos e soviéticos se chocando em uma batalha aérea.

Pentagon (Pentágono) é o nome da base militar dos Estados Unidos e a "guerra" é o nome de Warsman (War = Guerra). A América de Reagan contra a Rússia de Gorbatchev. Este período histórico é revisitado durante o Perfect Origin Arc, um arco do mangá lançado em 2012 e que reavivou a franquia.


Mire bem nesta imagem acima e imagine-se como uma criança no Japão lendo isso no Weekly Shonen Jump, com medo de que seus pais possam te pegar e te colocar em sérios apuros...

Gosto de comparar Warsman a Ivan Drago, o vilão do filme Rocky IV (1985), interpretado por Dolph Lundgren (Embora Darth Vader seja uma comparação mais óbvia).
Ivan Drago, o lutador soviético, tem postura monossilábica, é entupido de esteroides e tem sede de sangue. Não muito diferente do que Lundren já estava acostumado a fazer no cinema, eu sei.

Warsman parecia ser mudo, com sua respiração pesada e sons mecânicos, era literalmente uma máquina, por dentro e por fora, e também sedento por sangue, embora sua força seja 100% natural de sua fisiologia e ele tenha motivos muito mais convincentes para ser como tal, que serão revelados ao fim deste arco do mangá.


Como citado no início da postagem, a cultura pop da época nos Estados Unidos, principalmente no cinema, já era bastante influente, e neste período histórico encontrava sempre uma oportunidade para demonizar a Rússia. Esta foi a época em que os filmes exploravam com recorrência o tema "os bíceps contra o comunismo". Por exemplo, em Rambo II, nosso herói John Rambo chegou ao ápice em combater o Vietnã e a Rússia num mesmo filme.

Isso aconteceu porque, diferente de seu antecessor Jimmy Carter, Ronald Reagan (1911-2004) resolveu retomar a treta contra a União Soviética. Carter era da turma do “deixa disso” e o Reagan era da turma do “chuta a cara deles”.

Quem viveu e assistiu a grandes eventos esportivos num passado não tão distante deve se lembrar do clima de mistério que pairava sob as equipes pertencentes ao antigo regime comunista. Como treinavam os atletas das nações que formavam a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas para enfrentar seus concorrentes capitalistas?

No contexto da Guerra Fria, os esportes se transformaram em arenas de disputas entre comunistas e capitalistas, os quais tentavam mostrar superioridade ideológica sobre o outro. Algo similar ao que ocorreu no campo da ciência, da tecnologia e da corrida espacial.


A importância do esporte como arma ideológica era levada tão a sério que a União Soviética desistiu de participar da realização dos primeiros jogos olímpicos, em 1948, porque se chegou a conclusão de que não estavam suficientemente preparados. E valeu a pena para eles, pois os resultados nas competições seguintes foram surpreendentes.

Desde o início da formação da União Soviética, seus dirigentes acreditavam que o esporte exercia enorme importância na engrenagem social. A cultura física, o desenvolvimento do corpo era importante até para garantir a formação de cidadãos e cidadãs fortes, prontos para defenderem a nação.

Havia, entretanto, o receio de que a prática viesse a servir como instrumento de despolitização do proletariado, de desviá-lo da luta de classes. Por conta dessa visão, os atletas soviéticos eram, formalmente, amadores.

E esta era uma das críticas sutilmente colocadas em Rocky IV aos atletas da União Soviética, onde temos o combate, que era para ser uma disputa festiva em Las Vegas, entre um amador (Ivan Drago) e um profissional aposentado (Apollo Creed).
Enquanto Rocky Balboa treinava socando carnes congeladas no açougue, Ivan Drago tinha ao seu lado o melhor da tecnologia na hora de treinar, além de usar anabolizantes. Estava de uma forma muito clara a crítica ao “amadorismo profissional” dos atletas da União Soviética, que dominava os Jogos Olímpicos.


