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domingo, 2 de janeiro de 2022

0S MELHORES FILMES CULTS QUE EU VI EM 2021



METROPOLIS

País: Alemanha

Ano: 1927

Já havia assistido antes? Não


Surreal, expansivo e operístico, baseando-se em imagens cristãs bíblicas e medievais, bem como A Máquina do Tempo de H.G. Wells, Metropolis, do expressionismo alemão do cineasta austríaco Fritz Lang, colonizou um novo reino da imaginação que moldou a ficção científica subsequente de Flash Gordon a Star Wars, de "Os Jetsons" a Blade Runner. As paisagens futuristas da cidade que são um marco da ficção científica, com seus arranha-céus impossivelmente maciços e veículos voadores enfiando cânions de concreto, todos devem uma dívida ao filme de Lang, um dos pontos altos do expressionismo alemão.

Como alegoria social, Metropolis retrata um mundo em que os filhos privilegiados da sociedade vivem em facilidade e luxo na superfície enquanto nas entranhas da cidade trabalhadores operam as máquinas que sustentam todo aquele mundo. Com o tempo, essa situação opressiva eventualmente leva aos conflitos de classe.

Observa-se perceptivamente nesse cenário uma semelhança impressionante com a história do futuro mundo visitado pela Máquina do Tempo de Wells, onde os Morlocks trabalhavam em máquinas subterrâneas para servir aos burgueses. No entanto, em A Máquina do Tempo, esse conflito de classes eventualmente leva ao que está em vigor a revolução marxista, com os Morlocks proletários se levantando e subjugando os burgueses. Em Metropolis, há uma visão surpreendentemente contrastante que leva o seu conflito de classes a uma resolução diametralmente oposta, baseando-se em imagens religiosas e inspiração na defesa da reconciliação não violenta entre as classes.

Na verdade, Metropolis avança a tese provocativa de que a violência revolucionária realmente serve ao interesse próprio da classe dominante, uma vez que permite que eles respondam esmagando elementos dissidentes. 

O enredo onírico, que se baseia em conexões emocionais e poéticas ao invés de lógicas, envolve um jovem herói infantil chamado Freder (Gustav Fröhlich) cujo pai ditatorial (Alfred Abel) é o mestre de Metropolis, uma jovem idealista chamada Maria (Brigitte Helm) que tenta oferecer esperança aos trabalhadores oprimidos, e um cientista sinistro chamado Rotwang (Rudolf Klein-Rogge) a quem o pai de Freder se alia para subverter os esforços de Maria construindo um "clone" robótico da mesma.

Mais importantes do que a história são as imagens inesquecíveis: as intermináveis colunas de trabalhadores marchando em sincronia noturna e de seu terrível trabalho; a monstruosa Máquina "M", revelada em um momento visionário para incorporar o espírito de Moloch, a divindade sanguinária do Canaã do Antigo Testamento; Freder agonizantemente trabalhando na máquina relógio parecendo Cristo crucificado; o striptease lascivo do robô-Maria seduzindo os pais privilegiados de Metropolis para os Sete Pecados Capitais; a imensa catedral gótica em que o confronto final ocorre.

Alusões religiosas estão por toda parte. Maria e sua "clone" malvada sugerem respectivamente a Virgem Maria e a Prostituta da Babilônia. Freder, o filho, é um agente de reconciliação semelhante a Cristo, enquanto o pai Joh é um deus autointitulado tomando o lugar do próprio Deus seu próprio mundo, até desencadeando uma inundação para destruir seu povo quando eles o desagradaram. Os escritórios de Joh estão em um arranha-céus chamado Nova Torre de Babel, e o conflito climático está repleto de referências ao Apocalipse.

Osamu Tezuka, considerado "O Deus do mangá", falava abertamente que as suas maiores inspirações para a arte estavam em Walt Disney e no expressionismo alemão. Inclusive está entre as obras que Tezuka deixou a sua própria versão de Metropolis, que ganhou animê em 2001, uma obra-prima que para a sua produção contou com uma equipe de estrelas como o diretor Rintaro, Katsuhiro Otomo, como roteirista, a animação ficar a cargo do estúdio Madhouse com suporte conceitual da Tezuka Productions.





LUZES DA CIDADE

País: EUA

Ano: 1931

Já havia assistido antes? Não


Luzes da Cidade é o quintessencial filme de Charlie Chaplin, o mais perfeitamente elaborado e satisfatório de todos os seus filmes, e também o mais representativo de todas as diferentes texturas e tons pelos quais o inigualável ator é lembrado, o sentimento, a farsa e a irreverência, o melodrama e os comentários sociais. 

As observações sociais mais destacáveis no filme do personagem interpretado por Charlie Chaplin estão na forma um par de relacionamentos com dois indivíduos: uma florista cega (Virginia Cherrill) e um milionário alcoólatra e de tendências suicidas (Harry Myers), cujas respectivas incapacidades permitem que eles aceitem o inaceitável. Sempre que o milionário está sóbrio ele expulsa Chaplin da sua presença, mas quando bêbado ele o recebe como um amigo. A garota cega, também, faz amizade com Chaplin, embora, se ela pudesse vê-lo, presumivelmente não teria nada com ele.

No entanto, ironicamente, suas cegueiras permitem que eles vejam o como ele realmente é, um sujeito com um coração de ouro que salva repetidamente a vida do milionário mesmo diante de muito perigo para si mesmo, e que está disposto a arriscar tudo para dar à garota cega uma chance de vê-lo, mesmo com a possibilidade de perdê-la. 

A emoção da cena final inesquecível e delicadamente avassaladora. Os espectadores iniciantes certamente devem segurar a respiração em antecipação, imaginando se a cena terminará em realização feliz ou ironia cruel.





TEMPOS MODERNOS 

País: EUA

Ano: 1936

Já havia assistido antes? Não


Filmes mudos já estavam fora de moda em 1936, quando Charlie Chaplin completou seu último filme mudo, Tempos Modernos. Um filme mudo conscientemente feito para a era do som, uma obra-prima cômica que permanece acessível hoje até mesmo para os amantes de cinema criados em imagens de computador e som surround.

Em parte, isso se deve às concessões de Chaplin à nova era: O filme tem uma trilha sonora sincronizada, incluindo efeitos sonoros e diálogos limitados baseados em "efeitos sonoros", bem como a própria partitura de Chaplin (a música sempre foi integral para filme "silencioso") e uma canção mesmo muito única escrita e cantada por ele mesmo, que de alguma forma inventa para não conter o que normalmente seria chamado de letras. Chaplin assim escreveu, dirigiu, estrelou, produziu, cantou e dançou em Tempos Modernos, sem mencionar fazer suas próprias acrobacias, incluindo algumas patinações extremas e um mergulho de cabeça em alguns centímetros de água.

Outro fator na acessibilidade contínua de Tempos Modernos é a influência duradoura do trabalho de Chaplin. Mais de uma cena do filme parecerá estranhamente familiar para os espectadores modernos que o assistem pela primeira vez. 

Mas a razão mais importante para a relevância contínua do filme são seus temas contemporâneos e perspectiva de futuro. A famosa cena de abertura simbólica, com imagens de ovelhas se aglomerando através de uma passagem se dissolvendo em imagens de trabalhadores saindo de uma estação de metrô, não perdeu nada de seu impacto. De fato, os espectadores contemporâneos facilmente farão a conexão entre a imagem de Chaplin e o mundo dos recintos e passagens tão familiares aos moradores do cubículo da América corporativa.

Outra cena inicial mostra Chaplin tentando fazer uma pausa durante o horário de trabalho no banheiro quando na tela de um grande monitor na parede surge a imagem da cabeça do seu chefe ordenando que ele pare de enrolar e volte ao trabalho. O público moderno que assiste a esta cena pode refletir com tristeza sobre a realidade cotidiana da vigilância eletrônica no local de trabalho, talvez nem mesmo percebendo que a sequência foi filmada décadas antes da televisão viável.

Como todos esses exemplos sugerem, Tempos Modernos olha para o futuro, mas não com entusiasmo. Muitas vezes descrito como uma sátira da era das máquinas, o filme tem de fato um tema mais amplo: os efeitos desumanos de muitos aspectos da modernidade, incluindo industrialização, burocracia, urbanização e aplicação da lei.

Obviamente Chaplin não era contra o progresso ou a tecnologia, afinal, o cinema em si, mesmo o cinema silencioso, é um meio quintessencialmente moderno. E não é preciso dizer que a era moderna trouxe muitos avanços extraordinários em áreas como medicina, produção de alimentos, e assim por diante. É fácil imaginar alguém fazendo um filme chamado Tempos Antigos destacando as dificuldades da vida em condições pré-modernas. Ainda assim, mesmo que decidamos no final que, considerando tudo, preferimos a qualidade de vida de hoje à de períodos anteriores, isto não deve nos impedir de reconhecer os males sociais e falhas do nosso próprio dia-a-dia.

Um tema recorrente em Tempos Modernos é o fenômeno do desemprego. Agora, obviamente não há nada de novo sobre pobreza e fome generalizados, mas o desemprego como o conhecemos hoje é um desenvolvimento relativamente recente, um subproduto da economia moderna da força de trabalho que exige que todos "consigam um emprego". Nas sociedades pré-modernas, em geral, o desafio para pessoas capazes era muitas vezes menos "encontrar trabalho" do que ser capaz de sobreviver no trabalho que se fez.

Muitos brasileiros estão hoje em condições de ter que roubar para sobreviver como a personagem do filme vivida pela belíssima Paulette Goddard, esposa real de Chaplin na época ou como os assaltantes que ele encontra enquanto trabalha como segurança, um dos quais diz melancolicamente: "Não somos ladrões - estamos com fome". Esta afirmação tem alguma justificativa no ensino moral tradicional, que define o roubo como usurpar a propriedade de outro contra a vontade razoável do proprietário, com a condição de que aquele em perigo de morte por falta de comida, ou sofrendo qualquer forma de necessidade extrema, pode legalmente tomar de outro tanto quanto é necessário para atender sua angústia atual, mesmo que a oposição do possuidor seja inteiramente clara. A razão tem a ver com a hierarquia dentro do direito natural. O roubo é uma violação do princípio da propriedade privada, mas esse princípio é subordinado a uma lei superior: o destino universal dos bens criados.

Por uma questão de necessidade prática, o destino universal dos bens criados é servido pelo princípio da propriedade privada, que incentiva todos a trabalhar em benefício próprio, ajudando assim a garantir que os bens do mundo sejam devidamente desenvolvidos e apreciados por todos. No entanto, nos casos em que as circunstâncias impedem que determinados indivíduos adquiram o que precisam para sobreviver, o princípio da propriedade privada pode dificultar em vez de servir ao destino universal dos bens criados.

