Mostrando postagens com marcador política. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador política. Mostrar todas as postagens

domingo, 2 de janeiro de 2022

0S MELHORES FILMES CULTS QUE EU VI EM 2021



METROPOLIS

País: Alemanha

Ano: 1927

Já havia assistido antes? Não


Surreal, expansivo e operístico, baseando-se em imagens cristãs bíblicas e medievais, bem como A Máquina do Tempo de H.G. Wells, Metropolis, do expressionismo alemão do cineasta austríaco Fritz Lang, colonizou um novo reino da imaginação que moldou a ficção científica subsequente de Flash Gordon a Star Wars, de "Os Jetsons" a Blade Runner. As paisagens futuristas da cidade que são um marco da ficção científica, com seus arranha-céus impossivelmente maciços e veículos voadores enfiando cânions de concreto, todos devem uma dívida ao filme de Lang, um dos pontos altos do expressionismo alemão.

Como alegoria social, Metropolis retrata um mundo em que os filhos privilegiados da sociedade vivem em facilidade e luxo na superfície enquanto nas entranhas da cidade trabalhadores operam as máquinas que sustentam todo aquele mundo. Com o tempo, essa situação opressiva eventualmente leva aos conflitos de classe.

Observa-se perceptivamente nesse cenário uma semelhança impressionante com a história do futuro mundo visitado pela Máquina do Tempo de Wells, onde os Morlocks trabalhavam em máquinas subterrâneas para servir aos burgueses. No entanto, em A Máquina do Tempo, esse conflito de classes eventualmente leva ao que está em vigor a revolução marxista, com os Morlocks proletários se levantando e subjugando os burgueses. Em Metropolis, há uma visão surpreendentemente contrastante que leva o seu conflito de classes a uma resolução diametralmente oposta, baseando-se em imagens religiosas e inspiração na defesa da reconciliação não violenta entre as classes.

Na verdade, Metropolis avança a tese provocativa de que a violência revolucionária realmente serve ao interesse próprio da classe dominante, uma vez que permite que eles respondam esmagando elementos dissidentes. 

O enredo onírico, que se baseia em conexões emocionais e poéticas ao invés de lógicas, envolve um jovem herói infantil chamado Freder (Gustav Fröhlich) cujo pai ditatorial (Alfred Abel) é o mestre de Metropolis, uma jovem idealista chamada Maria (Brigitte Helm) que tenta oferecer esperança aos trabalhadores oprimidos, e um cientista sinistro chamado Rotwang (Rudolf Klein-Rogge) a quem o pai de Freder se alia para subverter os esforços de Maria construindo um "clone" robótico da mesma.

Mais importantes do que a história são as imagens inesquecíveis: as intermináveis colunas de trabalhadores marchando em sincronia noturna e de seu terrível trabalho; a monstruosa Máquina "M", revelada em um momento visionário para incorporar o espírito de Moloch, a divindade sanguinária do Canaã do Antigo Testamento; Freder agonizantemente trabalhando na máquina relógio parecendo Cristo crucificado; o striptease lascivo do robô-Maria seduzindo os pais privilegiados de Metropolis para os Sete Pecados Capitais; a imensa catedral gótica em que o confronto final ocorre.

Alusões religiosas estão por toda parte. Maria e sua "clone" malvada sugerem respectivamente a Virgem Maria e a Prostituta da Babilônia. Freder, o filho, é um agente de reconciliação semelhante a Cristo, enquanto o pai Joh é um deus autointitulado tomando o lugar do próprio Deus seu próprio mundo, até desencadeando uma inundação para destruir seu povo quando eles o desagradaram. Os escritórios de Joh estão em um arranha-céus chamado Nova Torre de Babel, e o conflito climático está repleto de referências ao Apocalipse.

Osamu Tezuka, considerado "O Deus do mangá", falava abertamente que as suas maiores inspirações para a arte estavam em Walt Disney e no expressionismo alemão. Inclusive está entre as obras que Tezuka deixou a sua própria versão de Metropolis, que ganhou animê em 2001, uma obra-prima que para a sua produção contou com uma equipe de estrelas como o diretor Rintaro, Katsuhiro Otomo, como roteirista, a animação ficar a cargo do estúdio Madhouse com suporte conceitual da Tezuka Productions.





LUZES DA CIDADE

País: EUA

Ano: 1931

Já havia assistido antes? Não


Luzes da Cidade é o quintessencial filme de Charlie Chaplin, o mais perfeitamente elaborado e satisfatório de todos os seus filmes, e também o mais representativo de todas as diferentes texturas e tons pelos quais o inigualável ator é lembrado, o sentimento, a farsa e a irreverência, o melodrama e os comentários sociais. 

As observações sociais mais destacáveis no filme do personagem interpretado por Charlie Chaplin estão na forma um par de relacionamentos com dois indivíduos: uma florista cega (Virginia Cherrill) e um milionário alcoólatra e de tendências suicidas (Harry Myers), cujas respectivas incapacidades permitem que eles aceitem o inaceitável. Sempre que o milionário está sóbrio ele expulsa Chaplin da sua presença, mas quando bêbado ele o recebe como um amigo. A garota cega, também, faz amizade com Chaplin, embora, se ela pudesse vê-lo, presumivelmente não teria nada com ele.

No entanto, ironicamente, suas cegueiras permitem que eles vejam o como ele realmente é, um sujeito com um coração de ouro que salva repetidamente a vida do milionário mesmo diante de muito perigo para si mesmo, e que está disposto a arriscar tudo para dar à garota cega uma chance de vê-lo, mesmo com a possibilidade de perdê-la. 

A emoção da cena final inesquecível e delicadamente avassaladora. Os espectadores iniciantes certamente devem segurar a respiração em antecipação, imaginando se a cena terminará em realização feliz ou ironia cruel.





TEMPOS MODERNOS 

País: EUA

Ano: 1936

Já havia assistido antes? Não


Filmes mudos já estavam fora de moda em 1936, quando Charlie Chaplin completou seu último filme mudo, Tempos Modernos. Um filme mudo conscientemente feito para a era do som, uma obra-prima cômica que permanece acessível hoje até mesmo para os amantes de cinema criados em imagens de computador e som surround.

Em parte, isso se deve às concessões de Chaplin à nova era: O filme tem uma trilha sonora sincronizada, incluindo efeitos sonoros e diálogos limitados baseados em "efeitos sonoros", bem como a própria partitura de Chaplin (a música sempre foi integral para filme "silencioso") e uma canção mesmo muito única escrita e cantada por ele mesmo, que de alguma forma inventa para não conter o que normalmente seria chamado de letras. Chaplin assim escreveu, dirigiu, estrelou, produziu, cantou e dançou em Tempos Modernos, sem mencionar fazer suas próprias acrobacias, incluindo algumas patinações extremas e um mergulho de cabeça em alguns centímetros de água.

Outro fator na acessibilidade contínua de Tempos Modernos é a influência duradoura do trabalho de Chaplin. Mais de uma cena do filme parecerá estranhamente familiar para os espectadores modernos que o assistem pela primeira vez. 

Mas a razão mais importante para a relevância contínua do filme são seus temas contemporâneos e perspectiva de futuro. A famosa cena de abertura simbólica, com imagens de ovelhas se aglomerando através de uma passagem se dissolvendo em imagens de trabalhadores saindo de uma estação de metrô, não perdeu nada de seu impacto. De fato, os espectadores contemporâneos facilmente farão a conexão entre a imagem de Chaplin e o mundo dos recintos e passagens tão familiares aos moradores do cubículo da América corporativa.

Outra cena inicial mostra Chaplin tentando fazer uma pausa durante o horário de trabalho no banheiro quando na tela de um grande monitor na parede surge a imagem da cabeça do seu chefe ordenando que ele pare de enrolar e volte ao trabalho. O público moderno que assiste a esta cena pode refletir com tristeza sobre a realidade cotidiana da vigilância eletrônica no local de trabalho, talvez nem mesmo percebendo que a sequência foi filmada décadas antes da televisão viável.

Como todos esses exemplos sugerem, Tempos Modernos olha para o futuro, mas não com entusiasmo. Muitas vezes descrito como uma sátira da era das máquinas, o filme tem de fato um tema mais amplo: os efeitos desumanos de muitos aspectos da modernidade, incluindo industrialização, burocracia, urbanização e aplicação da lei.

Obviamente Chaplin não era contra o progresso ou a tecnologia, afinal, o cinema em si, mesmo o cinema silencioso, é um meio quintessencialmente moderno. E não é preciso dizer que a era moderna trouxe muitos avanços extraordinários em áreas como medicina, produção de alimentos, e assim por diante. É fácil imaginar alguém fazendo um filme chamado Tempos Antigos destacando as dificuldades da vida em condições pré-modernas. Ainda assim, mesmo que decidamos no final que, considerando tudo, preferimos a qualidade de vida de hoje à de períodos anteriores, isto não deve nos impedir de reconhecer os males sociais e falhas do nosso próprio dia-a-dia.