De forma semelhante era Warsman, que é uma máquina literal cujo cérebro eletrônico pode analisar, julgar e eliminar qualquer oponente num intervalo de tempo menor do que 30 minutos. E segundo o treinador dele, Mister Barracuda, mesmo a dieta de seu pupilo é controlada por um programa de computador.

O misterioso treinador do ciborgue soviético, descobriu Warsman em uma viagem a União Soviética. E como estava Warsman naquele tempo? Como ele vivia e o que fazia? Warsman estava vivendo nas ruas, quebrando inimigos e fugindo da Associação de Chojins Soviéticos que não passava de uma fachada para produzir super-soldados leais ao regime (De acordo com informações completares que recebemos mais tarde).

Drago e Warsman, dentro do contexto de suas próprias histórias, parecem uma intenção velada da União Soviética de "esfregar na decadente cara capitalista americana que a Rússia estava produzindo atletas de performance muito superior".

Drago matou Apollo Creed. Warsman matou Teapackman, Pentagon, e ainda causou uma morte cerebral em Ramenman (na última imagem acima), ao atingir a têmpora dele com sua garras retráteis estilo Wolverine, chamadas Bear Claws... Um verdadeiro massacre.

Então em Kinnikuman também há o contexto da revanche pelo companheiro ferido/morto por um lutador russo. No caso do Drago, o contexto foi a mensagem deixada pelo moribundo Creed para "vencer a Guerra Fria" ("Somos nós contra eles").

Drago: "Se morrer, morreu"

Warsman: (Respiração do Vader)


Posso te dizer o quanto eu amo esta foto acima? Ela representa o contraste entre o Cômico Kinnikuman e o Sério Warsman. Lembre-se de que Kinnikuman ainda é meio cômico neste ponto da série.

Com os dois finalistas definidos (Kinnikuman e Warsman), é decidido que o combate final do torneio seria um "Death Match", onde o perdedor deveria remover a sua máscara, revelando o seu rosto para o mundo inteiro.

Para Clã Kinniku, revelar o seu rosto é uma ofensa punível com a morte, ou seja, se derrotado por Warsman, Kinnikuman não perderia apenas a luta, mas também a sua vida em um Hara Kiri.

Kinnikuman de praxe fugiria da luta, mas tudo muda quando ele vê Brocken Jr que empurrava a cadeira de rodas de Ramenman.
Nas próprias palavras de Brocken Jr, agora Ramenman não pode ver, escutar, falar e nem sequer pensar, é apenar um pedaço de carne que pode respirar. Muito triste.


E um dos momentos mais emocionantes da série acontece. Espere até ver como o animê o torna ainda melhor... Ramenman sabia que não tinha chance de ganhar aquela luta, mas ele lutou até o fim, porque tentava causar algum dano, mesmo que mínimo, em Warsman para proteger e ajudar o seu amigo Kinnikuman a ter uma chance maior do que a sua para encontrar a vitória.

Agora é hora de discutir sobre a situação do Japão neste período da história que foram os anos 80, e o que o mangá e o seu personagem título têm a nos dizer sobre isso.

O início da história no mangá logo nos apresenta o rival e futuro parceiro do personagem título, Terryman, um super-herói dos Estados Unidos que só salva as pessoas se elas puderem pagar (Como um dos primeiros estereótipos negativos apresentados no mangá: "o bom americano capitalista selvagem"), entrando em conflito com Kinnikuman, o único que está disposto a fazer o trabalho de graça.

Terryman também foi inspirado em um lutador real, no caso Terry Funk, e ele era retratado como alguém popular, inteligente e poderoso (Além de ser dono do melhor tema musical já feito para um personagem de animê), porém, em sua primeira aparição no mangá, ele era egoísta, convencido e um ganancioso sem noção que não ajudava nenhum cidadão em perigo, ao menos é claro que pudesse lucrar com isso.