O filme de Chaplin brinca com o comunismo como uma alternativa à injustiça do desemprego em uma sociedade sem redes de segurança. Naqueles dias pré-Guerra Fria, as simpatias comunistas eram mais socialmente aceitáveis, e, afinal, a América precisava desenvolver estruturas sociais que tornariam o desemprego mais viável e menos desumano. Apesar de sua consciência social, Tempos Modernos não se transforma em um tratado ou drama político, mas permanece muito mais uma tradicional tragicomédia. Chaplin aborda o desemprego e outras questões sociais, mas o faz obliquamente, com um leve toque, no contexto das desventuras cômicas de seu personagem.

Chaplin nos dá uma cena clássica após a outra: a demonstração da máquina de alimentação, a curta carreira como funcionário de um estaleiro, a hora do almoço na fábrica com o supervisor do preso em uma máquina gigante, e, claro, o número climático de música e dança, no qual a sua voz real é finalmente ouvida, mas a regra do filme contra palavras vocalizadas permanece intacta.





ROMA, CIDADE ABERTA

País: Itália

Ano: 1945

Já havia assistido antes? Sim


Desenvolvida em Roma durante a ocupação nazista, filmada na Cidade Eterna logo após a retirada nazista, este filme de Roberto Rossellini surpreendeu o público em todo o mundo que viu nele uma autenticidade não mediada mais evocativa da qualidade documental dos noticiários em tempo de guerra do que da artificialidade de dramas anteriores e mais convencionais da Segunda Guerra Mundial.

Em retrospectiva, Roma, Cidade Aberta é uma espécie de filme de transição, combinando elementos do que seria chamado de neorrealismo italiano com elementos do melodrama tradicional do estúdio. Suas cenas foram filmadas em sets, mas Rossellini também fez uso de ruas romanas ainda devastadas pela guerra que nunca poderiam ter sido duplicadas em estúdios, com becos cheios de escombros e edifícios marcados. Alguns espaços, como a escadaria triangular em um prédio de apartamentos, tornam-se tão familiares que sentimos que sabemos exatamente onde e como a ação se desenrola.

Atores profissionais desempenharam vários dos papéis principais, incluindo Anna Magnani, como a noiva grávida Pina, e Aldo Fabrizi, como o padre heroico Don Pietro, mas muitos dos atores anônimos poderiam ser ditos estar interpretando a si mesmos, e cenas como o saque da padaria definitivamente são do tipo Hollywood. As principais figuras nazistas - o brutal Major Bergmann (Harry Feist), a predatória Ingrid (Giovanna Galletti) - são vilões estereotipados, decadentes e sutilmente sexualmente depravados (em contraste com Pina e seu noivo viril (Marcello Pagliero), o líder partidário Giorgio Manfredi. Mas não há nada de inautêntico sobre os vilões de patente na grande peça do filme.

O coração moral da história, co-escrita por Rossellini e Federico Fellini, é sua celebração humanista da solidariedade unindo todos os tipos de cidadãos italianos - civis comuns como Pina, partidários comunistas como seu noivo Giorgio Manfredi (Marcello Pagliero), monarquistas como as forças invisíveis de Badoglio, o clero com Don Pietro, e até mesmo crianças como o filho de Pina Marcello (Vito Annichiarico) - contra o reinado racista do terror representado pelos nazistas. O engajamento do comunista Manfredi e da menos devota, mas ainda católica Pina, que planeja se casar com Don Pietro em vez de um oficial fascista, é um símbolo dramático dessa solidariedade.

O filme apresenta Don Pietro como um pouco ineficaz e distraído arbitro de um jogo de futebol masculino. Mais tarde, em um momento divertido, Don Pietro para em uma loja para pegar dinheiro e contrabandeá-lo para o movimento de resistência, onde ele desconfortavelmente contempla uma pequena estátua de São Rocco um pouco perto demais de uma outra estátua feminina de um nu voluptuoso, e tem que fazer dois ajustes antes que ele esteja convencido de que a castidade do santo é adequadamente honrada.

À medida que o filme continua, no entanto, o padre se torna uma figura cada vez mais heroica, confiando em seus privilégios clericais para tratar dos negócios da resistência mesmo após o toque de recolher. Na cena da invasão no prédio de Pina, Don Pietro corajosamente passa por soldados nazistas no prédio evacuado, sob o pretexto de administrar a unção dos enfermos a um homem doente terminal, mas na verdade pretendendo impedir que o jovem que integrava a multidão da rua venha à óbito ao atacar os nazistas com armas de contrabando. Embora a cena termine em outra nota cômica, a frieza do padre sob pressão é estabelecida - e quando ele e outras figuras da resistência são presas, a frieza de Don Pietro torna-se a determinação moral de um mártir em seu último julgamento. 

Na sede nazista, enquanto Manfredi está sendo torturado na sala ao lado, o Major Bergmann tenta jogar Don Pietro contra Manfredi dizendo: "Ele é um subversivo e um ateu - seu inimigo". "Eu sou um padre católico", responde Dom Pietro calmamente, "Acredito que qualquer um que luta por justiça e liberdade caminha nos caminhos do Senhor. E os caminhos do Senhor são infinitos." Este "batismo" do líder partidário ateu é aumentado à medida que o corpo despido e espancado de Manfredi é pressionado na forma de uma cruz contra a parede, como uma figura de um Cristo secular.

No final, quando o padre prevê que Manfredi não falará - acrescentando que rezará por ele - o conflito entre as visões de mundo nazistas e católicas chega ao silêncio de um partidário marxista. "Tenho um homem que deve falar antes do amanhecer", confidencia Bergmann a um oficial mais velho, Hartmann, "e há um padre que está orando por ele." Quando Hartmann pergunta se Manfredi pode não falar, Bergmann dispara: "Isso significaria que um italiano é tão bom quanto um alemão! Significaria que não há diferença no sangue de uma raça escrava e de uma raça mestre! Qual seria o objetivo de nossa luta?" Hartmann, porém, viu demais para aceitar a linha partidária. Ele lutou na primeira Guerra Mundial; ele viu patriotas franceses morrerem sem falar. "Nós, alemães, simplesmente nos recusamos a perceber que as pessoas querem ser livres", diz ele ao escandalizado Bergmann.

A fé de Don Pietro, e a sensibilidade católica teimosa dos soldados italianos na cena climática, dão um sentido triunfante de elevação espiritual ao que de outra forma seria um final meramente desanimador e desafiador. Temas religiosos, morais e políticos se entrelaçam até o fim: os meninos que assistem do lado de fora da cerca assobiam uma melodia partidária, seja para chacoalhar os soldados ou para encorajar o padre, que usa segundos extras para sussurrar as repetidas palavras de perdão pronunciadas pela primeira vez da Cruz de Cristo, de acordo com a narrativa bíblica. O último tiro apresenta proeminentemente a Basílica de São Pedro, nomeada para o apóstolo declarado como uma rocha, no horizonte sobre os meninos, enquanto eles vão em seu caminho, a próxima geração na luta por justiça e liberdade.





O PAGADOR DE PROMESSAS

País: Brasil

Ano: 1962

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"O Pagador de Promessas" é um filme brasileiro produzido em 1962, escrito e dirigido por Anselmo Duarte, baseado na peça homônima do dramaturgo Dias Gomes. Ganhador da Palma de Ouro, o principal prêmio do Festival de Cannes, na França, um dos festivais de cinema mais prestigiados e famosos do mundo. Brasil e Estados Unidos são os únicos países do continente americano a ganhar a honraria. Também se tornou o primeiro filme da América do Sul a ser indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro na edição de 1963. Em novembro de 2015, ficou em nono lugar na lista dos 100 melhores filmes brasileiros, segundo a Abraccine.

Na década de 1960, Zé do Burro (Leonardo Villar), um homem humilde, enfrentou a intransigência da Igreja quando tentou cumprir a promessa feita em um terreiro do Candomblé, que era carregar uma cruz de madeira pesada para uma longa viagem no interior da Bahia. Seu melhor amigo é um burro chamado Nicholas. Quando o burro adoece, ele não pode fazer nada para fazer o animal melhorar, então ele faz uma promessa a uma Mãe de Santo do Candomblé: se o burro se recuperar, ele promete que dividirá sua terra igualmente entre os mais pobres e levará uma cruz de sua propriedade para a Igreja de Santa Bárbara, em Salvador, onde ele vai oferecê-la ao padre local. 

Assim que seu burro se recupera, Zé começa sua jornada. Fielmente seguido por sua esposa Rosa (Glória Menezes), Zé chega ao templo de madrugada. O padre local, que representa a autoridade da religião oficial, se recusa a receber a cruz de Zé depois de ouvir dele a razão pela qual ele a carregou e as circunstâncias "pagãs" sob as quais a promessa foi feita, tornando sua realização impossível. 

Todos em Salvador tentam tirar vantagem do inocente e ingênuo Zé. Praticantes de candomblé querem usá-lo como líder contra a discriminação que sofrem da Igreja, jornais sensacionalistas transformam sua promessa de dar terra aos pobres em um grito pela reforma agrária, assunto ainda muito controverso no Brasil. Zé insiste em entrar na Igreja e recebe apoio da população pobre, que acredita ter ele o direito de pagar sua promessa, criando assim uma situação de conflito com o padre. 

A polícia é chamada para impedir a entrada de Zé e ele acaba morto em um violento confronto entre a polícia e manifestantes que o apoiam. Na última cena do filme, os manifestantes colocam o corpo de Zé em cima da cruz e forçam seu caminho para dentro da igreja.

O elenco e a direção do filme são todos impecáveis e a interpretação de Leonardo Villar é tão emocionante que pode arrancar lágrimas do mais durão dos espectadores. É muito triste ver como hoje a cultura brasileira parece mais uma espécie de obituário. Saudades de Leonardo Villar e de tantos outros grandiosos artistas que nos deixaram.





O HOMEM QUE NÃO VENDEU SUA ALMA

País: Reino Unido

Ano:1966

Já havia assistido antes? Sim


Quem é você, afinal? O que define você? O que faz de você você? Não me fale sobre seu trabalho, sua família, seus hobbies ou interesses. Todos eles são reféns das circunstâncias, sujeitos a mudanças. Dado o preço certo, as circunstâncias certas, você pode deixar seu emprego. Sua família pode ser tirada de você, ou você deles. Por mais importantes que sejam essas coisas, elas são, em princípio, transitórias. Há algo em você que não seja transitório, não refém da circunstância, não sujeito a renegociação ou compromisso? Há alguma coisa, por exemplo, que você nunca poderia, em hipótese alguma fazer, independentemente do preço, ou qualquer pressão que possa ser feita sobre você? Se não há nada assim então você é realmente alguém? Você tem uma identidade, um eu? Ou apenas uma configuração específica nas condições atuais?