Um tema recorrente em Tempos Modernos é o fenômeno do desemprego. Agora, obviamente não há nada de novo sobre pobreza e fome generalizados, mas o desemprego como o conhecemos hoje é um desenvolvimento relativamente recente, um subproduto da economia moderna da força de trabalho que exige que todos "consigam um emprego". Nas sociedades pré-modernas, em geral, o desafio para pessoas capazes era muitas vezes menos "encontrar trabalho" do que ser capaz de sobreviver no trabalho que se fez.

Muitos brasileiros estão hoje em condições de ter que roubar para sobreviver como a personagem do filme vivida pela belíssima Paulette Goddard, esposa real de Chaplin na época ou como os assaltantes que ele encontra enquanto trabalha como segurança, um dos quais diz melancolicamente: "Não somos ladrões - estamos com fome". Esta afirmação tem alguma justificativa no ensino moral tradicional, que define o roubo como usurpar a propriedade de outro contra a vontade razoável do proprietário, com a condição de que aquele em perigo de morte por falta de comida, ou sofrendo qualquer forma de necessidade extrema, pode legalmente tomar de outro tanto quanto é necessário para atender sua angústia atual, mesmo que a oposição do possuidor seja inteiramente clara. A razão tem a ver com a hierarquia dentro do direito natural. O roubo é uma violação do princípio da propriedade privada, mas esse princípio é subordinado a uma lei superior: o destino universal dos bens criados.

Por uma questão de necessidade prática, o destino universal dos bens criados é servido pelo princípio da propriedade privada, que incentiva todos a trabalhar em benefício próprio, ajudando assim a garantir que os bens do mundo sejam devidamente desenvolvidos e apreciados por todos. No entanto, nos casos em que as circunstâncias impedem que determinados indivíduos adquiram o que precisam para sobreviver, o princípio da propriedade privada pode dificultar em vez de servir ao destino universal dos bens criados.

O filme de Chaplin brinca com o comunismo como uma alternativa à injustiça do desemprego em uma sociedade sem redes de segurança. Naqueles dias pré-Guerra Fria, as simpatias comunistas eram mais socialmente aceitáveis, e, afinal, a América precisava desenvolver estruturas sociais que tornariam o desemprego mais viável e menos desumano. Apesar de sua consciência social, Tempos Modernos não se transforma em um tratado ou drama político, mas permanece muito mais uma tradicional tragicomédia. Chaplin aborda o desemprego e outras questões sociais, mas o faz obliquamente, com um leve toque, no contexto das desventuras cômicas de seu personagem.

Chaplin nos dá uma cena clássica após a outra: a demonstração da máquina de alimentação, a curta carreira como funcionário de um estaleiro, a hora do almoço na fábrica com o supervisor do preso em uma máquina gigante, e, claro, o número climático de música e dança, no qual a sua voz real é finalmente ouvida, mas a regra do filme contra palavras vocalizadas permanece intacta.





ROMA, CIDADE ABERTA

País: Itália

Ano: 1945

Já havia assistido antes? Sim


Desenvolvida em Roma durante a ocupação nazista, filmada na Cidade Eterna logo após a retirada nazista, este filme de Roberto Rossellini surpreendeu o público em todo o mundo que viu nele uma autenticidade não mediada mais evocativa da qualidade documental dos noticiários em tempo de guerra do que da artificialidade de dramas anteriores e mais convencionais da Segunda Guerra Mundial.

Em retrospectiva, Roma, Cidade Aberta é uma espécie de filme de transição, combinando elementos do que seria chamado de neorrealismo italiano com elementos do melodrama tradicional do estúdio. Suas cenas foram filmadas em sets, mas Rossellini também fez uso de ruas romanas ainda devastadas pela guerra que nunca poderiam ter sido duplicadas em estúdios, com becos cheios de escombros e edifícios marcados. Alguns espaços, como a escadaria triangular em um prédio de apartamentos, tornam-se tão familiares que sentimos que sabemos exatamente onde e como a ação se desenrola.

Atores profissionais desempenharam vários dos papéis principais, incluindo Anna Magnani, como a noiva grávida Pina, e Aldo Fabrizi, como o padre heroico Don Pietro, mas muitos dos atores anônimos poderiam ser ditos estar interpretando a si mesmos, e cenas como o saque da padaria definitivamente são do tipo Hollywood. As principais figuras nazistas - o brutal Major Bergmann (Harry Feist), a predatória Ingrid (Giovanna Galletti) - são vilões estereotipados, decadentes e sutilmente sexualmente depravados (em contraste com Pina e seu noivo viril (Marcello Pagliero), o líder partidário Giorgio Manfredi. Mas não há nada de inautêntico sobre os vilões de patente na grande peça do filme.

O coração moral da história, co-escrita por Rossellini e Federico Fellini, é sua celebração humanista da solidariedade unindo todos os tipos de cidadãos italianos - civis comuns como Pina, partidários comunistas como seu noivo Giorgio Manfredi (Marcello Pagliero), monarquistas como as forças invisíveis de Badoglio, o clero com Don Pietro, e até mesmo crianças como o filho de Pina Marcello (Vito Annichiarico) - contra o reinado racista do terror representado pelos nazistas. O engajamento do comunista Manfredi e da menos devota, mas ainda católica Pina, que planeja se casar com Don Pietro em vez de um oficial fascista, é um símbolo dramático dessa solidariedade.

O filme apresenta Don Pietro como um pouco ineficaz e distraído arbitro de um jogo de futebol masculino. Mais tarde, em um momento divertido, Don Pietro para em uma loja para pegar dinheiro e contrabandeá-lo para o movimento de resistência, onde ele desconfortavelmente contempla uma pequena estátua de São Rocco um pouco perto demais de uma outra estátua feminina de um nu voluptuoso, e tem que fazer dois ajustes antes que ele esteja convencido de que a castidade do santo é adequadamente honrada.

À medida que o filme continua, no entanto, o padre se torna uma figura cada vez mais heroica, confiando em seus privilégios clericais para tratar dos negócios da resistência mesmo após o toque de recolher. Na cena da invasão no prédio de Pina, Don Pietro corajosamente passa por soldados nazistas no prédio evacuado, sob o pretexto de administrar a unção dos enfermos a um homem doente terminal, mas na verdade pretendendo impedir que o jovem que integrava a multidão da rua venha à óbito ao atacar os nazistas com armas de contrabando. Embora a cena termine em outra nota cômica, a frieza do padre sob pressão é estabelecida - e quando ele e outras figuras da resistência são presas, a frieza de Don Pietro torna-se a determinação moral de um mártir em seu último julgamento. 

Na sede nazista, enquanto Manfredi está sendo torturado na sala ao lado, o Major Bergmann tenta jogar Don Pietro contra Manfredi dizendo: "Ele é um subversivo e um ateu - seu inimigo". "Eu sou um padre católico", responde Dom Pietro calmamente, "Acredito que qualquer um que luta por justiça e liberdade caminha nos caminhos do Senhor. E os caminhos do Senhor são infinitos." Este "batismo" do líder partidário ateu é aumentado à medida que o corpo despido e espancado de Manfredi é pressionado na forma de uma cruz contra a parede, como uma figura de um Cristo secular.

No final, quando o padre prevê que Manfredi não falará - acrescentando que rezará por ele - o conflito entre as visões de mundo nazistas e católicas chega ao silêncio de um partidário marxista. "Tenho um homem que deve falar antes do amanhecer", confidencia Bergmann a um oficial mais velho, Hartmann, "e há um padre que está orando por ele." Quando Hartmann pergunta se Manfredi pode não falar, Bergmann dispara: "Isso significaria que um italiano é tão bom quanto um alemão! Significaria que não há diferença no sangue de uma raça escrava e de uma raça mestre! Qual seria o objetivo de nossa luta?" Hartmann, porém, viu demais para aceitar a linha partidária. Ele lutou na primeira Guerra Mundial; ele viu patriotas franceses morrerem sem falar. "Nós, alemães, simplesmente nos recusamos a perceber que as pessoas querem ser livres", diz ele ao escandalizado Bergmann.

A fé de Don Pietro, e a sensibilidade católica teimosa dos soldados italianos na cena climática, dão um sentido triunfante de elevação espiritual ao que de outra forma seria um final meramente desanimador e desafiador. Temas religiosos, morais e políticos se entrelaçam até o fim: os meninos que assistem do lado de fora da cerca assobiam uma melodia partidária, seja para chacoalhar os soldados ou para encorajar o padre, que usa segundos extras para sussurrar as repetidas palavras de perdão pronunciadas pela primeira vez da Cruz de Cristo, de acordo com a narrativa bíblica. O último tiro apresenta proeminentemente a Basílica de São Pedro, nomeada para o apóstolo declarado como uma rocha, no horizonte sobre os meninos, enquanto eles vão em seu caminho, a próxima geração na luta por justiça e liberdade.