Apesar de ser um estereótipo ambulante, Terryman representava muito bem a forma como os japoneses se sentiam com relação aos norte-americanos. E, por isto este mangá é uma máquina do tempo e tanto!
Mesmo com esta primeira impressão nada simpática do personagem, Terryman evolui rapidamente em personalidade - inspirado por seu rival Kinnikuman - de tal maneira que temos a impressão de que o Japão tem coisas melhores a dizer sobre os norte-americanos do que os próprios norte-americanos.

Kinnikuman, no começo do mangá, era essencialmente uma criança presa no corpo de um brutamontes, incapaz de tomar importantes decisões por si mesmo. Morava em uma casa que mais parecia um barraco e estava sempre sem dinheiro. E ainda por cima era preguiçoso, comilão, muito excêntrico e mulherengo (Acho que ainda não mencionei "peidorrento"...). E, por mais que ele mude no decorrer da história, esta imagem do super-herói cômico e covarde ficou muito marcada.


Abertura animê Paranoia Agent: "As crianças perdidas são uma 
magnífica gigantesca nuvem de cogumelo no céu ". Satoshi Kon 
não está sendo sutil. Ele quer que seu público saiba exatamente 
qual a sua mensagem.

Kinnikuman é uma paródia do Ultraman, que pode ser considerado um dos símbolos nacionais do Japão, tal como Mickey Mouse é para os Estados Unidos. Mas vemos também que os japoneses obviamente estavam muito descontentes por terem o seu país representado por uma figura tão problemática como Kinnikuman no importante evento da Olimpíada Chojin.

Eu acredito que o Kinnikuman pode de uma certa forma funcionar como uma crítica a própria política e a sociedade do Japão no  período pós-Segunda Guerra.

O Japão encontrava-se arrasado com o fim da guerra, e mesmo agora sequer tem direito a ter seu próprio exército. O governo japonês era e ainda é incapaz de assumir os terríveis crimes de guerra cometidos pelo Império Japonês, além de não permitir que tal assunto seja abordado de maneira correta no meio acadêmico. Tudo isso prejudica muito as relações do Japão com seus vizinhos como a China e a Coréia, e o país ainda amargou uma posição de total serviçalismo aos Estados Unidos.


Responsabilidade versus Vitimização.

O terrível massacre conhecido como o Estupro de Nanquim (1937-1938) foi o prelúdio de alguns dos mais horripilantes atos pelos quais o Império Japonês seria responsabilizado na década seguinte. Criminosos como o doutor Shiro Ishii - a versão nipônica de Joseph Mengele e responsável pela famigerada Unidade 731 - nunca foram condenados e receberam anistia graças aos Estados Unidos que ainda silenciaram quaisquer denúncias sobre os crimes deste (classificadas como "propaganda comunista do governo chinês"), em troca do conhecimento tecnológico desenvolvido pelo Japão através dos hediondos experimentos com seres humanos em campos de concentração.

Exatamente, em um dos mais graves abortos da justiça, esses registros se tornariam uma moeda de barganha no final da guerra, com Ishii usando-os para obter imunidade contra as acusações. Seis anos depois do fim da Segunda Guerra, o mesmo Shiro Ishii estaria ajudando os Estados Unidos com armas biológicas durante seu conflito na Coréia. Embora o mundo tivesse notado quando os campos do Terceiro Reich foram libertados, as ações da Unidade 731 passaram despercebidas. Mesmo hoje, elas parecem ser convenientemente varridas para debaixo do tapete e permanecem ausentes de muitos cursos acadêmicos.

Com a presença militar continuada dos Estados Unidos no Japão pós-guerra - inclusive para armazenar ogivas nucleares e armas químicas em território japonês - e a falta de jurisdição nacional sobre bases americanas, era vívida a frustração japonesa com a contínua sujeição do seu país a um país estrangeiro.


MW, do deus do mangá Osamu Tezuka:
A bomba atômica é um assassino indiscriminado.