O homem que não vendeu sua alma é a história de um homem que sabe quem ele é. O filme de 1966, que ganhou seis Oscars, incluindo melhor filme e melhor ator (Paul Scofield), é brilhante e convincente, tem sabedoria genuína e sagacidade. O roteiro, bem adaptado por Robert Bolt de sua própria peça teatral, é ferozmente inteligente, profundamente impactante, ressonante com beleza verbal e graça. 

Thomas More sobe ao posto de Lorde Chanceler da Inglaterra antes de se desentender com o rei Henrique VIII sobre o seu plano de terminar seu casamento com Catarina de Aragão e se casar com Ana Bolena. Quando os bispos ingleses rompem com Roma e Henrique é declarado "Chefe Supremo da Igreja na Inglaterra", More, um católico fervoroso e piedoso, desiste de seu alto cargo e de todas as regalias que o mesmo proporciona. Para preservar sua liberdade e proteger sua família, ele também desiste de sua vida política e pública, tentando manter um perfil discreto.

Mas Sir Thomas é muito conhecido por abandonar a vida pública e seu silêncio é amplamente interpretado como desaprovação, tornando-se uma fonte de ansiedade privada e constrangimento público para o rei Henrique. O que se segue é um fascinante jogo de gato e rato, uma caça da raposa, com More como a raposa astuta e esquiva usando todos os truques para iludir os cães do rei que buscam seu sangue. 

More é um advogado brilhante, e sua defesa é legal: se ele mantiver seu silêncio, ele não pode ser acusado de se opor ao rei. Mas logo isso não é mais suficiente e ele deve desistir de sua liberdade e propriedade para salvar seu pescoço. E quando nem isso é suficiente, para preservar sua integridade, aceita entregar a sua vida porque há algo que ele nunca fará: ele não fará o juramento que aceita o título do Rei e o novo casamento.

Tudo isso é estranho à nossa era, quando a capacidade de celebridades e políticos de se reinventarem é amplamente considerada como uma habilidade básica de sobrevivência, e chegar ou manter o poder ou a fama é o bem mais alto. Quando um brilhante e carismático advogado se torna o mais alto funcionário do governo de seu país, e é então acusado e julgado por um crime, não esperamos que ele esteja tão preocupado com perjúrio ao ponto de escolher sacrificar sua carreira, renda, status social, liberdade e, eventualmente, sua vida. A menos, é claro, que você queira realmente se comprometer. Quando é dito que sua garantia mais solene está vazia, que você é incapaz de atestar o ponto em questão, é como ser dito que você não é ninguém, que não tem caráter, nenhuma identidade, nenhuma alma.

Há, de fato, um personagem a quem More diz isso: Richard Rich, um jovem superficial que no final tem uma mão na ruína de More. Rich quer um emprego no tribunal, mas More, sabendo da sua falta de caráter, não vai colocá-lo onde ele será tentado. Rich implora e implora, finalmente professando fervorosamente que "seria fiel". More olha nos olhos dele e diz deliberadamente: "Richard, você não poderia responder por si mesmo, mesmo esta noite." E naquela noite Rich prova que More estava certo. Ele é uma espécie de inverso de More: À medida que a integridade de More retira seus bens materiais, mas expõe as suas virtudes cada vez mais heroicas, a falta de substância de Rich faz com que ele aumente rapidamente em riqueza e status à medida que ele se torna cada vez mais corrupto.

Este é um grande filme. Acredito que é a representação cinematográfica mais profunda da vida de um santo. O fato de ter sido escrito por um não-cristão também serve para tornar mais evidente o poder convincente da fé e da virtude de More, um homem cuja luz interior é tão radiante que mesmo incrédulos são atraídos para homenageá-la. O mesmo pode ser dito de Joana D'Arc, que tanto deslumbrou Mark Twain que ele escreveu sua história de vida em uma de suas melhores obras.






AKIRA

País: Japão

Ano:1988

Já havia assistido antes? Sim


Akira começa em 1988 com uma imagem chocante: uma explosão maciça, aparentemente atômica, entra em erupção no centro de Tóquio e inflama a Terceira Guerra Mundial. Depois que a guerra e mais de trinta anos, Neo-Tóquio cresceu dos escombros em uma metrópole de luzes brilhantes e arranha-céus impossivelmente altos. Manifestações políticas enchem as ruas, e forças do governo militarista recorrem à violência extrema para detê-los. Gangues de jovens motoqueiros agitam as rodovias e se envolvem em batalhas de estradas. E experiências secretas do governo resultaram em crianças estranhas e distorcidas com poderes incríveis. Este é o assustador e emocionante mundo cyberpunk criado por Katsuhiro Ohtomo, o artista de mangá e diretor de animê cuja visão inspiraria inúmeros outros artistas japoneses e diretores de cinema de Hollywood nos anos seguintes. Seu filme, lançado em 1988 e ainda considerado como um dos mais importantes animês já lançados, transcende as limitações através de seu incrível valor de produção, influência substancial, designs inesquecíveis e um comentário duradouro sobre o estado da identidade cultural japonesa.

Otomo publicou pela primeira vez seu mangá Akira em 1982 nas páginas da Youth Magazine, publicada por Kodansha. Fundamentada no subgênero ciberpunk, suas raízes mais prevalentes estão no livro Neuromancer (1984), de William Gibson, a série planejada de seis volumes de Otomo não seria concluída até 1990, após mais de 2000 páginas publicadas. No entanto, como em muitas séries populares de mangá, seu autor foi eventualmente abordado para traduzir sua história em um animê antes do mangá ser concluído. Outro exemplo notável dessa tendência pode ser encontrado em Nausicaä of the Valley of the Wind de Hayao Miyazaki, o mangá publicado pela primeira vez em 1982, com filme lançado em 1984. 

Mas a visão de Otomo era muito grande para qualquer estúdio de produção, e ele, que exigia controle criativo, não aceitaria menos do que uma realização completa de sua visão. E assim, um comitê foi formado, representando um conglomerado de empresas japonesas — incluindo Toho Co., Ltd., Bandai Co., Ltd., a editora Kodansha Ltd., e várias outras — determinadas a financiar e coproduzir o mangá de Otomo em um projeto sem precedentes de US$ 11 milhões, composto por 160.000 células de animação meticulosamente detalhada, que fez oito vezes seu orçamento na bilheteria internacional.

O filme começa quando uma gangue de motoqueiros adolescentes liderados pelo amigo Kaneda, envolve outro grupo chamado Clowns. Durante a briga na estrada, o melhor amigo temperamental de Kaneda, Tetsuo Shima, se acidenta ao entrar em contato com um menino de aspecto curiosamente envelhecido e dotado de poderes telecinéticos. De repente, naves do governo chegam para levar Tetsuo e o garoto enrugado. A gangue de Kaneda passa por interrogatório, sem saber que o garoto era um cobaia movido por rebeldes de uma instalação do governo onde cientistas tentam imbuir crianças especiais, chamadas Espers, com "o poder de um deus".

Tetsuo logo passa pelos mesmos experimentos sob a supervisão do Dr. Onishi e seu comandante militar Coronel Shikishima, que tentam replicar o poder indefinível de um Esper chamado Akira, um menino cujos poderes eram tão grandes que causaram a explosão em Tóquio décadas antes. Mas as habilidades naturais de Tetsuo são desencadeadas pelo Dr. Onishi e rapidamente se tornam instáveis e incontroláveis, transformando-o em um maníaco violento, alucinante e faminto por poder determinado a colocar Akira, que sobrevive apenas como órgãos dissecados contidos em frascos, livre de sua prisão subterrânea criogênica. Enquanto isso, Kaneda se interessa por Kei, uma membro de uma facção rebelde determinada a desestabilizar o governo corrupto e irresponsável. Kei e Kaneda logo percebem que ambos estão atrás da mesma coisa, embora não ideologicamente. Quando descobre o que aconteceu com Tetsuo, Kaneda se junta aos rebeldes para recuperar seu melhor amigo e impedi-lo de destruir toda Neo-Tóquio.

No animê, o realismo e o estilo têm uma estranha interação que continua sendo seu motivo visual definidor. Com suas raízes no mangá, o artista de animê comanda ambos os elementos e assume o controle completo. No caso de Akira, o realismo de Otomo se apresenta na forma de imagens pintoras que retratam a incrível paisagem iridescente da cidade de Neo-Tóquio, as imagens apenas um pouco menos fantásticas do que a visão futurista de Ridley Scott para sua Los Angeles inspirada em Tóquio em Blade Runner (1982). Por outro lado, Otomo emprega uma estilização mais cômica em outros lugares, particularmente nas cenas menos pesadas e mais acionadas ou de alívio cômico envolvendo Kaneda. O animê muitas vezes tem essas justaposições de estilo e tom, mas poucos se misturam, bem como a abordagem de Otomo em Akira.

O resultado é inspirador e completamente imersivo. Ao mesmo tempo, o alcance de Otomo, dada a sua abordagem inquestionavelmente cinematográfica, torna-se evidente em todos os lugares, desde inúmeros outros filmes de animê, como Ghost in the Shell (1995), até obras live-action como Matrix (1999) e O Quinto Elemento (1997). Mas o filme é muito mais do que visuais atraentes, conceitos de ficção científica e ação de motocicletas.

É impossível assistir às cenas de abertura de Akira e não pensar imediatamente no bombardeio dos Estados Unidos em Hiroshima e Nagasaki na Segunda Guerra Mundial. Nos próximos anos, o Japão pós-guerra cresceria superpovoado e ocidentalizado. O crescimento econômico desenfreado do país levaria ao que é considerado a epítome das cidades futuristas: Tóquio moderna — uma orgia metropolitana de luzes de neon e ruas movimentadas. Desenvolvida e exagerada na ficção científica e no mangá, a Tóquio do futuro se torna um epicentro metafórico para tudo de errado com o Japão pós-guerra, como a identidade nacional é deformada e talvez perdida no desejo de reconstruir sem restrições. A humanidade e certas liberdades se perdem nesse processo, mas a tecnologia e os requisitos visionários necessários para dar forma ao futuro inegavelmente encantam. No entanto, por mais que Akira critique o Japão pós-guerra e a reformulação da cidade e da cultura da época, seus efeitos sobre os seres humanos são muito mais invasivos.