O PAGADOR DE PROMESSAS

País: Brasil

Ano: 1962

Já havia assistido antes? Não


"O Pagador de Promessas" é um filme brasileiro produzido em 1962, escrito e dirigido por Anselmo Duarte, baseado na peça homônima do dramaturgo Dias Gomes. Ganhador da Palma de Ouro, o principal prêmio do Festival de Cannes, na França, um dos festivais de cinema mais prestigiados e famosos do mundo. Brasil e Estados Unidos são os únicos países do continente americano a ganhar a honraria. Também se tornou o primeiro filme da América do Sul a ser indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro na edição de 1963. Em novembro de 2015, ficou em nono lugar na lista dos 100 melhores filmes brasileiros, segundo a Abraccine.

Na década de 1960, Zé do Burro (Leonardo Villar), um homem humilde, enfrentou a intransigência da Igreja quando tentou cumprir a promessa feita em um terreiro do Candomblé, que era carregar uma cruz de madeira pesada para uma longa viagem no interior da Bahia. Seu melhor amigo é um burro chamado Nicholas. Quando o burro adoece, ele não pode fazer nada para fazer o animal melhorar, então ele faz uma promessa a uma Mãe de Santo do Candomblé: se o burro se recuperar, ele promete que dividirá sua terra igualmente entre os mais pobres e levará uma cruz de sua propriedade para a Igreja de Santa Bárbara, em Salvador, onde ele vai oferecê-la ao padre local. 

Assim que seu burro se recupera, Zé começa sua jornada. Fielmente seguido por sua esposa Rosa (Glória Menezes), Zé chega ao templo de madrugada. O padre local, que representa a autoridade da religião oficial, se recusa a receber a cruz de Zé depois de ouvir dele a razão pela qual ele a carregou e as circunstâncias "pagãs" sob as quais a promessa foi feita, tornando sua realização impossível. 

Todos em Salvador tentam tirar vantagem do inocente e ingênuo Zé. Praticantes de candomblé querem usá-lo como líder contra a discriminação que sofrem da Igreja, jornais sensacionalistas transformam sua promessa de dar terra aos pobres em um grito pela reforma agrária, assunto ainda muito controverso no Brasil. Zé insiste em entrar na Igreja e recebe apoio da população pobre, que acredita ter ele o direito de pagar sua promessa, criando assim uma situação de conflito com o padre. 

A polícia é chamada para impedir a entrada de Zé e ele acaba morto em um violento confronto entre a polícia e manifestantes que o apoiam. Na última cena do filme, os manifestantes colocam o corpo de Zé em cima da cruz e forçam seu caminho para dentro da igreja.

O elenco e a direção do filme são todos impecáveis e a interpretação de Leonardo Villar é tão emocionante que pode arrancar lágrimas do mais durão dos espectadores. É muito triste ver como hoje a cultura brasileira parece mais uma espécie de obituário. Saudades de Leonardo Villar e de tantos outros grandiosos artistas que nos deixaram.





O HOMEM QUE NÃO VENDEU SUA ALMA

País: Reino Unido

Ano:1966

Já havia assistido antes? Sim


Quem é você, afinal? O que define você? O que faz de você você? Não me fale sobre seu trabalho, sua família, seus hobbies ou interesses. Todos eles são reféns das circunstâncias, sujeitos a mudanças. Dado o preço certo, as circunstâncias certas, você pode deixar seu emprego. Sua família pode ser tirada de você, ou você deles. Por mais importantes que sejam essas coisas, elas são, em princípio, transitórias. Há algo em você que não seja transitório, não refém da circunstância, não sujeito a renegociação ou compromisso? Há alguma coisa, por exemplo, que você nunca poderia, em hipótese alguma fazer, independentemente do preço, ou qualquer pressão que possa ser feita sobre você? Se não há nada assim então você é realmente alguém? Você tem uma identidade, um eu? Ou apenas uma configuração específica nas condições atuais?

O homem que não vendeu sua alma é a história de um homem que sabe quem ele é. O filme de 1966, que ganhou seis Oscars, incluindo melhor filme e melhor ator (Paul Scofield), é brilhante e convincente, tem sabedoria genuína e sagacidade. O roteiro, bem adaptado por Robert Bolt de sua própria peça teatral, é ferozmente inteligente, profundamente impactante, ressonante com beleza verbal e graça. 

Thomas More sobe ao posto de Lorde Chanceler da Inglaterra antes de se desentender com o rei Henrique VIII sobre o seu plano de terminar seu casamento com Catarina de Aragão e se casar com Ana Bolena. Quando os bispos ingleses rompem com Roma e Henrique é declarado "Chefe Supremo da Igreja na Inglaterra", More, um católico fervoroso e piedoso, desiste de seu alto cargo e de todas as regalias que o mesmo proporciona. Para preservar sua liberdade e proteger sua família, ele também desiste de sua vida política e pública, tentando manter um perfil discreto.

Mas Sir Thomas é muito conhecido por abandonar a vida pública e seu silêncio é amplamente interpretado como desaprovação, tornando-se uma fonte de ansiedade privada e constrangimento público para o rei Henrique. O que se segue é um fascinante jogo de gato e rato, uma caça da raposa, com More como a raposa astuta e esquiva usando todos os truques para iludir os cães do rei que buscam seu sangue. 

More é um advogado brilhante, e sua defesa é legal: se ele mantiver seu silêncio, ele não pode ser acusado de se opor ao rei. Mas logo isso não é mais suficiente e ele deve desistir de sua liberdade e propriedade para salvar seu pescoço. E quando nem isso é suficiente, para preservar sua integridade, aceita entregar a sua vida porque há algo que ele nunca fará: ele não fará o juramento que aceita o título do Rei e o novo casamento.

Tudo isso é estranho à nossa era, quando a capacidade de celebridades e políticos de se reinventarem é amplamente considerada como uma habilidade básica de sobrevivência, e chegar ou manter o poder ou a fama é o bem mais alto. Quando um brilhante e carismático advogado se torna o mais alto funcionário do governo de seu país, e é então acusado e julgado por um crime, não esperamos que ele esteja tão preocupado com perjúrio ao ponto de escolher sacrificar sua carreira, renda, status social, liberdade e, eventualmente, sua vida. A menos, é claro, que você queira realmente se comprometer. Quando é dito que sua garantia mais solene está vazia, que você é incapaz de atestar o ponto em questão, é como ser dito que você não é ninguém, que não tem caráter, nenhuma identidade, nenhuma alma.

Há, de fato, um personagem a quem More diz isso: Richard Rich, um jovem superficial que no final tem uma mão na ruína de More. Rich quer um emprego no tribunal, mas More, sabendo da sua falta de caráter, não vai colocá-lo onde ele será tentado. Rich implora e implora, finalmente professando fervorosamente que "seria fiel". More olha nos olhos dele e diz deliberadamente: "Richard, você não poderia responder por si mesmo, mesmo esta noite." E naquela noite Rich prova que More estava certo. Ele é uma espécie de inverso de More: À medida que a integridade de More retira seus bens materiais, mas expõe as suas virtudes cada vez mais heroicas, a falta de substância de Rich faz com que ele aumente rapidamente em riqueza e status à medida que ele se torna cada vez mais corrupto.

Este é um grande filme. Acredito que é a representação cinematográfica mais profunda da vida de um santo. O fato de ter sido escrito por um não-cristão também serve para tornar mais evidente o poder convincente da fé e da virtude de More, um homem cuja luz interior é tão radiante que mesmo incrédulos são atraídos para homenageá-la. O mesmo pode ser dito de Joana D'Arc, que tanto deslumbrou Mark Twain que ele escreveu sua história de vida em uma de suas melhores obras.






AKIRA

País: Japão

Ano:1988

Já havia assistido antes? Sim


Akira começa em 1988 com uma imagem chocante: uma explosão maciça, aparentemente atômica, entra em erupção no centro de Tóquio e inflama a Terceira Guerra Mundial. Depois que a guerra e mais de trinta anos, Neo-Tóquio cresceu dos escombros em uma metrópole de luzes brilhantes e arranha-céus impossivelmente altos. Manifestações políticas enchem as ruas, e forças do governo militarista recorrem à violência extrema para detê-los. Gangues de jovens motoqueiros agitam as rodovias e se envolvem em batalhas de estradas. E experiências secretas do governo resultaram em crianças estranhas e distorcidas com poderes incríveis. Este é o assustador e emocionante mundo cyberpunk criado por Katsuhiro Ohtomo, o artista de mangá e diretor de animê cuja visão inspiraria inúmeros outros artistas japoneses e diretores de cinema de Hollywood nos anos seguintes. Seu filme, lançado em 1988 e ainda considerado como um dos mais importantes animês já lançados, transcende as limitações através de seu incrível valor de produção, influência substancial, designs inesquecíveis e um comentário duradouro sobre o estado da identidade cultural japonesa.