Após o tratado de segurança revisado entre Estados Unidos e Japão em 1960, os Estados Unidos têm o direito de usar bases militares e instalações no Japão, em troca da promessa de defender o país anfitrião no caso de um ataque. A aliança de segurança tem um preço, no entanto. O Japão não só paga cerca de 70% dos custos de basear as tropas dos Estados Unidos, mas também é impedido de se perceber como um "país normal". Líderes políticos do Japão e os poderosos empresários são claramente culpados dessa situação "humilhante".

Como podemos observar, o Japão forte e agressivo foi reduzido a uma "criança desamparada" e os responsáveis foram as buas atômicas lançadas pelos Estados Unidos sobre Hiroshima e Nagasaki.


A mudança de Kinnikuman, acredito, pode funcionar como uma poderosa metáfora para povo japonês de libertar-se desta "infantilização" causada pelo fim da guerra com o traumático genocídio de seu povo patrocinado pelos Estados Unidos. E esta imagem acima de um lutador japonês, chorando e abraçando um lutador chinês que foi irreversivelmente desfigurado ilustra estes sentimentos de dor, ressentimento e culpa por sua irresponsabilidade e covardia.

Kinnikuman é dotado de uma imensa força interior (Kajiba no Kuso Chikara). De fato, ele descende de uma casta real em seu planeta natal, ele é quase um samurai, um nobre e um guerreiro por natureza. E, da mesma forma que o povo japonês, ele precisa redescobrir essa sua história, assumir os seus erros e encontrar o seu poder, a sua própria força.

Quando da final desta Olimpíada Chojin temos a revelação de que Mister Barracuda era na verdade Robin Mask, uma reviravolta interessante por algumas razões:

1) não havia internet naquela época, então imagine como foi para um leitor do mangá no Japão em 1981 vendo isso na Weekly Shonen Jump e descobrindo quem ele realmente era;

2) Robin Mask poderia muito bem ser considerado O arqui-inimigo de Kinnikuman ao longo das primeiras partes da série, além de Kinkotsuman. E mesmo que muitos leitores possam ter se queixado do nobre chojin inglês Robin Mask ter mudado completamente para um pessoa tão vingativa, ele tinha todos os motivos do mundo para se tornar um vilão.


A luta final entre Kinnikuman e Warsman foi o ponto de virada para ambos os personagens.

Durante todo aquele embate, Kinnikuman parece escutar uma Voz Misteriosa que o guiava e o aconselhava (Seria Ramenman? Mas como?). Aquela voz sugere que Kinnikuman use o Kajiba no Kuso Chikara ("Ultimate Muscle"/"Músculo Total" no Ocidente).

Warsman, por outro lado, necessitava seguir a programação de seu computador interno, ou seja, ele precisava sempre julgar um oponente e finalizá-lo em menos de 30 minutos, do contrário ele entra em pane. E foi exatamente isto o que acontecia nos momentos finais do embate.

Parece que Kinnikuman era resistente demais para Warsman computar seus movimentos. Embora tenha sofrido muito nas mãos do oponente e tenha por alguns momentos duvidado de si mesmo e desejado entregar a luta, foi graças a sua grande persistência, nunca desistir mesmo na eminência de morrer, que Kinnikuman virou o jogo e venceu com o seu golpe de assinatura.


A origem do Palo Special de Warsman, homenagem
ao lutador britânico Jackie Pallo.

Kinniku Buster!!!

Essa foi a marca registrada de Kinnikuman, o Kinniku Buster, um movimento considerado perfeito tal como o Palo Special de Warsman. Enquanto o Palo Special pode desarticular (e mesmo amputar) os braços e as pernas do oponente, o Kinniku Buster tem a capacidade de provocar danos ao pescoço, a espinha e a bacia do oponente, levando a ruptura em casos extremos.

Depois de 120 capítulos, Kinnikuman finalmente tem um movimento para chamar de seu... Warsman perde, Kinnikuman ganha, e este é agora o primeiro chojin a sagrar-se campeão por duas vezes consecutivas.