Além da tecnologia, o indivíduo passa por uma reconstrução semelhante nas mãos de Otomo, especificamente em Tetsuo. Sequestrado e sujeito a experiências desconhecidas, Tetsuo alucina em imagens de sonhos que assustariam Dali. Em uma sequência sangrenta, suas entranhas derramam no chão em uma pilha, e ele tenta desesperadamente puxá-las de volta para dentro; outra sequência mostra um sonho noturno onde projeções de animais de pelúcia se transformam em monstros imponentes. A mente de Tetsuo começa a se expandir. À medida que desenvolve poderes telecinéticos, ele age em demonstrações de violência e destruição. Ele perde todo o sentido de sua história e devoção aos seus amigos. O próprio Tetsuo pode ser uma metáfora para o Japão pós-guerra, ficando fora de controle. 

Em termos menos gráficos, Akira representa sua juventude como rebeldes contra a cultura lutando contra o sistema ou envolvidos em gangues criminosas, de qualquer forma contra a autoridade em todas as formas. Esta é a tragédia do futuro de Otomo no que se refere aos seus personagens, apresentando uma alegoria cínica de como o Japão pós-guerra tem sido irrecuperavelmente influenciado, corpo e alma.

Mais de 3 décadas depois, Akira, de Katsuhiro Otomo, ainda inspira admiração. Hollywood tenta por mais de uma década produzir uma adaptação live-action (bata na madeira!), resultando apenas em falsos começos. Mas nenhuma quantidade computação gráfica cara, poder estelar (nomes envolvidos incluíram Leonardo DiCaprio, Keanu Reeves e Garrett Hedlund), ou valor de produção blockbuster poderia coincidir com a visão singular que Otomo alcançou em 1988. 

Akira permanece tão densamente mergulhado em espetáculos, ideias de ficção científica e uma sobrecarga de informações visuais que seus comentários sociais e culturais podem se perder para os espectadores mais interessados em espetáculo e menos atentos ao conteúdo. Este animê é uma conquista tão extraordinária que exige ser vista e revistada novamente para uma reavaliação em sua mais profunda relevância. E ser apreciada como um marco não apenas de animê, mas de cinema internacional.

sábado, 2 de janeiro de 2021

O QUE HÁ DE ERRADO COM CARDCAPTOR SAKURA? OU... POR QUE O YOSHIYUKI TERADA DEVERIA SER PRESO?

Não! Você não entrou no blog errado! 

Cuecas têm todo o direito de curtirem séries sobre garotas mágicas!

É nosso direito!

Tenho, é claro, meus títulos favoritos que gosto de citar como exemplos. 

Sailor Moon é a quintessência da série de garotas mágicas super-heroínas (e merece uma postagem só para ela!). 

Revolutionary Girl Utena é a quintessência da série de garotas mágicas mais ambiciosa.

Princess Tutu é a quintessência inesperada de uma incrível série de garotas mágicas. 

Shugo Chara! é a série de garota mágica por excelência.

Guerreiras Mágicas de Rayearth é um dos maiores clássicos do gênero, o qual a versão animada tive o privilégio de ver dublada.

E Cardcaptor Sakura é... Bem, uma das melhores e mais ousadas séries de animê a serem exibidas na TV brasileira.

Sim!

Então, após uma apresentação tão entusiasmada, o que pode haver de errado com a série?

Esta é uma postagem idiota que visa a problematização de um seriado inofensivo?

Longe disso!

A palavra certa não seria problematização, mas uma análise fria acerca de pontos polêmicos escancarados nas páginas do mangá original e sabiamente suprimidos em sua versão animê.

E se você tem problemas com spoilers, talvez devesse tomar cuidado com que vai ler. Mas garanto que não entrego muito do que possa estragar a sua experiência.

Se bem que ainda existe uma forma de entregar spoilers sobre a série, visto o seu já distante lançamento?

Cardcaptor Sakura foi a primeira história de garota mágica que cheguei a acompanhar também em formato mangá. 






Eu não conhecia muito da reputação do Clamp, o grupo das senhoras mangakás responsáveis pelo título, uma vez que o seu único trabalho que já conhecia era Guerreiras Mágicas de Rayearth, animê/mangá inclusive onde se encontram, na minha opinião, os melhores personagens criados pela turma.

Hikaru é a maior heroína do universo de garotas mágicas; 

Zagato é o "vilão" mais fodão do estilo; 

Caldina tem uma cara de pau monumental, muito gostosa, foi minha paixão de infância. 


Caldina, minha deusa!

Cardcaptor Sakura, apesar de provar-se um tanto açucarado demais para o meu gosto, sua história e os seus personagens são especialmente envolventes.

Fui capaz de apreciá-lo, mesmo que ainda não estivesse muito familiarizado com o gênero.

Embora a história não fosse especialmente marcante, tanto o mangá quanto o animê continuamente quebram minha suspensão de descrença com suas representações de crianças do Ensino Fundamental que letargicamente discutem conceitos abstratos durante o recreio. 

Em ambas as versões, Sakura Kinomoto, a heroína, apresenta uma personalidade cativante e é uma pena o fato das suas criadoras parecerem tratá-la mais como uma boneca da moda do que como um ser humano, o que faz dela não marcantemente interessante.

A história em mangá começa parecendo açucarada, mas vai aumentando gradualmente a sua estranheza, tudo isso ainda mantendo um verniz doce. 

Primeiro, Sakura tem uma queda por Yukito, o melhor amigo de seu irmão mais velho Touya, o que não é grande coisa porque isso pode acontecer na vida real.

Já os sentimentos de Touya por Yukito não eram muito claros durante uma boa parte da história no animê, mas foi gradualmente ficando claro que o irmão de Sakura se preocupava muito com esse seu amigo. 


Touya e Yukito:
No animê era só na "brotheragem"?

A relação dos dois jovens era tão sutil na versão animada da obra que muitas pessoas que assistiram Cardcaptor Sakura na TV Globo pelas manhãs, faixa destinada naqueles bons tempos à programação infantil com desenhos animados, sequer foram capazes de entender que eles eram muito mais do que apenas amigos.

O relacionamento de Touya e Yukito era realmente muito sutil, porém não tão sutil quanto o relacionamento da oficial de polícia Maggie Sawyer e a repórter Toby Raines apresentado na aclamada animação Superman Animated Series de 1996.


Superman Animated Series:
Maggie Sawyer e Toby Raines:
apenas boas amigas?

Isso mesmo!

Todo mundo assistiu o desenho animado do Superman lançado em plena década de 90 e sequer se deram conta de que aquelas duas personagens eram namoradas.

Já imaginou se fosse nos dias de hoje? 

Provavelmente haveria muitos protestos nas redes sociais, acusando a Warner, como dizem os jovens de hoje, de lacração (seja lá o que for o que isso significa!), ou de expor as crianças à relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, mesmo que este tenha sido retratado de modo tão implícito e quase inexistente.

Touya estava longe das suspeitas por ter namorado durante um tempo Mizuki Kaho quando esta foi sua professora no Ensino Médio (Garanhão?).


A professora que tirou a virgindade do Touya.

O irmão de Sakura confessou seus sentimentos, e Kaho, ao invés de agir como uma professora deveria agir, começou a sair com o rapaz e não foi demitida e nem foi para a cadeia!

Bom... Nenhum sexo é retratado ou fica implícito na história, mesmo no mangá. 

A intimidade física nunca vai além de segurar as mãos, o que não desculpa o Clamp por estabelecer alguns relacionamentos muito estranhos.

Chega então o episódio 66 de Cardcaptor Sakura, o mais bonito, artisticamente falando (a qualidade da animação e do roteiro), no qual Sakura declara estar apaixonada por Yukito e este confessa que há muito tempo já sabia disso, mas, apesar da felicidade que sentia por receber tanto amor de uma pessoa como ela, em uma cena muito doce, ele explica à criança que o sentimento dela é apenas ternura, como o sentimento presente entre irmãos ou entre pais e filhos.


Cardcaptor Sakura 66:
Sakura confessa seus sentimentos à Yukito.

De fato, Yukito, fisicamente, lembra bastante o professor Fujitaka Kinomoto, o pai de Sakura.

Fora isso, o rapaz ainda revela amar uma outra pessoa.

Sakura pergunta: "E essa pessoa seria o meu irmão?"

Yukito se surpreende com o fato da menina ter descoberto o seu segredo e responde: "Sim. Mas não sei se ele sente o mesmo por mim..."


... e o Yukito deixou a Sakura na Friendzone.

Descobrimos durante o mangá e o animê que o pai de Sakura se casou com a mãe dela, Nadeshiko,  quando esta ainda estava no colégio onde ele lecionava, o que pode ser um pouco estranho, mas não totalmente... talvez. 

Na  vida real, há muitas pessoas com histórias parecidas. 

Aqui ainda não dá para acusar Cardcaptor Sakura de não ser realista, porém...

Fujitaka não tem passado, nem família, na verdade ele é (spoilers), apenas no mangá, a reencarnação do mago Clow, ou melhor, uma de suas várias reencarnações. 

Uma revelação impressionante para o pobre, dedicado e sorridente professor. 

Só no Japão mesmo vemos um professor sorrindo o tempo todo.

(Porque naquele país quem educa é realmente valorizado!)

Nadeshiko, ao contrário, era de uma família muito endinheirada.


Nadeshiko: Facilmente uma integrante do meu
Top 10 waifus dos animês.
Por Osamu Tezuka! Que mulher linda!

Fazendo as contas, chegamos facilmente a chocante revelação que, quando o casal se conheceu na escola, Nadeshiko tinha apenas 15 anos.

E quando tiveram o seu primeiro filho, Fujitaka deveria estar com  25 anos, enquanto Nadeshiko teria 16 anos!

Sério mesmo, Fujitaka?!

Nadeshiko era menor de idade quando você a embuchou!

Isso não dá cadeia no Japão?!


Fujitaka: "Parece que um anjo caiu em cima de
mim
..."


Mas, para a família da esposa de Fujitaka, o problema no relacionamento dos dois não era uma questão de diferenças etárias, mas o fato de ele não ser
 não ser rico, isto é, as diferenças de classe sociais.

Clamp demonstra com Cardcaptor Sakura um estranho fetiche pelo romance professor-aluno, uma vez que há ao menos 3 casos presentes nesta obra, sendo dentre todos a dupla Rika e Terada a mais problemática e aquela a qual motivou a escritura desta postagem.

Rika é uma das colegas de escola de Sakura, sendo constantemente descrita como muito madura para a sua idade. 

No animê, o seu amor pelo seu professor é totalmente platônico e não correspondido. 

O professor Yoshiyuki Terada também é apresentado como um desentendido, como se não tivesse consciência dos sentimentos de Rika para com ele.