Otomo publicou pela primeira vez seu mangá Akira em 1982 nas páginas da Youth Magazine, publicada por Kodansha. Fundamentada no subgênero ciberpunk, suas raízes mais prevalentes estão no livro Neuromancer (1984), de William Gibson, a série planejada de seis volumes de Otomo não seria concluída até 1990, após mais de 2000 páginas publicadas. No entanto, como em muitas séries populares de mangá, seu autor foi eventualmente abordado para traduzir sua história em um animê antes do mangá ser concluído. Outro exemplo notável dessa tendência pode ser encontrado em Nausicaä of the Valley of the Wind de Hayao Miyazaki, o mangá publicado pela primeira vez em 1982, com filme lançado em 1984. 

Mas a visão de Otomo era muito grande para qualquer estúdio de produção, e ele, que exigia controle criativo, não aceitaria menos do que uma realização completa de sua visão. E assim, um comitê foi formado, representando um conglomerado de empresas japonesas — incluindo Toho Co., Ltd., Bandai Co., Ltd., a editora Kodansha Ltd., e várias outras — determinadas a financiar e coproduzir o mangá de Otomo em um projeto sem precedentes de US$ 11 milhões, composto por 160.000 células de animação meticulosamente detalhada, que fez oito vezes seu orçamento na bilheteria internacional.

O filme começa quando uma gangue de motoqueiros adolescentes liderados pelo amigo Kaneda, envolve outro grupo chamado Clowns. Durante a briga na estrada, o melhor amigo temperamental de Kaneda, Tetsuo Shima, se acidenta ao entrar em contato com um menino de aspecto curiosamente envelhecido e dotado de poderes telecinéticos. De repente, naves do governo chegam para levar Tetsuo e o garoto enrugado. A gangue de Kaneda passa por interrogatório, sem saber que o garoto era um cobaia movido por rebeldes de uma instalação do governo onde cientistas tentam imbuir crianças especiais, chamadas Espers, com "o poder de um deus".

Tetsuo logo passa pelos mesmos experimentos sob a supervisão do Dr. Onishi e seu comandante militar Coronel Shikishima, que tentam replicar o poder indefinível de um Esper chamado Akira, um menino cujos poderes eram tão grandes que causaram a explosão em Tóquio décadas antes. Mas as habilidades naturais de Tetsuo são desencadeadas pelo Dr. Onishi e rapidamente se tornam instáveis e incontroláveis, transformando-o em um maníaco violento, alucinante e faminto por poder determinado a colocar Akira, que sobrevive apenas como órgãos dissecados contidos em frascos, livre de sua prisão subterrânea criogênica. Enquanto isso, Kaneda se interessa por Kei, uma membro de uma facção rebelde determinada a desestabilizar o governo corrupto e irresponsável. Kei e Kaneda logo percebem que ambos estão atrás da mesma coisa, embora não ideologicamente. Quando descobre o que aconteceu com Tetsuo, Kaneda se junta aos rebeldes para recuperar seu melhor amigo e impedi-lo de destruir toda Neo-Tóquio.

No animê, o realismo e o estilo têm uma estranha interação que continua sendo seu motivo visual definidor. Com suas raízes no mangá, o artista de animê comanda ambos os elementos e assume o controle completo. No caso de Akira, o realismo de Otomo se apresenta na forma de imagens pintoras que retratam a incrível paisagem iridescente da cidade de Neo-Tóquio, as imagens apenas um pouco menos fantásticas do que a visão futurista de Ridley Scott para sua Los Angeles inspirada em Tóquio em Blade Runner (1982). Por outro lado, Otomo emprega uma estilização mais cômica em outros lugares, particularmente nas cenas menos pesadas e mais acionadas ou de alívio cômico envolvendo Kaneda. O animê muitas vezes tem essas justaposições de estilo e tom, mas poucos se misturam, bem como a abordagem de Otomo em Akira.

O resultado é inspirador e completamente imersivo. Ao mesmo tempo, o alcance de Otomo, dada a sua abordagem inquestionavelmente cinematográfica, torna-se evidente em todos os lugares, desde inúmeros outros filmes de animê, como Ghost in the Shell (1995), até obras live-action como Matrix (1999) e O Quinto Elemento (1997). Mas o filme é muito mais do que visuais atraentes, conceitos de ficção científica e ação de motocicletas.

É impossível assistir às cenas de abertura de Akira e não pensar imediatamente no bombardeio dos Estados Unidos em Hiroshima e Nagasaki na Segunda Guerra Mundial. Nos próximos anos, o Japão pós-guerra cresceria superpovoado e ocidentalizado. O crescimento econômico desenfreado do país levaria ao que é considerado a epítome das cidades futuristas: Tóquio moderna — uma orgia metropolitana de luzes de neon e ruas movimentadas. Desenvolvida e exagerada na ficção científica e no mangá, a Tóquio do futuro se torna um epicentro metafórico para tudo de errado com o Japão pós-guerra, como a identidade nacional é deformada e talvez perdida no desejo de reconstruir sem restrições. A humanidade e certas liberdades se perdem nesse processo, mas a tecnologia e os requisitos visionários necessários para dar forma ao futuro inegavelmente encantam. No entanto, por mais que Akira critique o Japão pós-guerra e a reformulação da cidade e da cultura da época, seus efeitos sobre os seres humanos são muito mais invasivos.

Além da tecnologia, o indivíduo passa por uma reconstrução semelhante nas mãos de Otomo, especificamente em Tetsuo. Sequestrado e sujeito a experiências desconhecidas, Tetsuo alucina em imagens de sonhos que assustariam Dali. Em uma sequência sangrenta, suas entranhas derramam no chão em uma pilha, e ele tenta desesperadamente puxá-las de volta para dentro; outra sequência mostra um sonho noturno onde projeções de animais de pelúcia se transformam em monstros imponentes. A mente de Tetsuo começa a se expandir. À medida que desenvolve poderes telecinéticos, ele age em demonstrações de violência e destruição. Ele perde todo o sentido de sua história e devoção aos seus amigos. O próprio Tetsuo pode ser uma metáfora para o Japão pós-guerra, ficando fora de controle. 

Em termos menos gráficos, Akira representa sua juventude como rebeldes contra a cultura lutando contra o sistema ou envolvidos em gangues criminosas, de qualquer forma contra a autoridade em todas as formas. Esta é a tragédia do futuro de Otomo no que se refere aos seus personagens, apresentando uma alegoria cínica de como o Japão pós-guerra tem sido irrecuperavelmente influenciado, corpo e alma.

Mais de 3 décadas depois, Akira, de Katsuhiro Otomo, ainda inspira admiração. Hollywood tenta por mais de uma década produzir uma adaptação live-action (bata na madeira!), resultando apenas em falsos começos. Mas nenhuma quantidade computação gráfica cara, poder estelar (nomes envolvidos incluíram Leonardo DiCaprio, Keanu Reeves e Garrett Hedlund), ou valor de produção blockbuster poderia coincidir com a visão singular que Otomo alcançou em 1988. 

Akira permanece tão densamente mergulhado em espetáculos, ideias de ficção científica e uma sobrecarga de informações visuais que seus comentários sociais e culturais podem se perder para os espectadores mais interessados em espetáculo e menos atentos ao conteúdo. Este animê é uma conquista tão extraordinária que exige ser vista e revistada novamente para uma reavaliação em sua mais profunda relevância. E ser apreciada como um marco não apenas de animê, mas de cinema internacional.

sexta-feira, 2 de abril de 2021

FORREST GUMP E EU

Os melhores filmes de todos os tempos foram realizados durante a década de 1990.

Não tenho dúvidas disso.

Forrest Gump - O contador de histórias foi um filme realizado em 1994 e foi um dos mais importantes da minha vida. Os 40 anos da história estadunidense, da Guerra do Vietnã a Watergate, sob os olhos de um rapaz ingênuo, mas cheio de boas intenções. Apesar de participar ativamente e até influenciar alguns destes importantes acontecimentos, Forrest, em nenhum momento, esquece o seu grande amor de infância, Jenny Curran. Basicamente, um filme sobre como um homem, apesar de todas as suas limitações cognitivas, foi capaz de ter uma vida incrível!

Forrest Gump (interpretado por Tom Hanks) é um personagem conhecido e amado por todos por sua inocência e peculiaridades. Apesar de se assumir num princípio que a sua particularidade era gerada por um tipo de retardo mental, ao analisarmos cuidadosamente seu comportamento e atitudes, podemos identificar que Forrest na realidade era portador de um Transtorno do Espectro Autista (TEA).


Forrest Gump era autista?


“GUMP!!! Qual é o seu único propósito neste exército?!!! "

"Para fazer o que você me disser, sargento instrutor!!!!"

“Maldição, Gump!!! Você é um maldito! gênio!!! Esta é a resposta mais notável que já ouvi!!!! Você deve ter um maldito QI de 160!!!! Você é um maldito talentoso, soldado Gump!!!!!”