De acordo com as regras, o perdedor deveria ter a sua máscara removida pelo vencedor. E apesar de sua vida não estar em jogo, Warsman também tinha bons motivos para manter seu rosto escondido por trás daquela sua  máscara. Enfim... é o próprio lutador russo quem, aceitando a derrota como um lutador honrado que era, finalmente começa a falar e retira sua máscara para revelar... o rosto da vergonha.


A cena e a revelação a seguir são chocantes. Warsman conta a Kinnikuman a sua história - que também será expandida em um arco posterior -, e o seu passado parece que é "copiado" para vários outros personagens que surgiram depois dele anos mais tarde, como Gaara (Naruto), o próprio Naruto, Nico Robin (One Piece) e, mais recentemente, Katakuri (One Piece).

Antes de tombar derrotado, Warsman revela que o sofrimento causado pela tragédia que foi o seu nascimento o levou ao ringue para punir tanto chojins quanto robôs. O ringue era o único lugar onde ele encontrou aceitação porque dentro da arena não importa se você é um robô ou um chojin, a força é o único elemento importante. Foi no ringue em que ele foi educado que em um combate você só tem duas opções: "Matar ou ser morto".

Mas foi aquela luta com Kinnikuman que mudou o coração outrora "tão frio quanto o inverno siberiano" do robot-chojin. Warsman aprendeu um sentimento diferente daquele que tinha quando assassinava um oponente no ringue e o quão maravilhoso era poder competir.

Kinnikuman ampara Warsman e devolve a sua máscara, cobrindo o rosto dele, e declara que, apesar de ter vencido a disputa, foi o lutador russo o maior vencedor daquele confronto porque ele ganhou algo muito mais valioso do que um título de campeão: Ele havia se tornado um homem muito melhor.


Os resultados finais podem dizer que eu venci, mas...
durante toda a luta, você foi o melhor homem.

A voz misteriosa que guiava Kinnikuman durante toda aquela luta era de fato Ramenman - que para a nossa alegria retornará ao ringue em um arco posterior - , e ele ainda termina o arco alertando seu amigo de que raramente um campeão tem muito tempo para aproveitar a sua vitória.

Warsman é um dos melhores personagens da série. Enquanto a aparência fazia muitos verem um vilão, ele revela ter um coração de ouro durante a série. Precisamos de mais super-heróis desfigurados como ele (Falo "desfigurado mesmo"! Não como alguns personagens que têm tipo a pele azul ou uma porção de braços e ainda podem ser considerados belos). E Warsman torna-se interessante graças ao fato de que é ele quem move a maior parte de toda a ação neste arco de sua estreia. Assim é também Ramenman, outro chojin tão machão que até come sopa de nazista...

Rocky IV foi considerado por muitos um filme horrível e um simples veículo de "propaganda Reaganista". Mas eu o acho um filme foda pra caralho! Rocky Balboa é um dos meus personagens favoritos do cinema e a sua trilha sonora é fora de série. É impossível, seja você quem for, concordando ou não com a ideia implícita, não tirar algo de positivo nas nuances desse filme.

O arco da 21ª Olimpíada Chojin marcou o fim de uma era, porque os vilões serão diferentes no próximo arco. Kinnikuman foi bastante solo até este ponto, salvo por alguma ajuda de aliados e colegas chojin, mas eles irão formar uma verdadeira aliança no próximo arco, sendo este muito mais sério, com demônios, satanismo e mortes mais violentas. Há muito mais WTF vindo por aí...

Para aqueles de vocês que amam luta-livre, tente conhecer o mangá original de luta-livre. As lutas em Kinnikuman vão se tornando mais tecnicamente detalhadas em uma definição realista com o passar das suas fases, e são distintamente emocionantes e sentimos o seu poder não apenas em animê, mas para o esporte também.


Se você sente que é o prejudicado em tudo o que faz na vida, isso lhe dará um tipo distinto de inspiração para sair e fazer o que quer. Não importa se você ganha, nas palavras do próprio Kinnikuman, APENAS FAÇA!!! Não deixe seus sonhos serem sonhos!!!!

Feliz Natal e um Feliz Ano Novo.
Boas festas.

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