Ainda nesta versão animada, Rika chega a dizer que acha Terada muito parecido com seu pai, o que poderia classificar o sentimento dela como ternura apenas, do mesmo modo como são os sentimentos de Sakura por Yukito.

Enquanto no animê, temos algumas cenas de trocas de olhares como estas:

No mangá, Terada responde aos olhares de Rika e até cora (WTF???):

Também na versão impressa, Sakura e Tomoyo pedem conselhos românticos à Rika porque sabem que ela já sai com alguém mais velho e, para finalizar,  Terada presenteia a menina com um anel de compromisso (???) e ela... aceita...


Uma aliança... de compromisso...

No animê, também temos o conhecidíssimo episódio dos ursinhos de pelúcia. 

Rika costura um ursinho para presentear o seu professor, quando Tomoyo lhe diz que o dia do aniversário dos ursinhos é o dia em que você os entrega, e se você o entrega a uma pessoa de quem gosta e esta põe no ursinho o seu nome, o amor é verdadeiro. 

Terada aceita o presente, mas não corresponde aos sentimentos da menina.

Já no mangá, contudo, antes de Rika explicar o significado por trás do nome dos ursinhos, Terada já se adianta e diz que chamará o seu ursinho de "Rika"...

Também no mangá, Rika está para encontrar seu professor em uma praça e ela consola Sakura ao falar sobre amores à distância.


A Sakura já foi embora?
Estamos sozinhos agora?

Rika não pode estar com a pessoa que ama e, quando Sakura pergunta o motivo, ela responde: "Por seu trabalho".

Por seu trabalho... e por outras coisas... não?

Sinto muito Clamp, um homem adulto com uma menina de 10 anos não é amor, é pedofilia.

Enquanto isso, a apresentação melosa nunca vacila, o que é, em si, uma conquista artística significativa. 

Talvez seja por isso que as crianças desta obra não se comportam como crianças. 

Clamp não carece de talento artístico, seja no desenho ou na escrita, poderiam criar crianças meio convincentes se quisessem, então concluo que não quiseram. 

Se as crianças em Cardcaptor Sakura se comportassem como crianças, isto provocaria o sentimento natural de repulsa na plateia quando essas crianças se envolvessem em situações românticas com adultos. 


Fujitaka e Nadeshiko: quem somos
nós para julgar?

A combinação de designs de personagens de animê moe e caracterizações irrealisticamente adultas servem para amortecer a resposta normal. 

E, claro, todo mundo é bonito dentro deste universo idealizado pelo Clamp: Não há crianças desajeitadas ou adultos feios.


Agora isso é errado!!!
Ela tem só 15 anos!!!

As mangakás têm tanto sucesso em permear suas obras com um ar de inocência que é fácil imaginar dizermos a elas: "Parte disso é meio pervertido", e ouvir a resposta delas com os olhos arregalados: "Bem, eu não tinha ideia!" 

Para uma protagonista, Sakura é decididamente alheia: Ela tem uma vaga ideia de que Rika tem um “namorado mais velho”, mas não sabe quem é, ou quantos anos ele realmente tem; não sabe da obsessão de Tomoyo por ela; não está presente quando Eriol e a professora Misuki Kaho anunciam seu amor um pelo outro; e também não sabe sobre a história de Touya com a mesma Kaho.


Sakura e Syaron:
Caramba, os dois ficam ótimos juntos!

No final, Sakura está em um relacionamento canônico com seu antigo rival, Syaoran, sem parentesco nenhum com ela e ainda da sua mesma idade, tornando esta uma relação incomum na história!

Justiça seja feita, Clamp trata Sakura muito melhor do que muitos "fãs", já que ela tem a duvidosa honra de ser a criança fictícia mais abusada sexualmente na internet... eww!

De acordo com sua página na TVTropes: “Um tema que permeia os trabalhos do Clamp é que o amor transcende tudo, particularmente aquela coisinha chata chamada gênero”. Foram educados demais para notar que também o retrata transcendendo aquelas pequenas coisas irritantes chamadas "idade e consanguinidade".


Chobits.

Possivelmente, a apresentação mais clara da visão de mundo de Clamp está em Chobits, no qual sua visão filosófica presente afirma que, como todos são diferentes, as inclinações românticas de todos são diferentes e cada pessoa deve encontrar a sua felicidade individualmente. 

Amor romântico, de acordo com Clamp, não tem propósito ou objeto fixo.

A concepção de amor de Clamp está metafisicamente enraizada na filosofia pós-moderna, especificamente, em Jean-Paul Sartre que propôs a ideia de que, para os seres humanos, a existência precede a essência, o que significa que não existe uma natureza humana fixa. A implicação final dessa ideia é que não há causa final, ou seja, nenhum propósito, para a existência humana à parte da vontade individual.


Jean-Paul Sartre:
Conheci o seu existencialismo em 
minha última graduação.

Um sistema metafísico mais antigo e mais rigoroso do que o de Sartre sustentou-o como um princípio de que nada pode existir sem existir como alguma coisa, o que significa que a identidade (essência) necessariamente acompanha a existência em todos os casos. É também um princípio desse sistema mais antigo que a causa formal implica a causa final, portanto, uma vez que admitimos que o termo humano é um universal referindo-se a um grupo de objetos distintos e identificáveis, devemos também admitir que há um propósito para a existência humana.

Por que eu escrevi tudo isso?

Seria só para aumentar o tamanho da postagem?

Também.

Mas não foi só por isso. 

Sou de um tempo em que animês eram muito menos conhecidos e começavam uma invasão silenciosa nas TV's abertas.

Naquela época, conspiracionistas fanatizados com mentalidades de seitas eram apenas uma minoria barulhenta que apontava o "diabo" em tudo o que não era "cristão" e, infelizmente, a sociedade permitiu que eles ganhassem corpo.

Se para estes grupos de ódio encontravam em Dragon Ball Z, Pokémon e Yu-Gi-Oh! motivos para acusar as produções japonesas de promoverem o satanismo, Cardcaptor Sakura seria um prato cheio se tivessem tido à época paciência para assistir. 

Censuras e resistência das emissoras de TV em exibir animês eram muito frequentes graças à parte dessa opinião pública negativa.

Lembram da comunidade do finado Orkut "Deus, destrua o Japão" surgida logo após o terrível terremoto de magnitude 8,9 que devastou a costa noroeste do Japão em 2011 e o ódio que divulgava contra aquele povo por supostamente "promover o homossexualismo e a pedofilia por meio da cultura pop"? (Perderam o tempo deles espalhando "fake news" e rogando pragas. A admirável competência do povo japonês reconstruiu em pouco tempo o país.)

E hoje, com muito mais facilidade de trocar e transmitir informações falsas, pensem no estrago que poderia ser feito.

Isso é muito preocupante.

Mas voltando a Sartre e Clamp...

O existencialismo de Sartre poderia fornecer um irrefutável argumento intelectual para uma censura, o qual hoje qualquer um com habilidade para pesquisar poderia ter acesso. Os referidos grupos de ódio, com a maior facilidade de compartilhamento de informações via redes sociais, podem mesmo utilizar da racionalidade para embasar os seus argumentos irracionais.

E vejam que no caso em questão, a proibida relação do professor e da aluna, seria impossível refutar. Se alguém argumentar que certas relações sexuais são contrárias à dignidade humana, o contra-argumento inevitavelmente volta que se trata de amor, e certamente você não se opõe ao amor, não é? Esse contra-argumento só é inteligível porque o homem pós-moderno perdeu a capacidade de distinguir diferentes tipos de amor.

“Amor, não sexo”, diz o anônimo criador de memes. 

Não importa que Terada dê a Rika um anel de noivado, cujo propósito é conhecido por todos e não importa que a série de mangás termine com ela indo para um encontro secreto com ele.  

Se Terada realmente amasse Rika, verdadeira e corretamente, manteria suas mãos sujas longe dela.

A mensagem original das Clamp era passar um amor não sexualizado e baseado unicamente nos sentimentos puros, mas a mesma obra se contradiz ao mostrar que a relação dos dois personagens é completamente secreta.

Por que Terada espera escondido atrás de uma árvore para se encontrar com Rika até que Sakura vá embora? 

Por que eles se encontram secretamente a sós na biblioteca se o seu amor é verdadeiro?

Se não fazem nada de mal e seu amor é inocente, por que precisam se esconder e fazer tudo a sós?

Assim, infelizmente, o mangá pode estar passando a ideia errada de que menores de idade podem ter relações com adultos contanto que estas sejam mantidas em segredo.

Constantemente é dito que Rika é muito madura para a sua idade, como se isso justificasse a pedofilia.

Por que exatamente Cardcaptor Sakura, uma franquia açucarada sem conteúdo sexual, é tão insanamente popular entre os chamados lolicons? 

Acho que a resposta é porque para eles a história se passa em uma espécie de mundo de fantasia pedófilo, um universo alternativo onde as crianças são apenas adultos em miniatura e onde ninguém nunca ultrapassa quaisquer limites sexuais, porque parece que nunca houve nenhum, em primeiro lugar.

Com seus acertos e erros (graves erros), Clamp exemplifica os distintos tipos de amor em um mundo inocente e cheio do boas intenções. 

Mas o caso de Rika e Terada... é melhor nem falar.


Masaki Amamiya e a recordação de sua neta Nadeshiko.

Nadeshiko e Fujitaka, tirando a parte em que a mãe de Sakura tinha apenas 15 anos quando se conheceram, nos deixaram lições sobre a importância de respeitarmos as escolhas de um ente querido e que não sejamos possessivos, não permitindo que ele seja feliz vivendo a sua felicidade, já que, para quando superarmos, pode ser tarde de mais.

Creio que poderia ter sido muito interessante ver uma história em que Fujitaka encontra o amor com uma outra pessoa depois da morte de Nadeshiko. 

Veríamos um exemplo de amor verdadeiro onde a nova mulher respeite o amor de Fujitaka por sua falecida esposa. 

O grande problema da ideia é que o reencontra entre os pais de Sakura que ocorreu na mangá não teria o mesmo impacto.

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

BRUCE LEE INSPIROU A FICÇÃO E A VIDA REAL


Artista marcial. Filósofo. Cineasta. Mestre.
Bruce Lee foi um dos maiores artistas que o mundo já conheceu. 
Treinado nas artes marciais pelo igualmente legendário Ip Man, é considerado por outros grandes nomes como o melhor lutador de todos os tempos. Ele foi um dos responsáveis por apresentar o kung fu ao mundo e mudou completamente a forma como os asiáticos eram representados nos filmes norte-americanos.
A grandiosidade do nome Bruce Lee é indiscutível pelos maiores experts do mundo da luta. Assim, considero mais interessante para o leitor, abrir a postagem com algumas das opiniões selecionadas de alguns dos maiores mestres e artistas que tiveram a oportunidade de vê-lo em ação. 