Para a maioria das pessoas, a cena entre o instrutor de exercícios do Exército e o recruta Forrest Gump foi apenas mais uma situação da série de incidentes divertidos onde Gump se encontra durante toda a sua história. Mas também é um dos muitos sinais espalhados pelo filme de que o personagem pode ser autista.

Cada vez mais têm-se abandonado o termo Síndrome de Asperger para se referir ao autismo nível 1, em especial devido ao histórico do médico Hans Asperger em colaboração com o regime nazista (denunciado no livro As Crianças de Asperger de Edith Sheffer) e por fomentar o capacitismo. Ademais, o DSM-5 tornou a designação obsoleta e o CID-11 consolidará a sua substituição.


Dentro dos critérios do DSM-5 para o autismo, descartando possíveis diagnósticos alternativos, como transtorno de Rett ou transtorno desintegrativo da infância de acordo com a observação evidências fornecidas no romance e filme, encontramos:

Critério A: Déficit persistente na comunicação e interação social em diversos contextos, manifestado pelos seguintes (atualmente ou também antecedentes):

A1. Déficit na reciprocidade socioemocional, o que pode levar a aproximações sociais anômalas e problemas para o desenvolvimento normal e seguimento da conversação, problemas para compartilhar interesses ou, como é o caso de Forrest, suas emoções e afetos, igualmente há problemas para responder as interações sociais. 

Esse déficit é sobretudo evidente na sua relação com Jenny, os amigos e companheiros dela e nas múltiplas vezes em que visita os distintos presidentes, nas quais não é capaz de ler as situações.

A2. Déficits nas condutas comunicativas não-verbais utilizadas nas interações.

Dificuldades na compreensão e uso de gestos como é o caso do personagem e falta total ou parcial de expressão facial ou comunicação não-verbal.

A3. Déficit no desenvolvimento, manutenção e  compreensão das relações sociais.

É difícil ajustar a conduta a contextos, compartilhar brincadeiras, fazer amigos e há ausência de interesses por seus iguais, como é demonstrado pelas poucas amizades que ele mantém durante toda a sua vida.

Critério B: Padrões restritivos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades que se manifestam em dois ou mais dos seguintes pontos, atualmente ou por antecedentes

B1. Movimentos, utilização de objetos ou falas estereotipadas ou repetitivas (estereotipias motoras simples, alienação a mudanças de lugar dos objetos, ecolalia, frases indiossincráticas).

B.2. Insistência em monotonia, excessiva inflexibilidade de rotinas ou padrões ritualísticos de comportamento verbal ou não-verbal (grande angústia frente a pequenas mudanças, dificuldades com as transições, padrões de pensamento rígidos, rituais restritivos, necessidade de tomar o mesmo caminho ou de comer os mesmos alimentos cada dia).

B.3. Interesses muito restringidos e fixos que são anormais quanto a sua intensidade ou foco de interesse (forte apego ou preocupação por objetos incomuns, interesses excessivamente circunscritos ou perseverantes).

Forrest apresenta uma não especificada deficiência mental que o faz diferente dos demais. Entretanto, isso também o impulsiona a querer triunfar em tudo o que faz e superar-se dia a dia, apesar das complicações tão grandes que se apresentam.


"Você só tem que ficar de olho na
bola..." 
Por algum motivo, o
pingue-pongue era muito fácil
para ele.

B.4. Hiper ou Hipoatividade aos estímulos sensoriais ou interesse inabitual por aspectos sensoriais do entorno (indiferença aparente a dor/temperatura, respostas adversas a sons ou texturas específicas, olfação ou palpação de objetos, fascinação visual pelas luzes ou o movimento).

Critério C: Os sintomas devem estar nas primeiras fases do período de desenvolvimento (mas podem não se manifestar totalmente até que as demandas sociais superem as capacidades limitadas ou podem estar mascaradas aprendidas em fases posteriores da vida).


Ver minhas fotos antigas é uma experiência esclarecedora.
Nunca olhava para as pessoas atrás da câmera, tinha um olhar
sem vida, duro como estátua, ausência do sorriso social e,
quando eu me forçava a sorrir, fazia uma careta. 

Critério D: Os sintomas causam deterioração clinicamente significativo no social, laboral e outras áreas importantes do funcionamento habitual.

Critério E: Essas alterações não se explicam melhor pela descapacitada intelectual (transtorno do desenvolvimento intelectual) ou por atraso global do desenvolvimento. A incapacitação intelectual e o TEA frequentemente coincidem. Para fazer um diagnóstico de comorbidades de um TEA e incapacidade social, a comunicação social deve estar abaixo do previsto para o nível geral de desenvolvimento.

Quando Forrest era criança, a sintomatologia era uma marcada deficiência para a comunicação social e uma série de padrões restritivos no seu comportamento o qual dificultaram desde tenra idade seu desempenho escolar assim como suas habilidades para socializar com seus semelhantes. 


"Corra, Forrest, corra."
O pequeno Gump que mal consegue andar,
devido um problema na coluna, precisa
correr para se salvar do bullying das outras
crianças. Quando hoje vejo o filme,
lembro do meu passado, e esse é um
dos momentos que mais me tocam.

Forrest cumpre o critério D, apresentando uma disfunção clinicamente significativa ainda que seja um personagem altamente funcional com múltiplas compensações que facilitam a sua comunicação com os outros e com muitas dificuldades para compreender situações sociais as quais afetam suas relações sociais e limitam o número de pessoas com as quais consegue se relacionar o que gera muito mal-estar emocional.


Quando acompanhei a jornada do personagem na década de 1990, ainda era uma criança e me identifiquei muito com seus valores e ideais, assim como com a tragédia e a realidade de sua vida diária. Com minha ingenuidade de criança, me diverti e ri bastante com o Forrest Gump, sem me dar conta de que estava rindo de mim mesmo.

O Forrest Gump é um personagem que amadurece em sua experiências ao longo do filme, embora permaneça sendo sempre o mesmo. É tolerante, gentil e tem uma impressionante habilidade para perdoar e aceitar as diferenças, em outras palavras, Forrest Gump é idêntico ao meu eu criança e adolescente.

Não escrevo isto apenas pelo fato de hoje conhecer no meu autismo a resposta para todas as situações as quais vivenciei. Forrest Gump lembra muito a mim mesmo da complicada fase adulta, por isso escrever sobre um filme como esse implica ter que aprofundar situações difíceis e dolorosas, mas sem dúvida alguma, cale a pena porque deixam um ensinamento muito valioso.

O que chama muito a atenção, é observar a perseverança que Forest Gump tem frente a vida e possui qualidades como o amor, a humildade, a entrega, a força e uma grande generosidade. O mesmo tempo, é um homem que mantem uma visão muito inocente sobre as personas e portanto, é muito difícil crer na maldade humana. Isto muitas vezes lhe causa dor e conflito, mas o mais importante é que nunca deixa de lutar e de empreender os sonhos que tem.

Um elemento central do filme é a influência que tem a família sobre o ser humano ao longo da vida. Forest Gump sempre se mostra próximo a suas convicções e da educação que durante a infância recebeu de seu mãe.

O protagonista é muito inteligente, diferente da impressão que a maioria das pessoas tem dele, porque sempre se adapta as situações que em que se encontra. Nos dá lições muito importantes através da perseverança e da valentia. Também podemos ver a bondade em suas intenções e em cada um de seus atos. Demonstra uma grande lealdade, já que apesar das humilhações, não deixa a seus amigos em nenhum momento.

Aprendemos aquilo de mais valor na vida: a qualidade humana. Nos faz refletir sobre o tratamento que como pessoas todos merecemos e por último, podemos apreciar que a vontade e a fortaleza, são capazes de alcançar qualquer objetivo.

O filme assegura que Forrest apresenta uma deficiência intelectual, mas não é evidente que ele tenha deficiências em suas funções intelectuais e de ele fato foi capaz de concluir os seus estudos tanto básicos como superiores sem aparente dificuldade e por isso não cumpre com os critérios para um transtorno de desenvolvimento intelectual.  

Nem o autor Winston Groom, nem a estrela Tom Hanks ou o diretor Robert Zemeckis jamais comentaram sobre sua opinião sobre se Forrest deveria ou não ser retratado como autista. Na verdade, na época em que Groom publicou o romance, em 1986, o autismo ainda era mal compreendido e não amplamente reconhecido pela maioria das pessoas. 

Caso soubéssemos do verdadeiro final da história do personagem, ele certamente deve ter terminado a sua vida desconhecendo a sua própria deficiência. O meu caso é parecido, vivendo 3 décadas da minha vida no mesmo desconhecimento. Forrest Gump e eu enfrentamos uma sociedade que vê nossas características autistas como fraqueza ou mesmo desvio de caráter e, além disso, que prega que homens dignos, íntegros e virtuosos teriam um comportamento oposto ao nosso.

Eu me identifico muito com Gump em suas adoráveis e destacáveis características presentes em sua história e também muito comuns às pessoas autistas, especialmente às crianças autistas: somos menos preconceituosas e mais aceitadores das diferenças, somos verdadeiros e não somos inclinados a praticar bullying, questionadores das autoridades quando estas são injustas, honestos e leais, atenciosos à detalhes, observadores e mais perdoadores àqueles que erram e se desculpam, somos menos propensos a sermos antiéticos e somos empáticos a nossa maneira. Por estas características, Gump conquistou muitas pessoas, mesmo o amargurado tenente Dan, que, à sua maneira, demonstrou gratidão por ter a sua vida salva, em uma das cenas mais emocionantes do longa.


Winston Groom, autor de Forrest Gump.

Teria sido extraordinário se Winston Groom tivesse criado o personagem com o autismo em mente e todas as evidências apontassem para a ideia de que ele simplesmente pretendia que Forrest Gump fosse um indivíduo de baixo QI que tropeçou em alguns dos eventos mais históricos da história recente. Mas uma coisa sobre arte e literatura é que ela está constantemente em processo de reavaliação e interpretação por parte do público e da crítica. Para muitas famílias e profissionais (como analistas de comportamento aplicado) que trabalham regularmente com indivíduos no espectro do autismo, os comportamentos de Gump atingem um ponto de reconhecimento.


"Idiotas são os que dizem idiotices"


Gump passa pela vida como um trapalhão inepto, alheio aos sinais e normas sociais, mas possui a capacidade de se concentrar em detalhes técnicos e seguir instruções claras com precisão de laser. Vê-lo desmontar e remontar um rifle de batalha M-14 no quartel é muito parecido com assistir um autista savant construindo castelos com Legos em precisão e velocidade fluindo de pura dedicação à tarefa.

E as pessoas com formação militar e um olho afiado que notaram as decorações no uniforme Classe A de Gump mais tarde no filme notariam que ele levou essa dedicação ainda mais longe: ele usa o maior distintivo de pontaria disponível no Exército.

Gump consegue feitos incrível com muito foco e intensidade. Seu foco em dirigir seu barco de camarão mostra comprometimento e perseverança, e, embora outros interpretem isso como pura estupidez, seu método compensa no final.




A vida é como uma caixa de chocolates


Colocado em um ambiente com regras e sistemas bem definidos, o Gump se destaca. Quando lhe é dito que a chave para o sucesso em jogar pingue-pongue é nunca tirar os olhos da bola, não há um segundo de tempo de jogo em que ele o faça. Além disso, sua prática é obsessiva, tanto com outros jogadores quanto por conta própria, por horas e horas... o suficiente para levá-lo à China para competir pelos Estados Unidos na diplomacia do pingue-pongue.

Analistas do comportamento aplicado que trabalham com pacientes autistas já viram esse tipo de foco antes e podem muito bem ter feito o mesmo uso dele que o instrutor de exercício de Gump e os professores de pingue-pongue fizeram. Eles também viram muitos pacientes com TEA que têm um tipo de energia nervosa, um tipo de hiperatividade e movimentos motores repetitivos que os analistas tentam redirecionar para comportamentos mais saudáveis... correr, por exemplo, assim como Forrest faz.

A capacidade de canalizar os comportamentos obsessivos em ações positivas é algo que a mãe de Forrest tem em comum com os esses analistas de comportamento. A lição dela para o seu filho, incentivando-o a abraçar a vida e aceitar que "você nunca sabe o que vai conseguir" é uma boa lição para todos, autistas ou não, se lembrarem.

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

POR QUE X-MEN THE ANIMATED SERIES AINDA É A MELHOR ANIMAÇÃO FEITA PARA A FRANQUIA?

X-Men the Animated Series foi uma animação diferente de quase todas as demais de sua época, os já longínquos anos 1990. Isto ajudou a revigorar os desenhos animados das manhãs da Rede Globo e também acendeu a rivalidade entre as produções americanas e japonesas, sendo estas transmitidas especialmente através da finada Rede Manchete, onde se destacavam Os Cavaleiros do Zodíaco e inúmeros tokusatsus exibidos na época, como Cybercops.

Mas o que fez esta versão dos X-Men se destacar? 

Principalmente, os seus personagens que contavam com uma profundidade ainda notável. 

Os mutantes poderosos integrantes do elenco tinham suas próprias histórias, lutas contra o preconceito e a intolerância e até mesmo debates políticos. 

Os seus enredos eram densos e com continuidade de episódios semelhante ao estilo já consagrado pelas produções japonesas, os animês. Além disso, havia também capítulos retirados diretamente das páginas dos quadrinhos clássicos dos X-Men para o deleito dos leitores mais antigos do grupo de super-heróis.

Não era necessário ser um leitor assíduo das HQ's para ser cativado pelo seriado. O nível da narrativa era muito atraente para os fãs dos mutantes da Marvel Comics e conquistava os espectadores mais jovens.

Muitos daqueles que hoje se consideram fãs dos X-Men tiveram o seu primeiro contato com os personagens graças a esta animação. Muitos dos personagens presentes desenho foram apresentados a mim desta maneira. 

A equipe do programa lutou contra os produtores que tentavam demolir seus orçamentos, a ridícula integração de merchandising, bem como o problema de ter seus escritores na Califórnia, dubladores no Canadá e animadores na Coreia do Sul, mas a série superou todas as expectativas. 

Listados a seguir estão os principais temas explorados pela série e que tanto contribuíram para conquistar o público não casual de quadrinhos e que poderiam colaborar para a produção de obras similares. 



Um programa sobre exclusão social

Minorias e desprivilegiados sociais há muito se veem nos X-Men, e a Fox estava muito consciente disso, o que resultou na introdução de Bishop, um dos personagens convidados mais memoráveis ​​da animação. 

Curiosamente, Bishop era ainda um personagem desconhecido para os leitores brasileiros das HQ's e, por isso, a nossa dublagem cometeu o erro de traduzir o nome do personagem para "Bispo", como se este fosse uma espécie de codinome, quando na verdade era o próprio nome do personagem (Lucas Bishop).

O racismo é representado metaforicamente na animação, assim como é originalmente feito em sua versão impressa, e o seu enfrentamento é uma constante durante toda a série. 

O seriado também apresenta personagens femininas muito poderosas como Tempestade, Vampira e  Jean Grey e pode ser considerado progressivo mesmo para os nossos padrões atuais por uma série de sub-textos e teorias elaboradas por certos fãs sobre personagens como Mística e Morfo.



Política mutante

Pode parecer inteligente manter a política longe dos desenhos animados destinados para um público corrente do sábado pela manhã, mas não há como eliminar completamente a natureza política dos X-Men. 

O senador Robert Kelly, que declara suas intenções de concorrer à presidência dos EUA,  foi um dos principais antagonistas da série nos seus primeiros episódios e as suas políticas são fortemente antimutantes. 

O Professor X tem um papel de destaque ao se encontrar com políticos e até viaja a Washington, para falar em nome de mutantes de todo mundo. 

A política russa surge em um episódio onde o passado do X-Man Colossus, quando ele vivia em uma fazenda comunitária na Sibéria ao norte de URSS é explorado e também há a presença do vilão mutante Omega Red, transformado em uma arma biológica de guerra e agora determinado a derrubar o governo atual daquela nação. 

O governo canadense também é explorado em um episódio muito marcante, no qual é exposto parte do passado de Wolverine, destacando a introdução da Tropa Alfa imbuída de um caráter multicultural de personagens de um mesmo país, o Canadá, seguindo todas as tendências político-culturais da época. A presença de imigrantes de mais de uma centena de grupos linguísticos e culturas foi muito tardiamente reconhecida como determinante para a composição da identidade canadense.

X-Men também explora a política intramutante, com grupos de mutantes cuja aparência era um fator de impedimento para o convívio social, os Morlocks, nome diretamente retirado do livro A Máquina do Tempo de H. G. Wells e correspondente aos seres humanoides residentes nos subterrâneos do século VIIIXXVIII presentes na obra.

Estes mutantes se reuniam nos esgotos para viverem em conjunto, formando verdadeiros guetos marginalizados, onde se escondiam dos seres humanos por medo das reações que sua aparência poderia incitar, de maneira similar a certos guetos e bairros pobres onde, marginalizados pelos brancos da sociedade norte-americana, muitos negros carentes se reuniam para viver, nas periferias das metrópoles. Os Morlocks são também uma clara referência aos movimentos punk e a contracultura.

No final da série, aprendemos mais sobre a Lei de Contenção de Mutantes, o que nos remete aos episódios que abordam a saga Dias de um Futuro Esquecido, mostrando uma linha temporal sombria onde este lei rege uma distopia antimutante.



Representações superiores para os personagens

Vampira é um das personagens mais sedutoras de toda a série, além de ser uma das mais paqueradoras, ao lado de personagens como Gambit e Wolverine, é claro. E ela lida com o fato de que não pode tocar em ninguém, devido a sua mutação, com suas características falas de flerte como quando viu Colossus pela primeira vez. 