Todos depoimentos dos referidos artistas marciais seguir foram diretamente extraídos do livro Bruce Lee & the Dawn of Martial Arts in America, ainda indisponível na versão em português do Brasil.



Ed Parker 
(1931-1990)
Titulação: Mestre décimo Dan (fundador do kempo karatê norte-americano)

"A primeira impressão que tive de Bruce Lee foi a de que era um fanfarrão. Mas logo descobri que havia me equivocado. Fiquei impressionado por seu talento. Ele era um entre 2000 milhões. Ensinava-lhe um golpe e uma nova técnica e, no dia seguinte, já o executava melhor. Se Deus pudesse dar um nome a todos os talentos naturais para as artes marciais, esse seria 'Bruce Lee'. Um indivíduo sem o seu talento natural poderia passar a vida inteira treinando e não encontrar jamais o que ele tinha"



Dan Inosanto
Titulação: Mestre em Pencak Silat Esgrima e Jeet Kune Do

"Eu, que lutei contra Bruce Lee muitas vezes, posso assegurar que ele era ainda melhor do que em seus filmes. Ele era realmente rápido e seus golpes eram muito explosivos. Sua velocidade, reflexos e resistência eram superiores. Já o vi enfrentar oponentes do judô, do kung fu, etc, e nunca jamais o vi perder. Comparando-lhe com Chuck Norris, por exemplo, um dos maiores competidores daquelas épocas, posso dizer que, na realidade, Bruce Lee brincava com ele, como um adulto brinca com uma criança. Digo isto sem reservas de nenhum tipo. Não é por desacreditar de Norris, que também é grande, mas esta é a verdade"



Joe Lewis
(1944-2012)
Titulação: Campeão dos pesos pesados de Full Contact e Kick Boxing

"Bruce Lee foi o homem mais rápido que já confrontei. Tinha ombros grossos, mãos rápidas e pernas magras e fortes e um bom torso que é a chave da explosividade em qualquer atleta. Tinha uma inteligência abstrata, soberba. Era muito bom conceitualizando. Podia traduzir imediatamente uma ideia em um conceito verbal e uma ação física. Apenas alguns poucos mestres são capazes disto. Por isso, a mim, me impressionou tanto"



Ernest H. Lieb
(1940-2006)
Titulação: Mestre Décimo Dan American Karate System

"Conheço em pessoa o senhor Lee. Tive o privilégio de trabalhar com ele diversas vezes. Ele superava em velocidade a maioria dos faixa-pretas que conheço. Ainda que eu tenha ganhado 42 torneios de karatê, não me considero a sua altura"



Ken Knudson
(1944-2006)
Titulação: Faixa Preta em Goju Shorei, Campeão de Karatê

"O poder dos socos e chutes de Bruce Lee são explosivos e perturbadores. Uma vez, ele me fez uma demonstração de seu chute lateral que me moveu tão rápido que me deixou com a sensação de que meus olhos tinham saído do lugar com o impacto. Aplica em todas as suas técnicas a lógica e me refiro a uma muito boa lógica em todas as suas técnicas"



Wally Jay
(1917-2011)
Titulação: Faixa Vermelha Décimo Dan Small Circle Jujitsu, Faixa Vermelha e Branca Sexto Dan em Judô

"Bruce é fascinante e incomparável. Não deixo de me impressionar com a sua capacidade, sua velocidade de relâmpago, sem detrimento da força tremenda de seus golpes"



John Rhee
(1932-2018)
Titulação: Mestre Décimo Dan Taekwondo

"Não conheci ninguém mais dedicado às artes marciais do que Bruce Lee. Há aqueles que o acusam de ser um lutador apenas nos filmes e não na realidade. Mas eu, que treinei com ele inumeráveis vezes, posso assegurar que na realidade Bruce Lee era um combatente muito bom e com um grande instinto. Nunca me atreveria a lutar contra ele por tão bom e efetivo que era. Nunca conheci ninguém, em proporção ao seu peso, tão forte quanto ele"



Bob Wall
Titulação: Faixa Preta Karatê Shorin Ryu, Nono Dan em Tang Soo Do

"Bruce Lee rechaçava a competição tradicional pela injustiça e a parcialidade dos árbitros em particular. Se tivesse existido o Full Contact, estou certo de que haveria combate de maneira profissional. Em minha opinião, teria sido campeão do mundo em sua categoria. Devemos entendê-lo bem com relação a isto. Ele era realista. Era muito rápido e não havia nada que poderia fazer frente a um peso pesado. Tampouco era um 'Superman'. Mas em sua categoria, ou incluso em algo superior, não haveria encontrado rival. Tinha a velocidade, a pegada, a técnica e, sobretudo, uma vontade sagrada de vencer. Uma mente prodigiosa, estava muitos anos adiantado e trabalhava mais que ninguém. Não poderia mais que admirá-lo, ainda que, ao mesmo tempo, me incomodava um pouco que ele não fazia mais do que pensar nas artes marciais"



Mike Stone
Titulação: Décimo Dan de Karatê Shorin Ryu, Campeão de Karatê

"Bruce Lee era um dos artistas marciais com mais conhecimento que conheci. Estava avançado para o seu tempo. Havia muitas coisas que eu queria aprender dele, como por exemplo, melhorar a minha atitude fazendo sparring ou sua simplicidade na defesa pessoal. Bruce era uma das pessoas mais fortes, quilo por quilo, que conheci. Poderia ter vencido muitos oponentes muito mais pesados do que ele. Creio que haveria sido extremamente bem na competição se acaso houvesse sido demasiado rápido para a maioria dos juízes, tal era o seu nível"



Louis Delgado
Titulação: Campeão de Karatê

"Nunca vi nada igual a Bruce Lee. Já me encontrei com vários lutadores de karatê, mas Bruce foi o único capaz de me desconcertar completamente. Estou completamente assombrado quando luto contra ele. Nunca vi ninguém como ele. Também fiquei muito intrigado e assombrado com a biblioteca de livros de Bushido que Bruce Lee tem. Realmente, não creio que haja ninguém mais dedicado às artes marciais orientais que ele"


Mas como a estrela do filme, Bruce Lee, se tornou um ícone tão universalmente reconhecido, apesar de completar apenas quatro filmes e morrer aos 32 anos?


1. Bruce Lee foi o primeiro herói de ação do cinema


Antes de Lee, o combate na tela era duro e pouco convincente.
O treinamento de Lee em várias artes marciais e formação em dança inspirou uma abordagem mais fluida e realista para o cinema.
Ele queria que as lutas na tela parecessem brutais e elegantes, um tema que alimenta filmes de ação desde então como O Tigre e o Dragão e Matrix.
Os cineastas americanos também adotaram o conceito de uma figura solitária que, a princípio, parece um cara comum, mas, quando pressionada, se transforma em um exército de um homem só.
Sem Bruce Lee não existiria Bruce Willis.

2. Bruce Lee tornou as artes marciais abertas a todos


Bruce Lee, Angela Mao, Bob Wall e Chuck Norris.

Os colegas e tutores de Lee em sua terra natal, a China, desaprovavam as técnicas de artes marciais ensinadas à pessoas de fora. Mas quando viveu em Seattle nos anos 60, Lee abriu uma escola de kung fu e ensinou abertamente o seu próprio sistema, o Jeet Kune Do ("O Caminho do Punho Interceptador"). Dentre os seus melhores alunos estavam incluídos Steve McQueen e James Coburn.
Lee rejeitou os rígidos estilos clássicos das artes marciais individuais e concebeu o Jeet Kune Do como um sistema que funcionaria em uma luta real, uma mistura dos melhores aspectos de boxe, esgrima, judô e kung fu.
Antes de Lee, essas técnicas eram misteriosas e esotéricas. Hoje, você pode estar matriculado em uma aula minutos depois de terminar de ler esta postagem.

3. Bruce Lee foi o primeiro guru de auto-ajuda

          

Lee era mais do que apenas um lutador. Ele era um pensador que incentivava os alunos a adotar disciplina mental e excelência física.
Grande parte de sua filosofia está relacionada à simplicidade do Jeet Kune Do ("Seja como a água"), mas muito de seu pensamento pode ser aplicado de maneira mais geral e foi adotado (e distorcido) pela indústria da auto-ajuda.

"Simplifique. Afaste o que não é essencial. Gaste muito tempo pensando em algo e você nunca conseguirá fazê-lo."
"Para o inferno com as circunstâncias. Crie oportunidades."
"Não procure uma personalidade de sucesso e tente duplicá-la. Tenha fé em si mesmo."

4. Bruce Lee derrubou barreiras raciais (literalmente)


Bob Wall, Bruce Lee e Chuck Norris.

Há um momento fantástico no filme de 1972 de Lee, A Fúria do Dragão, onde o astro foi impedido de entrar em um parque público japonês por um guarda que aponta para uma placa acima do portão:

"Não são permitidos cães e chineses"

Lee simplesmente responde quebrando a cara dos homens que zombaram dele, antes de saltar e quebrar a placa do portão com um poderoso chute voador.


A história deste longa envolve um jovem estudante de artes marciais e o misterioso assassinato de seu mestre. Em busca da verdade e da vingança, ele descobre uma grande operação de tráfico de drogas, uma escola de lutadores rivais e a tensão entre chineses e japoneses como os responsáveis pela morte de seu mestre.

Em combates brutais, valendo-se unicamente da força de seus punhos, Lee enfrenta os assassinos de seu mestre e as forças imperialistas japonesas que querem dominar o seu povo.

Em um outro momento particular destacável, Lee entra em um dojo japonês rival e devolve-lhes um "presente" provocativo, um placa cujo letreiro diz "Doentes da Ásia" (um insulto persistente da Segunda Guerra Mundial). 


Lee também esmaga a placa com a inscrição racista, arrancando o seu papel e força alguns dos alunos do dojo japonês a comê-lo, após serem completamente derrotados pelo seu kung fu.

Vivendo um homem atormentando e impossibilidade de fugir do destino, Lee representa metaforicamente um dívida de sangue pelas dificuldades enfrentadas pelos cidadãos chineses desde o  momento histórico no qual os japoneses começaram a ter mais influência em Xangai e todo o sentimento de revanche do povo chinês pelas feridas deixadas pós-Segunda Guerra Mundial. (Assistam ao animê Joker Game, ele retrata brevemente o cenário de uma Xangai de joelhos ao imperialismo e dominada pela violência e pela corrupção de todos os lados)

O personagem de Lee é aqui um herói trágico com o fardo de sujar as mãos e macular os postulados pacíficos de seu respeitado mestre, paradoxalmente, em função da perpetuação da doutrina na qual foi educado. Lee é impressionante em sua atuação, não encontrando sequer um adversário à sua altura. Esta sua performance serve figurativamente a imagem mística de um dragão chinês indestrutível, símbolo de idealismo e resiliência, onde o sacrifício de alguns vale se proporcionar a felicidade de todos os demais.