É uma pena que a personagem tenha mudado tanto desde, acredito, a sua representação no filme X-Men (2000). A partir de então, tornou-se natural a sua representação como uma garota triste e deprimida por sua condição, precisando isolar-se e evitar contato físico pelo seu toque quase mortal.

Essa se tornou a tendência reconhecida para a representação da personagem, meio emo, em X-Men Evolution, a qual muitos amam.

É preciso reconhecer ser muito mais crível e perfeitamente compreensível que uma garota com os hormônios à flor da pele e incapaz de se apaixonar e fazer contato físico possa mesmo se transformar em algum tipo de aberração social. Mas não seria a forma como a personagem originalmente enfrentava o seu próprio estado de "deficiência" que a tornava uma super-heroína?


Anos 1990 X Anos 2000:
Punk X Emo

Quando a personagem foi introduzida em X-Men Animated Series, nas HQ's ainda não havia sido revelado nada sobre o seu passado obscuro, isto é, antes dela se tornar a protegida de Mística. Mas, a animação retratou a sua vida anterior, explorando com mais detalhes parte daquilo que os leitores já conheciam da Vampira, uma típica garota sulista e criada na congregação batista do sul. 

O pai da moça, no desenho animado, era um típico caipira fundamentalista cristão, exibindo uma barba e uma barriga de respeito e um boné com a bandeira dos Confederados, e ele expulsa de casa após descobrir ser a sua filha um "mutante cria de Satanás".

Nos quadrinhos, talvez para se diferenciar da animação ou talvez para evitar o estereótipo ambulante descrito acima sobre caipiras do sul dos EUA, Vampira foi retratada tendo nascido em um lar amoroso e que a aceitava.

Sinceramente, gostava mais do seu passado apresentado no desenho animado, uma vez que ele aumentava ainda mais a carga dramática e os questionamentos acerca de si mesma para a heroína.

Vampira foi uma das melhores personagens de X-Men Animated Series e a inspiração e a paixão de muitos. 

Teorizo que a moça foi a inspiração para a personagem Bunnie Rabbot de Sonic SATAM.

Por quê?

Bom... Ambas têm um passado traumático.

Ambas são paqueradoras.

Ambas têm um sotaque caipira sulista suprimido na dublagem brasileira.

São chegadas em um francês.

E as duas têm notáveis a-

-atributos.


... atributos!

O astro Logan Howlett, o Wolverine, também estava em seus melhores dias. 

O passado secreto do personagem poderia muito bem continuar secreto, uma vez que em nada me agradou quando da sua revelação nas HQ's (Wolverine Origins).

A saturação atual da imagem do carcaju tem como um dos culpados, ironicamente, o maior responsável pela popularização do personagem, elevando-o ao mesmo nível de um Superman ou um Batman. 

Estou me referindo ao ator Hugh Jackman que é incontestavelmente excelente e dificílima será a sua agora necessária substituição, mas a sua atuação levou Wolverine a uma exposição excessiva e também transformou muito do seu conceito original.

Amado por poucos, odiado por muito, Ciclope tem a sua versão definitiva nesta animação da década de 1990, muito antes das HQ's o terem transformado uma espécie de terrorista estilo Magneto ou os filmes fazerem dele um líder sem muita liderança e utilidade.



Citações literárias

Embora Fera passe a maior parte da primeira temporada na prisão, ele teve na verdade sorte de estar lá, já que quase não foi incluído na animação. O personagem tornou-se uma parte da série importante a partir de sua segunda temporada. 

Vemos o grande cérebro de Hank McCoy em ação o tempo todo e nos impressionamos com suas muitas reflexões, respostas filosóficas e declarações intelectuais excessivamente prolixas. 

Os telespectadores mais jovens na época (como eu era) provavelmente ficavam confusos com esse gênio de pelo azul, como quando, no primeiro episódio da série, discute o Nome de guerra com um colega de equipe, enquanto muitos adultos riam disso. 

Fera é frequentemente visto lendo, especialmente quando na prisão e ele cita prontamente as obras de Shakespeare, Lord Tennyson e John Donne.

E McCoy não é a único a implantar referências que as crianças não vão entender. 

Morfo consegue algumas falas roubadas de Robert Frost, enquanto Wolverine cita Dirty Harry e The Shining com um efeito assustador. 

Há o grande número de termos científicos usados ​​ao longo da série, como quando a equipe aprende sobre deslocamento temporal e o Darwinismo

Ninguém pode acusar os X-Men de não serem educativos.



Escravidão, intolerância e prisão

A escravidão infesta algumas das partes mais sombrias da história humana e retratá-la, mesmo em um desenho animado de sábado de manhã, pode deixar uma boa impressão. 

No episódio "Ilha dos Escravos", vários membros dos X-Men enviados para investigar o local de férias tropical e a utopia mutante conhecida como Genosha, mas tudo sobre a ilha não passa de uma mentira. 

Os heróis logo são capturados e jogados em celas com outros mutantes, que são mantidos vivos para serem usados ​​como trabalho escravo. Cada um deles é forçado a usar uma coleira que amortece seus poderes, exceto quando estes são necessários para o trabalho manual. É brutal, mas faz sentido que se os mutantes fossem reais, eles não seriam apenas explorados, mas também escravizados.

Outras formas de fanatismo extremo são exploradas na série. 

Tempestade e outros X-Men ajudam a libertar um grupo de escravos alienígenas que são controlados por braçadeiras. 

Quando a série explora o passado de Magneto, o Holocausto é mencionado. Este anti-vilão mutante é um judeu polonês sobrevivente do campo de concentração de Auschwtiz.

Mutantes são capturados e presos (especialmente naqueles episódios que exploram o futuro), e o senador Kelly até fala sobre colocá-los em campos de internação antes de ser salvo pelos X-Men e se tornar um aliado. 

Os mutantes sempre parecem estar a um passo de serem banidos, segregados ou perderem todos os seus direitos.



O fanatismo tem rosto

Os X-Men lidam com ódio e perseguição constantemente, este é um tema explorado na maioria de seus quadrinhos, e o desenho o faz de forma excelente. 

Mutantes são odiados, caçados e atacados e seus inimigos humanos mais ativos logo recebem um nome: Os Amigos da Humanidade. 

Não é difícil ver que esse coletivo se destina a espelhar os grupos neonazistas modernos, em seu simbolismo, manifestações e mentalidade.

O melhor exemplo disso está no episódio "A Bela e a Fera", quando Fera e um colega desenvolveram um tratamento para restaurar a visão de uma jovem, mas o pai dela odeia o gênio mutante e o quer longe de sua filha. 

É uma história comovente, já que Fera está apaixonada pela jovem, que mais tarde é sequestrada pelo supracitado grupo de ódio. É também aquele episódio em que as crianças aprendem a palavra "intolerante" e recebem um exemplo claro do que é a intolerância. 


Uma das cenas mais fortes da animação:
Graydon Creed enlouquece após a revelação do rosto do seu
pai biológico, o mutante Dentes de Sabre, diante de toda a
plateia de seus seguidores fanatizados.

O episódio termina com a revelação de que o líder dos Amigos da Humanidade, Graydon Creed, odeia mutantes porque seu pai e sua mãe são notórias figuras mutantes, Dentes de Sabre e Mística. Assim, Creed leva seu ódio a um nível totalmente novo quando tenta erradicar toda a sua família mutante em um episódio posterior.



A AIDS e o vírus Legado

A epidemia do vírus da imunodeficiência humana foi uma parte importante dos anos 1980 e 1990, o que levou à estigmatização dos homossexuais. Como os X-Men costumam ser vistos como um reflexo da totalidade dos grupos marginalizados, não é surpresa que um arco sobre um vírus que se destaca em matar mutantes tenha feito algumas comparações com a AIDS. 

Concedido, o enredo do Vírus Legado é um pouco complicado, com viagens no tempo e toda a trama do vilão Apocalipse, mas ainda existem alguns momentos pungentes e a comparação se mantém.

Esse vírus fabricado é usado para falsamente enquadrar mutantes e gerar mais ódio contra eles. 

Antimutantes fanáticos afirmam que os mutantes infectam humanos com a doença. 

Graydon Creed acidentalmente se infecta e culpa Bishop, que estava tentando impedi-lo de injetar o vírus em outra pessoa. 

No futuro que Bishop está tentando impedir, muitos mutantes são mostrados sendo trancados em quarentena por medo da sociedade e muitos também morrem com o vírus Legado. 

É tudo parte do esquema maligno de Apocalipse, planejado em um futuro distante. 

Embora os X-Men eventualmente salvem o dia, a imagem de mutantes estigmatizados e sofrendo perdura.



Perda e morte

Ser um membro dos X-Men não é fácil. Os espectadores são expostos a isso logo no início do primeiro arco da história, quando se acredita que Morfo foi morto e mais tarde, o enredo de "Fênix Negra" desfere um golpe devastador nos X-Men com a morte (temporária) de Jean Grey. 

Há também o final da série, no qual a equipe lida com a perda de Charles Xavier, que por pouco evita a morte, mas se perde de sua família mutante, talvez para sempre.

A série também explora vários mundos alternativos, que forçam os espectadores a enfrentar a morte de personagens queridos. 

Os episódios "Dias de um Futuro Esquecido" mostram Wolverine no futuro, condenado a passar pelos túmulos de todos os seus amigos mortos. 

Outro mundo apresenta Wolverine e Tempestade casados e sendo recrutados para ajudar a consertar o tempo novamente. Tragicamente, fazer isso significa que suas vidas e seu amor serão apagados. As lágrimas que derramam quando percebem que tiveram sucesso são profundamente tristes, embora possamos ver pela interação dos dois na linha do tempo correta, que algo ainda pode acontecer. 

O exemplo mais singular de perda no desenho ocorre quando a mansão X é destruída. 

Wolverine relembra em voz alta como aquela foi uma das poucas casas que ele conheceu e ver alguém tão estoico lamentando por um prédio é um momento emocionante.



As relações dos personagens

Os X-Men têm muita história. 

O drama do relacionamento é constante: triângulos amorosos clássicos proliferam, mais proeminentemente entre Ciclope, Jean Grey e Wolverine, assim como o amor não correspondido e até divórcio. 

Vários mutantes são rejeitados por seus próprios pais. 

Os episódios de "Proteus" revelam que um dos mutantes mais poderosos do mundo quer apenas a aceitação de seu pai. 

O ciúme é um sentimento muito presente, como quando Ciclope protege Cristal, enfurecendo Jean, então possuída pela Fênix. Acrescente a isto vários casamentos interrompidos, anúncios surpresas de paternidade, bem como alguns metamorfos, e as coisas ficam realmente loucas como quando Morfo fingindo ser o sacerdote de Scott e Jean para garantir a ilegitimidade de seu casamento, este é talvez o auge do drama.

Esses momentos ultra-emocionais são também por fazerem os personagens se sentirem muito humanos. Os escritores da série queriam mostrar o seu elenco lutando contra seus próprios demônios internos, bem como seus inimigos físicos, o que acabou contribuindo para uma boa e profunda narrativa. 

Como não há muita mídia para crianças que discuta coisas como morte, divórcio e como lidar com emoções fortes, o X-Men foi totalmente útil para os pequenos em busca de orientação. 

O programa sabe que crianças não são estúpidas, mesmo que não entendam todos os detalhes como seus pais. A incorporação de tantos elementos dramáticos torna o programa muito importante.



Os Mutantes e a fé

A religião faz parte dos X-Men. 

Existem religiões fictícias, como aqueles que adoram Garokk nas Terras Selvagens, além disso, a própria Tempestade por vezes é chamada de deusa. 

O cristianismo também está presente no programa, explorado em episódios que discutem a evolução dos mutantes e em episódios abordando o personagem Noturno, cujo catolicismo é grande parte de seu personagem.

Noturno tem uma aparência demoníaca e perturbadora, com pele azul, olhos amarelos, presas, extremidades de formato estranho, orelhas pontudas e uma cauda. Ele até cheira a enxofre ao usar seus poderes de teletransporte. 

Não é nenhuma surpresa, então, que uma turba de fanáticos religiosos venha destruir Noturno, insistindo que Deus está com eles em sua missão. Tal cena, quase retirada integralmente da primeira da hq que marcou a primeira aparição de Noturno nas histórias dos X-Men, também referencia o nazismo e o medo do diferente, uma vez que a nação natal do personagem é a própria Alemanha.

O episódio de estreia do personagem explora os temas ter fé, perdê-la e renovar o relacionamento com o divino, além de levantar a questão de por que Deus criou mutantes em primeiro lugar. 

Em um momento inesperado no final, Noturno dá a Wolverine uma Bíblia, com várias passagens marcadas. O episódio termina com uma cena do mutante canadense lendo passagens em voz alta em uma igreja. 

Isso é particularmente impressionante, dado o cinismo de Wolverine, mas a bondade de Noturno o alcançou. O sósia do demônio fala frequentemente sobre perdão e compaixão, mesmo por aqueles em sua família que fizeram coisas horríveis com ele. Ele sempre tenta viver pela mensagem em que acredita e X-Men está interessado em explorar o que isso significa, com uma profundidade que apenas adultos realmente entendem.

Nada contra o estilo X-Men Evolution, que também é muito bom e marcante, mas Vampira e Noturno estavam muito melhor representados e condizentes com suas versões originais das HQ's em X-Men Animated Series, com Noturno protagonizando dois dos seus melhores episódios. 

Nas HQ's da equipe mutante, a "culpa católica" de Kurt Wagner gerava alguns das histórias mais profundas e filosóficas para o mutante dividido entre a igreja, o mundo dos espetáculos circenses e carreira de super-herói.

A religião era aparentemente melhor vista dentro do mundo do entretenimento na época em que esta animação foi produzida e, embora não diminua a qualidade deste excelente episódio, à atual plateia que venha a assisti-lo sob sua própria ótica pode parecer meio forçada a "conversão relâmpago" do "ateu" Wolverine, aparecendo este inclusive no final do mesmo episódio rezando de joelhos dentro de uma igreja. 

Logan é agora considerado oficialmente um personagem católico (não muito "ortodoxo", verdade) convertido pelo próprio Noturno. 

"Estão vendo só crianças? O Wolverine é durão, mas, dentro de um igreja, mesmo os joelhos dele se dobram." Não seriam estas as prováveis palavras de uma mãe, tia ou avô religiosa aos pequenos que atualmente assistissem o episódio?

Já imaginaram como seria o momento da confissão dos pecados de Wolverine ao quase padre Noturno?


"Quer confessar os seus pecados, mein freund?"

"Padre, confesso que pequei. Matei 67 ninjas e desmembrei outros 26. Além disso, desejo sexualmente a esposa morta-viva de Scott Summers e dormi com a Miss Marvel mais de uma vez... Ah. Matar um exército Skrull conta como pecado, se eles são alienígenas?" 

Mais ou menos assim.

Contudo, um ótimo capítulo a explorar temas tão pouco mencionados neste meio ao retratar as pessoas que usam a religião para o bem (Noturno e os demais monges do convento) em confronto com aquelas que a usam para o mal (o Irmão Reinhart e os moradores da aldeia). 



A violência é onipresente

X-Men está cheio de violência, embora como é o caso de muitos desenhos animados americanos do seu tempo, poucos chutes e socos podem realmente acertar para que as coisas não sangrem. 

A inclusão dos Sentinelas e outros robôs como antagonistas primários ajudou tremendamente com esse dilema, uma dádiva para a violência simulada. 

Rasgar partes cibernéticas de um humano, como aconteceu com Donald Pierce durante a luta com o Clube do Inferno, também é permitido. 

Essas soluções alternativas permitiam que os fãs vessem Wolverine e os outros decapitarem, desmembrarem e eviscerarem seus inimigos, usando seus poderes ao máximo.

A violência também está presente na quantidade de brigas que os X-Men travam entre si. 

Pode ser um pouco estranho ver esses supostos companheiros de equipe constantemente lutando uns contra os outros, usando seus poderes, mas é o X-Men. 

Muitos personagens também se esforçam para ferir inocentes ou são obcecados por serem cruéis, como Dentes de Sabre. 

Magneto jura vingança contra a humanidade, Cable passa sua vida tentando destruir uma pessoa e Arcanjo dedica sua riqueza para rastrear e destruir Apocalipse em um episódio. 

A violência está enraizada na vida desses personagens e na própria animação.



Dia de Formatura:
O episódio mais emocionante da série!

Como pode ser facilmente perceptível à primeira vista, a série animada pode parecer um pouco desatualizada, uma vez que o seu estilo de animação ficou um pouco ultrapassado, mas as histórias valem todo o investimento, superando muitas animações atuais que buscam transmitir mensagens similares. 

X-Men Animated Series nunca parece um anúncio de serviço público embrulhado em um desenho animado e, na verdade, lida perfeitamente bem com questões moralmente ambíguas através das lentes de personagens que nem sempre concordam.

Podem haver momentos em que as coisas ficam mais lentas e uma queda considerável da qualidade nas últimas temporadas, mas na maior parte, esta série não tem medo de entrar em territórios até então desconhecidos ou mesmo proibidos para uma animação projetada para ocupar a grade horário do sábado pela manhã e, certamente, foi inspiradora para diversas outras produções que surgiriam posteriormente.

Postagem em destaque

DRAGON BALL SUPER É UM LIXO, MAS A SUA PROPAGANDA É EXCELENTE

A imagem acima é autoexplicativa.  Dragon Ball Super é, em MINHA OPNIÃO, a qual você pode aceitar ou discordar, uma das maiores tragédias/...