"Hoje vocês comem papel. Na próxima, comerão vidro"

Nos anos 60/70, quando as atitudes transculturais não estavam ainda tão esclarecidas, o estrelato de Lee carregava um amplo poder por trás de uma mensagem intransigente: considerar uma raça como "inferior" a outra é estúpido.

5. Bruce Lee é o avô da corrida livre


Bruce Lee e seu mestre Ip Man

A filosofia Jeet Kune Do de Lee, expressão fluida combinada com eficiência de movimento, é praticamente o principal guia por trás da corrida livre/Parkour.
Muito da filosofia de Lee foi inspirada nas idéias zen-budistas em torno da transcendência do pensamento consciente ("O eu é o maior obstáculo à execução de toda ação física").
Os praticantes de corrida livre/parkour pretendem viajar de um ponto a outro da maneira mais suave e eficiente possível para obter um tipo de fluxo físico.
Visite qualquer academia/escola do Parkour e você com toda certeza verá um pôster de Lee, que certamente teria aplaudido a graça e o dinamismo do estilo.

6. Bruce Lee inventou o malhar


Antes de Lee, as academias de ginástica eram sobre fisiculturistas do tipo Arnie, uma obsessão competitiva, do tipo fetichista.
Com foco típico na praticidade, Lee percebeu que o corpo masculino ideal seria forte e musculoso, mas também elegante e aerodinâmico, construído para poder e velocidade. A ideia agora universal de ir à academia, parecer e se sentir bem e, talvez, criar um pouco de tônus ​​muscular é puro Bruce Lee.
O fato é que ele também bebeu bife liquidificado para aumentar seus níveis de proteína.

7. Bruce Lee é o pai espiritual do hip-hop


Bruce Lee e a atriz de Hong Kong 
Diana Chang Chun-wen em Chinatown 
de São Francisco.

Todos os elementos básicos do hip-hop têm raízes na filosofia fluida e livre de Lee (rap freestyle, scratching) e na fisicalidade de agitar as pernas (breakdancing).
Mas ele também foi uma grande inspiração como ícone étnico, um "outsider" cuja presença e potência ofereciam uma imagem surpreendente de empoderamento não-branco (RZA de Wu Tang Clan: "Eu acredito que Bruce Lee era um profeta menor").
Lee foi referenciado, analisado e amostrado em inúmeras faixas inspiradas em hip-hop. A sua imagem do filme Jogo da Morte de macacão amarelo (também referenciada por Tarantino para Kill Bill) foi referenciada diretamente para o clipe de Game of Death de Gorillaz.

8. Bruce Lee moldou a cultura dos super-heróis

Para Stan Lee, fundador da Marvel Comics, "Bruce Lee era um super-herói sem fantasia. Ele foi o primeiro a conscientizar os ocidentais desse tipo de luta e modo de vida".
A Marvel produziu muitas séries de quadrinhos inspiradas em Bruce Lee, como Mestre do Kung Fu (Shang-Chi muito em breve terá seu próprio filme a integrar o MCU) e Punho de Ferro, e as qualidades instantaneamente reconhecíveis e sobre-humanas de Lee penetraram em muitas outras áreas da cultura pop (Tente encontrar um videogame de luta sem um Bruce Lee como personagem).

8.1. Personagens da DC e Marvel Comics

Richard Dragon

É menos uma referência a um personagem em particular e mais a alguns como um todo. Por causa da mania de kung fu dos anos 70 impulsionada por Bruce Lee, personagens como Punho de Ferro (Marvel), Shang-Chi (Marvel), Richard Dragon (DC) e Tigre de Bronze (DC) surgiram. 
As referências mais notáveis ​​que eu já vi com alguns dos personagens estão na arte em que estão representados. Às vezes, temos Shang-Chi vestindo um traje semelhante ao de Lee ou até desenhado para parecer mais semelhante a ele. Se tiver a oportunidade de ter em suas mãos algum exemplar dos quadrinhos clássicos, você observará que quanto mais antiga sua edição, mais Shang-Chi se assemelha a Lee. O Mestre do Kung Fu era um autêntico retrato de Bruce Lee.


Kill Bill Volume 1: A atriz Uma Thurman veste 
uma roupa realmente semelhante ao macacão 
amarelo de Bruce Lee de Jogo da Morte.
Sim, até Bob Esponja também referencia o 
mesmo filme envolvendo Bruce Lee. No
episódio "Ilha Karatê", Sandy Bochechas
veste o mesmo macacão amarelo e enfrenta 
uma série de oponentes em cada andar de 
um edifício semelhante às lutas finais 
de Jogo da Morte.


8.2. Vídeo Games

Maxi e Li Long (Soul Calibur)


Aqui estão dois personagens da série Soul Calibur que foram influenciados por Lee. Sim, o visual não existe, mas um acessório de Lee está presente: o nunchuckus. Ele os usou na maioria de seus filmes como Jogo da Morte e Operação Dragão. Além disso, alguns dos movimentos do astros estão presentes.


Fei Long (Street Fighter) 


Fei Long surgiu em Super Street Fighter II. Um dos maiores tributos a Bruce Lee dentro dos vídeo games. O passado de Fei Long nunca foi muito explorado dentro do modo história do jogo, mas tal qual Bruce Lee, Fei Long é um habilidoso lutador e um grande ator do cinema oriental. 


O encerramento do personagem (imagem acima) é um dos melhores de todo o Super Street Fighter II e é como o final da história do próprio Bruce Lee. Mesmo após a sua morte, seu legado se mantêm vivo com centenas de milhares de estudantes de artes marciais por todo o mundo, os quais receberam seus ensinamentos e os transmitirão para as próximas gerações e para todo o sempre.

Jacky (Virtua Fighter)
 

Jack Bryant é menos uma referência à sua aparência e mais ao estilo de luta de Bruce Lee.
Com relação a sua aparência, podemos ver claramente que o personagem é inspirado no músico britânico Billy Idol.  
Você pode olhar para Jacky e dizer com certeza que ele não se parece nem um pouco com Bruce Lee, mas o seu estilo de luta é exatamente o Jeet Kune Do, o estilo de luta que Lee inventou. 
Só não me pergunte se ele está usando certo, porque eu não sei.  

Lei Marshall Law e Lei Forrest Kaw (Tekken)


Marshall Law era o sósia de Bruce Lee na série Tekken
Em Tekken 3, ele foi substituído por seu filho, chamado Forrest Law e que também era praticamente Bruce Lee 2.0. 
Eles tinham tudo, desde a aparência até alguns dos maneirismos, os gritos e também usavam os famosos macacões amarelos. Eu me pergunto: O que aconteceu com Forrest depois de Tekken 3? 
Ele voltou no Tekken Tag Tournament 2, mas isso é tudo. Oh, bem, ele era apenas um clone de seu pai.

 Liu Kang (Mortal Kombat)


A maioria dos lutadores de Mortal Kombat foi baseada em algum dos grandes nomes da cultura pop. Johnny Cage era praticamente um pastiche de Jean-Claude Van Damme, enquanto Liu Kang, era Bruce Lee. A aparência e os seus maneirismos estavam presentes no primeiro jogo. 

É como se alguém literalmente pegasse o personagem de Lee de Operação Dragão e o jogasse no game. Em Mortal Kombat original, Liu Kang era praticamente o próprio Bruce Lee. Nos próximos jogos, ainda adicionaram ao personagem os mesmos gritos de Lee, mas ele foi ganhando mais personalidade própria, com um design que incorporou cabelos compridos e uma faixa vermelha estilo Ryu (ou Rambo). Em Mortal Kombat X ele tem o o seu melhor design, na minha opinião, incorporando longos cabelos grisalhos indicando a passagem do tempo na história da franquia. Já em Mortal Kombat 11, Liu Kang ficou com o desenho do seu rosto muito mais semelhante às feições de Bruce Lee e ainda ganhou nunchakus como mais uma referência ao ator e artista marcial chinês.


Evolução do design de Liu Kang.

E por falar em personalidade, Liu Kang é muito mais do que um Bruce Lee de cabelo comprido, chegando inclusive a agir como um anti-vilão por um tempo, mudando drasticamente o tom da sua história. Felizmente, ele retornou ao seu papel original como o eterno original protetor do Plano Terreno.

Os fãs mais antigos e esclarecidos dos videogames sabem que certamente Liu Kang teria sido o primeiro Bruce Lee dos games de luta, sendo seguido logo depois por Fei Long. 
Aqueles menos esclarecidos ainda se perguntam: Quem teria sido o primeiro? Liu Kang ou Fei Long?
A resposta certa é: Nenhum dos dois, uma vez que o primeiro Bruce Lee foi na verdade o personagem Kim Dragon do pouco conhecido jogo da Alpha Denshi (a antes conhecida ADK)/SNK World Heroes.

8.3. Animês


Sendo a cultura japonesa fortemente influenciada pelas artes marciais e pelos ideais benéficos do esforço e aprimoramento constante para superar os desafios e as adversidades, não é de surpreender ver estas particularidades culturais refletidas em sua indústria de histórias em quadrinhos e produção de desenhos animados. Vou citar apenas as referências mais óbvias, pois existem milhares de outras.

Kenshiro (Hokuto no Ken)


Começamos por uma das referências mais óbvias: Kenshiro, o herói/protagonista do animê/mangá Hokuto no Ken.
A história, uma das mais fantásticas e populares da história dos mangás que envolvem artes marciais, conta com muitos elementos do cinema de ação ocidental e oriental. O herói Kenshiro é muito semelhante fisicamente ao ator Sylvester Stallone e apresenta todos os trejeitos e maneirismos de Bruce Lee, incluindo os seus brados de batalha, e mesmo nunchakus foram por ele utilizados em algumas lutas.

Might Gai e Rocky Lee (Naruto)


Rocky Lee é uma das referências mais óbvias da história dos animês ao mestre Bruce Lee, inclusive em seu próprio nome. Além de fisicamente lembrar uma caricatura de Bruce, o personagem luta de forma maliciosamente idêntica. Embora Naruto seja uma história sobre ninjas, Rocky Lee luta livremente como um praticamente de kung fu na maioria das vezes.
Seu mestre Might Gai, o personagem mais legal e forte de Naruto na minha opinião (e também na opinião de Uchiha Madara), ainda que fisicamente lembre mais outro ator e também artista marcial chinês, no seu caso Jackie Chan, referencia muito mais a Bruce Lee do que seu discípulo em alguns detalhes da sua filosofia, maneirismos e estilo de luta. Posteriormente, Gai-sensei ainda acrescenta nunchakus aos seus acessórios de combate. 

Dragon Ball


Dragon Ball, provavelmente o animê/mangá mais conhecido do mundo não seria possível sem a existência de Bruce Lee. O mangaká Akira Toriyama, sendo um grande fã de filmes e fortemente influenciado por eles, para compor a sua obra, inspirou-se principalmente em Operação Dragão
O Tenkaichi Budoukai pega emprestada a ideia do filme que introduziu ao ocidente um torneio de luta com combates reais. 
A Torre dos Músculos, uma das mais famosas edificações da Saga Red Ribbon, com diferentes inimigos a cada andar com um estilo de luta diferente foi também inspirado em O Jogo da Morte.
O estilo de luta predominante de Dragon Ball é o kung fu, no entanto, com o decorrer da série, os personagens parecem assumir um estilo de luta próprio, o que pode ter sido influenciado pelo Jeet Kune Do e a filosofia de Lee (“Estilo do sem estilo”, "Seja água").
O próprio treinamento ministrado pelo Mestre Kame visava a preparação do corpo e da mente. Goku foi treinado para se adaptar e analisar o melhor jeito para vencer as lutas.


Já em Dragon Ball Z, vemos Vegeta treinando numa gravidade de 300G (imagem acima), na qual realizava apoios com dois dedos que muitos diriam serem impossíveis de serem executados por qualquer ser humano, mesmo se em nossa conhecida gravidade. Esse famoso apoio com dois dedos é o mesmo demonstrado por Bruce Lee durante uma apresentação de karatê.

Bruce Lee exite no universo das histórias de Dragon Ball?


ShenLong no Densetsu, o primeiro filme de
Dragon Ball: na cena vemos um misterioso
motorista mascarado idêntico ao personagem
Kato, interpretado por Bruce Lee na série de TV
O Besouro Verde.

É incrível, mas a resposta para a pergunta é SIM!
Além das várias referências na arte de Toriyama, o nome Bruce Lee foi mencionado por alguns personagens no começo da saga do Torneio de Artes Marciais. 
Quando Kuririn surge na história exigindo ser aceito como um discípulo de Mutenroshi, o Mestre Kame, o monge careca chega a mencionar ter treinado um tempo no templo de Bruce Lee.
O Mestre Kame fica feliz com isso e menciona que o ator e artista marcial é seu amigo.
"O Bruce é meu amigo", disse o velho mestre naquela ocasião.
Mestre Kame e Bruce Lee com certeza aprenderam muito um com o outro.


A lista de séries animadas, quadrinhos e filmes japoneses é imensa, portanto cito apenas mais algumas menções especiais:

Inosanto Dan (Tenjho Tenge): Inosanto Dan de Tenjho Tenge é uma cópia incrivelmente flagrante de Bruce Lee. Ele se parece, grita e se veste como ele. Usa nunchaku, é o presidente do "Jun Fan Kung Fu Club ", e assim por diante. 
E seu nome ainda é uma referência a um dos melhores alunos de Bruce Lee (presente na parte de depoimentos desta postagem).
Spike Spiegel (Cowboy Beebop): O caçador de recompensas protagonista da série, Spike Spiegel, ensina ao personagem Rocco um princípio de Jeet Kune Do. Quando você assiste Cowboy Bepop, descobre que Spiegel não só pratica as artes marciais Jeet Kune Do de Bruce Lee, mas também segue suas filosofias. 
Hitmonlee (Pokémon): A poderosa dupla de Pokémons lutadores, Hitmonchan e Hitmonlee, é baseada em duas grandes celebridades das artes marciais, Jackie Chan e Bruce Lee. 


Pao-lin Huang (Tiger & Bunny): Ágil e jovem lutadora de kung-fu Pao-lin Huang, também conhecida como Dragon Kid, do anime Tiger & Bunny, é uma homenagem direta a Bruce Lee. Adornada com um agasalho de treino amarelo e com um "Dragão" como apelido, uma homenagem ao clássico Operação Dragão (Enter the Dragon).
Shiryu (Saint Seiya),
Seijuro Shin (Eyeshield 21),
Wonrei (Gash Bell),
etc.

9. Abbas Alizadeh, o Bruce Lee afegão


Antes de falarmos sobre este incrível personagem real, o qual se popularizou na Internet desde 2014, é necessário um pequeno resumo de uma história esclarecedora para a atual situação do Afeganistão.

Se você conhece à fundo a realidade da referida nação do Oriente Médio e tivesse que escolher onde morar entre a Arábia Saudita, a Coreia do Norte e o Afeganistão, certamente escolheria ou a Arábia Saudita ou a Coreia do Norte. 

O Afeganistão é um país que há mais de 40 anos não vê a paz!

Tudo começou com o apoio militar da antiga União Soviética (URSS) ao governo legítimo socialista do Afeganistão no momento que este país se defendia principalmente dos insurgentes Muyahidines, grupo de guerrilheiros afegãos islâmicos liderados por ninguém menos que Osama Bin Laden e apoiados por armas e muitos dólares vindos diretamente do "país das maravilhas". 

Isso mesmo, os Estados Unidos por meio da CIA financiaram a Osama Bin Laden em sua luta contra os soviéticos no Afeganistão em uma operação que fez parte da Guerra Fria e contribuiria para o seu embate definitivo.

O Afeganistão é um lugar muito perigoso para se viver, mas nosso personagem, Abbas Alizadeh, não teme a morte e espera viver até os 50 ou 70 anos. Ele começou a treinar desde os 14 anos, imitava os movimentos de Bruce Lee e aprendeu a usar os nunchakus vendo os seus filmes. Bruce era seu herói de infância e sonhava em ser como ele.

Após conquistar a sua independência do Reino Unido em 1919, o Afeganistão, sob o governo do rei Amamnullah Khan, experimentou grandes progressos, especialmente em questão de Direitos Humanos.
Porém, tudo isso mudou após um golpe de Estado arquitetado pelo Reino Unido e com a queda com rei Amamnullah em 1929.
 
Nós latino-americanos estamos muito habituados com situações assim em nosso continente. Quando um país que outrora enfrentava grandes instabilidades começa a caminhar com suas próprias pernas, contrariando interesses transnacionais, tem sua caminhada interrompida por golpes financiados pelas grandes nações imperialistas (leia-se Estados Unidos). Perdemos o sentido de comunidade, de povo, agora fomos reduzidos apenas um amontoado de pessoas sobre uma terra arrasada. 
 
Em 1978, os socialistas chegaram ao poder no Afeganistão. Algumas de suas reformas foram boas e outras péssimas. Eles revolucionaram a escolarização, isso foi ótimo, porém cometeram equívocos com a reforma agrária e o seu erro mais grotesco foi impor uma ideologia ateia sem levar em conta o espírito religioso daquele povo. 
Facções rebeldes e religiosas extremistas desataram uma escalada de violência no Afeganistão. 
As duas maiores potências do momento, Estados Unidos e URSS entram então no jogo.
Aqui cabe uma distinção básica entre invasão e intervenção. 
A URSS não invadiu o Afeganistão. As duas nações estavam alinhadas politica e ideologicamente na época. O próprio governo afegão solicitou aquela intervenção por parte do governo soviético devido ao caos que reinava em seu país.
O mesmo não pode ser dito sobre a ação americana na Síria. O caso Síria foi uma invasão norte-americana, porém o caso Colômbia foi um simples uma intervenção. 
Estados Unidos e Colômbia estão alinhados politicamente há muitos anos e o governo colombiano solicitou a intervenção norte-americana. 
Pedidos de colaboração entre nações politicamente alinhadas fazem parte da geopolítica estável, a isso chamamos de intervenção. 
A ação norte-americana em solo afegão, conhecida como Operação Ciclone, teve Osama Bin Laden como um grande aliado para impedir o avanço do comunismo. Ele foi chamado pelo jornais norte-americanos da época de um guerreiro anti-soviético que lidera um exército no caminho da paz. Quem diria? 


Jornal norte-americano The Independent:
"Guerreiro anti-soviético põe seu exército na estrada para a paz"
Era assim que os Estados Unidos viam Osama Bin Laden quando
os inimigos dele eram os soviéticos.

O norte-americanos colocaram uma marionete sua no poder do Afeganistão em 1996 e os talibãs transformaram o país em um reino de terror. O resto da história todos conhecemos: Após o atentado terrorista ao World Trade Center em Nova Iorque (2001), cujo mentor teria sido Osama Bin Laden, os Estados Unidos invadiram o Afeganistão com uma intenção aparente de caçada ao terrorismo.
O Afeganistão é apenas um dos muitos exemplos de países onde a invasão dos Estados Unidos, em nome de seus interesses políticos e econômicos, substituiu um governo levando aquela nação a cair nas mãos de grupos religiosos extremistas anti-democráticos.
A hipócrita política norte-americana professa ser intolerante aos países que dialogam com ditaduras, mas os Estados Unidos por muitos anos dialogam e tem como aliados poderosas e sanguinárias ditaduras, como a Arábia Saudita, além de terem colaborado na criação de outras.

Em meio a todo este caos nasce um nova estrela, Abbas Alizadeh, um jovem que com a ajuda do esporte tenta inspirar os demais, grandes ou pequenos, a se tornarem fortes ante as adversidades. Entretanto, surgem religiosos radicais  que não apenas o criticam, mas também o ameaçam de morte. 
Se há 100 anos as mulheres do Afeganistão poderiam andar nas ruas sem medo, agora sabemos como devem andar vestidas. 
Se há 100 anos havia mais liberdade de pensamento, agora sabemos o que pensam aqueles que criticam o Bruce Lee afegão.
Se há 100 anos havia mais liberdade religiosa, os líderes daquela nação pautam toda a sua lei exclusivamente sob seu livro sagrado.

É revoltante pensar no grande perigo de vida que este jovem corre em pleno século XXI apenas por querer viver a sua liberdade e o mais importante sem fazer mal a ninguém.
Abbas Alizadeh é exemplo de persistência e perseverança. Em nome da liberdade, sua mensagem toca diretamente todos aqueles que ainda defendem a democracia. Frente um estado anti-democrático, desobedecer sempre, reverenciar jamais.

"Quero encontrar o meu lugar no mundo. Quero ser Abbas. Não quero ser Bruce Lee. Como já disse, nunca haverá ninguém igual a Bruce Lee. como tão pouco haverá outro como Abbas".

Abbas Alizadeh

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